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Reforma tributária: desafios práticos e jurídicos

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Por José Andrés Lopes da Costa
Atualização:
José Andrés Lopes da Costa. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

Encontram-se hoje em dia em tramitação nas casas do Congresso Nacional dois projetos principais de reforma tributária, que são, respectivamente, a PEC 45/2019 e PEC 110/2019, esta última idêntica ao substitutivo aprovado na Comissão Especial da PEC 293/2004.

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Existe, ainda, uma terceira proposta de reforma tributária ora em fase de elaboração pelas equipes do Governo Federal que, provavelmente, será apresentada em breve, assim que concluída a votação da reforma da Previdência, e, ao que tudo indica, recriará algum tributo nos moldes da extinta CPMF, além de perseguir os mesmos objetivos das propostas já mencionadas.

De um modo ou de outro, cada qual com suas peculiaridades, as propostas de emenda constitucional antes referidas têm como foco primordial a unificação, simplificação e racionalização de tributos que incidem sobre a produção e a comercialização de bens e a prestação de serviços. Para alcançar este fim, propõem a extinção de uma série de tributos e a criação de um imposto unificado, chamado IBS e um imposto seletivo, de modo a onerar bens considerados não essenciais.

Por último, ambas preveem regimes de transição gradual para as alterações introduzidas na sensível questão da partilha de receita entre os entes federativos, sendo na PEC 110 o prazo de 15 anos e na PEC 45 de 50 anos até sua total implementação.

Embora várias das iniciativas contidas nas referidas propostas sejam louváveis, existem alguns aspectos que reclamam maior atenção e reflexão, e que parecem esquecidos ou deixados de lado.

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Ainda sem entrar na análise da sua constitucionalidade, chama a atenção o tempo demasiado longo para que se chegue a implementação total do novo regime de repartição de receitas proposto. Em um mundo onde a velocidade e a mudança são as características mais marcantes, imaginar que algo concebido nos dias de hoje possa se protrair no tempo por 15 ou 50 anos é ignorar a realidade.

Da mesma forma, velhas fórmulas concebidas em uma época em que a riqueza estava alocada na economia real e não no mundo virtual, onde a localização de um bem ou de uma fonte pagadora ou o beneficiário de um rendimento era algo trivial de se identificar, já não resistem mais à realidade dos tempos em que vivemos, onde tudo que é sólido desmancha no ar, título do famoso livro de Marshall Berman, aludindo a uma frase do Manifesto Comunista, de Karl Marx e Friedrich Engels.

Assim, recomendável seria que a própria definição da base de incidência dos impostos e contribuições a serem criados, qualquer que seja o modelo escolhido, fosse objeto de detalhamento, levando em conta a já mencionada fluidez da economia atual, que tornou obsoletos vários conceitos contidos na atual Constituição, todos eles atrelados a uma visão mais conservadora do princípio da tipicidade tributária ainda bastante apegada a literalidade do texto legislativo.

Outro aspecto importante reside na necessidade de maior segurança jurídica. Isso porque, com a preocupação legítima de estabelecer um regime de transição para o novo modelo, terminou-se por criar também um sistema tributário provisório e movediço no tempo, esquecendo-se da necessidade de se estabelecer desde logo as regras do jogo e possibilitar o planejamento de contribuintes e entes federativos.

Da mesma forma, a excessiva delegação de matérias para a Lei Complementar fará com que a reforma tributária seja uma obra inacabada, dependendo da movimentação posterior do Congresso para que sua implementação possa se dar de forma satisfatória.

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Essa delegação de competência, aliás, também põe em risco o pacto federativo, tal como desenhado na Constituição Federal e que não pode ser objeto de emendas que objetivem sua extinção (artigo 60, parágrafo 4, inciso I).

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Em princípio pode parecer exagerado falar-se em extinção do pacto federativo, mas a CF/88 é bastante clara ao proibir emendas "tendentes" a abolir a forma federativa de estado. Da mesma forma, a posição do STF é absolutamente consolidada no sentido de que a autonomia dos entes federativos para instituir e cobrar seus próprios tributos não é passível de supressão ou apequenamento por emenda constitucional.

Neste aspecto existe o risco de que a unificação de tributos federais, municipais e estaduais, conjugada com a evidente perda de autonomia dos entes federativos seja um obstáculo dificílimo de contornar e que, ao que tudo indica, está sendo negligenciado pelas propostas de emenda existentes no momento.

Relembre-se, a propósito, que a denominada competência heterônoma presente na Constituição de 1969, que permitia que a União legislasse em matéria tributária de interesse dos demais entes federativos, foi abolida pela CF/88, o que demonstra a autonomia tributária desses entes está na raiz do nosso modelo federativo de Estado, sendo insuprimível por emenda constitucional.

É preciso, portanto, pensar em um modelo que unifique tributos e alcance a tão desejada simplificação, mas sem perder de vista a viabilidade prática de sua implementação, a necessidade de maior inserção do Brasil na economia moderna e, sobretudo, os limites constitucionais hoje existentes.

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*José Andrés Lopes da Costa é sócio do escritório Chediak Advogados

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