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Reforma tributária deve incluir a renda

Se o assunto é política pública, importa menos quem tem os melhores argumentos e mais quem é ouvido; e por quem.

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Por Reinaldo Marques da Silva
Atualização:

Para sustentar uma sociedade e seu governo, o sistema tributário necessita seguir a ordem econômica. Em uma sociedade agrária, o rei pode cobrar parte da colheita como tributo, em uma sociedade de ladrões, parte da pilhagem.

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Nosso sistema tributário foi planejado há mais de 50 anos. Hoje, todavia, vivemos numa economia de serviços e de ativos globais, em que os capitais movem-se livre e rapidamente através das fronteiras. Nosso sistema tributário precisa de remendos; precisa de uma reforma.

As recentes discussões estão concentradas no consumo, com a provável criação de um Imposto sobre Valor Agregado (IVA), chamado de Imposto sobre Operações com Bens e Serviços (IBS). Todavia, não há proposta para tributar a renda dos mais ricos. O Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF) está previsto na Constituição, mas ainda não foi regulamentado. Ora, a reforma deve ser mais ampla e incluir o Imposto de Renda (IR).

O IR incide apenas sobre a renda declarada, sendo as mentiras aceitas pelo nosso ordenamento tributário. Os ricos têm uma miríade de meios para evitar o reconhecimento da renda para propósitos tributários, muitos deles perfeitamente legais.

A reforma tem que impedir os caminhos encontrados pelos contribuintes para evitar a declaração de renda. Carecemos de um sistema que reconheça a renda imediatamente, para que o IR seja pago rapidamente.

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Uma reforma real do nosso sistema tributário deve ser endereçada aos engenheiros financeiros que fabricam lucros e prejuízos, escondendo-os nas diversas camadas de complexas operações, omitindo documentos que habilitariam os auditores fiscais para identificar a renda tributável.

Nessa conjuntura, a reforma trabalhista já foi aprovada pelo Congresso e o mesmo está em vias de acontecer com a reforma da Previdência. Pois bem. O dinheiro da seguridade social tem sido apropriado pelo governo e gasto em outros interesses deste que não a seguridade social. Nenhuma palavra está sendo dita sobre como as pessoas estão perdendo o dinheiro que elas pagam em contribuições, e nem sobre a oportunidade de investir esses recursos financeiros em seus próprios interesses.

O Legislativo tem sido conivente com a corrupção e consolida a má gestão dos recursos públicos, em detrimento do futuro dos brasileiros. Por exemplo, enquanto o Senado aprovou PEC dos Precatórios (09/10/2019), prorrogando até 2028 o prazo para estados, Distrito Federal e municípios quitarem seus débitos com a população dentro de um regime especial de pagamento; acusados e condenados por corrupção terão as despesas com advogados pagas com recursos públicos, sem limites de gastos.

O combate à corrupção, o mote que elegeu o atual governo, dá lugar à institucionalização da corrupção, a qual está sendo aplaudida e defendida.

A mini-reforma eleitoral (Lei nº 13.877, de 27/09/2019) permite que os membros dos partidos políticos, eleitos ou não, paguem com dinheiro público os advogados que irão defendê-los dos crimes de corrupção, além de criar o direito dos partidos políticos comprarem e construírem sedes em todo o território nacional com as bilionárias verbas eleitorais e partidárias.

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A sociedade brasileira não pode se manter saudável, com uma robusta classe média que ofereça estabilidade política e econômica, se continuar o roubo do tempo e da oportunidade da população para economizar e investir. No longo prazo, essa tendência promoverá a instabilidade política. Em pouco tempo, as pessoas questionarão nossos valores democráticos e concluirão que as atuais regras não recompensam o trabalho honesto.

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Vivemos numa sociedade em que os ricos gozam de imensos benefícios do nosso sistema tributário, mas os pobres e as crianças pagam um alto preço.

Um dos princípios básicos da economia é a utilidade marginal do dinheiro. Para alguém sem dinheiro suficiente para se alimentar, um real a mais pode salvar a sua vida, enquanto que para alguém com uma renda de milhão de reais, um real a mais sequer é percebido.

Nosso sistema tributário é complexo porque nossa economia é complexa. Entretanto, essa complexidade também beneficia os ricos, bem aconselhados e bem conectados, capazes de fazer com que seus representantes no Congresso ouçam seus clamores.

O sistema tributário é usado pelos ricos, por meio de seus aliados no Congresso, para criar um país com menos empregos estáveis e menos renda para a aposentadoria dos trabalhadores, para deslocar os riscos dos empreendimentos dos ricos para a renda da população. E, o mais grave, o sistema tributário obriga os brasileiros a sustentar o estilo de vida dos ricos, que gozam dos benefícios da nossa democracia sem pagar o justo preço para tanto.

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Outrossim, os altos salários, os benefícios e os privilégios dos políticos dão a eles o estilo de vida dos muito ricos, o que os tornam insensíveis às demandas dos mais necessitados.

Mais do que esconder nossas cabeças na areia porque os tributos são complexos e desagradáveis, devemos reconhecer nosso poder e responsabilidade numa sociedade democrática. Precisamos melhor exercer nosso direito de voto, de opinião e de influência política. Conversar sobre tributos e sobre nosso governo com nossa família, nossos colegas de trabalho e nossos vizinhos. Nós podemos falar com todos, um por um, até sermos ouvidos.

Hoje, nós podemos criar um sistema tributário que promova a prosperidade no longo prazo.

A reforma começa com todos nós.

*Reinaldo Marques da Silva, doutorando em Direito e Ciências Sociais pela Universidad Nacional de Córdoba; mestre em Direito Comparado pela Samford University/University of Cambridge; especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Direito Tributário; servidor público em São Paulo

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