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Reforma trabalhista: o pecado que virou virtude, riscos e oportunidades

Por Luiz Guilherme Migliora
Atualização:
Acervo Pessoal Foto: Estadão

O maior pecado da reforma trabalhista pode se transformar em seu grande trunfo. A reforma errou na mão ao acrescentar ao propósito de flexibilizar normas e facilitar a gestão de pessoal um ingrediente explosivo: o ataque ao judiciário trabalhista, tratando a instituição e seus integrantes como um velho conceito que deve ser revisto ou eliminado. Não. O judiciário trabalhista não deve ser eliminado. Ao contrário. Ele tem papel protagonista e essencial na interpretação e aplicação das normas trabalhistas, especialmente aquelas recentemente introduzidas pela reforma.

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A reforma traz nos parágrafos do artigo 8º o pior exemplo desse revanchismo infantil. Tenta, em vão, limitar a atuação dos tribunais trabalhistas na interpretação e aplicação das leis e na análise de acordos e convenções coletivos. A tentativa é infantil e não serve para mais nada que não acirrar os ânimos e colocar o judiciário trabalhista em guarda, pronto para um duelo que não precisa existir e nem serve a qualquer das partes.

Pelo menos essa era a impressão inicial. Com o passar das primeiras semanas após a entrada em vigor da reforma, entretanto, nota-se um movimento interessante na comunidade de juízes e advogados trabalhistas.

O intenso debate gerado por uma lei malfeita e pouco discutida tem gerado reflexão valiosíssima e diversa e posições mais moderadas e conciliadoras do que se esperava.

Os debates acontecem em grande parte em mesas de bar (reais e virtuais), que ocorrem nos bares em si e nos infindáveis grupos de WhatsApp que agregam posições das mais diversas. E, para a surpresa dos céticos de plantão, não são poucos os juízes, desembargadores e ministros que vêm se posicionando de forma cautelosa e muito razoável sobre temas que inflamam os debates.

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Nota-se uma real vontade dos operadores do Direito que estão dentro do judiciário trabalhista em debater a reforma, fazê-la melhor e mais adequada e gerar uma real e palpável evolução na dinâmica da gestão de contratos de trabalho e do contencioso trabalhista.

É obvio que há posições mais radicais nos dois extremos: contra e a favor de pontos fundamentais da reforma.

Mas é natural e, se assim não fosse, haveria algo de errado.

O interessante, entretanto, é um cada vez maior interesse de um número significativo de advogados e juízes em encontrar pontos de consenso, em definir em que medida há espaço para flexibilizar normas sem gerar precarização de direitos.

Assim, o que seria o maior pecado da reforma, o seu desejo inegável de revanche contra o judiciário trabalhista, acaba por gerar por caminhos não menos do que tortos, o oposto do que pretendiam seus idealizadores.

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A razão desse resultado inusitado naturalmente é resultado da disposição de operadores do Direito, advogados e juízes, de debater com real interesse de encontrar pontos de convergência.

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Não há consenso sobre muitos pontos da reforma e esse será construído gradativamente pelo judiciário trabalhista com a intervenção subsidiária e limitada do Supremo em questões constitucionais.

Levará anos durante a quais advogados e empresas terão que escolher o que adotar da reforma ampla e em alguns pontos confusa, identificar onde há mais riscos e quais as tendências do judiciário na interpretação desses pontos. Daí decorre a necessidade de definir onde estão riscos aceitáveis e onde os riscos são ainda muito elevados para a adoção de mudanças que constam na reforma. Aqui residem algumas oportunidades.

Apenas para exemplificar, parece haver consenso quanto a serem reduzidos ou aceitáveis os riscos relativos à implementação de mudanças como a adoção de banco de horas individual, teletrabalho e plano de cargos e salários sem necessidade de considerar tempo de serviço como vetor de promoção e sem registro no MTb.

Da mesma forma, parece ser reduzido o risco relativo à possibilidade de se definir por acordo coletivo o que são cargos de confiança para os efeitos de isenção de controle de jornada em cada empresa.

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Interessante notar que essas poucas mudanças, se bem sucedidas, podem acarretar na redução significativa de demandas envolvendo horas extras e equiparação salarial, certamente temas que estão entre os mais populares nas demandas trabalhistas em andamento.

Se todos os demais elementos da reforma fossem revogados, essas mudanças por si poderiam já ter um efeito relevante na potencial redução dos litígios e aumento da segurança nos contratos de trabalho.

Ainda de modo exemplificativo, parece que os riscos e incertezas relativos ao trabalho intermitente, às jornadas de 12 por 36 e à figura do empregado "hipersuficiente" delineado no parágrafo único do artigo 444 recentemente reformado podem ser mais significativos dependendo de como forem utilizados esses conceitos.

Quando se fala do 'hipersuficiente', por exemplo, inevitavelmente vem a questão: mas o dobro do teto do INSS é um parâmetro adequado? É razoável esperar ou presumir que essa remuneração de um pouco mais de onze mil por mês aliada ao diploma e curso superior bastam para que esse indivíduo possa estar blindado contra a coação e historicamente se presume presente nas relações entre patrão e empregado?

Concretamente, o parâmetro está na lei, debatida e aprovada pelos órgãos legislativos competentes e, em regra, não caberia ao juiz ou ao leigo questioná-la. Isso, contudo, não afasta o debate ou a dúvida.

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A proteção ao empregado baseada na presunção e coação permeia o direito do trabalho há décadas e essa mudança de paradigma para os 'hipersuficientes' não é automaticamente incorporada pelos operadores do direito sem alguma reação.

As justiças e injustiças que decorrerão da aplicação do conceito acabarão por demandar ajustes e interpretações para adequar a regra à realidade, por meio de ajustes à legislação em si.

Essa equação fica ainda mais complexa quando o artigo 507-A introduz a possibilidade de arbitragem para contratos com remuneração acima daqueles onze mil e pouco (e aqui parece que o legislador esqueceu de se referir de novo ao diploma de ensino superior).

Ou seja, além de poder negociar todos aqueles itens listados no artigo 611-A, pode esse mesmo indivíduo, presumidamente isento de coação, optar por resolver em um tribunal privado seus litígios com o empregador, a um custo ainda desconhecido (já que as câmaras de arbitragem ainda estão devendo ao mundo jurídico regulamentos para as arbitragens trabalhistas).

Nesse particular, as dúvidas são certamente maiores do que as certezas. Há, contudo, um ponto que não pode ser esquecido: a presunção e não haver coação não torna o ato válido quando comprovada a existência de coação.

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Em outras palavras, é óbvio que cláusulas de arbitragem concluídas em contratos de trabalho mediante coação serão anuláveis na medida e nos termos da legislação civil em vigor. As regras relativas aos contratos e à validade dos atos jurídicos não foram revogadas pela reforma trabalhista.

Estamos presenciando mudanças relevantes no paradigma das relações trabalhistas. Caberá às empresas, de mãos dadas com o judiciário trabalhista, desenhar os limites dessas mudanças com a aplicação e interpretação da reforma, buscando flexibilidade e agilidade, sem precarização de direitos e perda de conquistas civilizatórias relevantes.

A reforma surpreende no seu conteúdo, na sua extensão, no arrojo de algumas ideias, mas também no debate qualificado que vem fomentando. Por enquanto não se pode dizer que há vencedores ou perdedores nesse processo, exceto pelos que buscaram com a reforma revanche contra o judiciário e pretendiam aliená-lo do processo. Esse tiro saiu pela culatra.

*Luiz Guilherme Migliora é sócio da área Trabalhista do Veirano Advogados

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