PUBLICIDADE

Foto do(a) blog

Notícias e artigos do mundo do Direito: a rotina da Polícia, Ministério Público e Tribunais

Reflexões jurídicas de uma greve

Por Maurício Barbosa Tavares Elias Filho e Guilherme Penteado Cardoso
Atualização:
Maurício Barbosa Tavares Elias Filho e Guilherme Penteado Cardoso. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

Conforme bastante noticiado nos últimos dias, a paralisação dos caminhoneiros, chamada de greve, surpreendeu a todos por seu tamanho, impacto e grande ressonância popular, seja dos que dela participaram, seja dos que sofreram suas consequências, como a escassez de produtos e serviços essenciais.

PUBLICIDADE

Sem a pretensão de uma análise definitiva ou exauriente, o presente artigo suscitará algumas possíveis questões jurídicas em razão dos prejuízos advindos da paralisação que vendedores, compradores, transportadores e, até mesmo as seguradoras, certamente enfrentarão.

Ao tratarem dos prejuízos e de sua responsabilização, cada parte, obviamente, tentará se isentar de todo e qualquer dever de indenizar, alegando que a paralisação, ou greve, dos caminhoneiros configuraria uma excludente prevista no artigo 393, do Código Civil, caso fortuito ou força maior, a depender da linha doutrinária seguida.

O comprador desejará ter seus prejuízos indenizados, sem que lhe seja relevante quem o indenizará. O vendedor alegará que sua obrigação se extinguiu ao entregar, no prazo prometido, o produto à transportadora. A transportadora dirá que foi surpreendida pela paralisação e que, mesmo se tentasse, não poderia, sem colocar em risco a segurança de seu motorista e caminhão, furar o bloqueio imposto aos caminhoneiros para realizar a entrega, tendo atrasado a entrega por causas que lhes são alheias. E, no meio do caminho, está a seguradora, que, mediante o pagamento do prêmio, foi contratada para segurar os riscos do transporte. Enfim, todos suscitarão o caso fortuito como excludente de sua responsabilidade.

Em uma compra e venda de produtos, a forma de entrega do produto é negociada entre comprador e vendedor, podendo a contratação ser feita basicamente em duas formas, quais sejam: a obrigação do vendedor disponibilizar o produto para que o comprador providencie sua retirada, por esforços próprios ou mediante a contratação, às suas expensas, de um terceiro; ou entrega a cargo do vendedor, modalidade em que este assume o risco do transporte até que o produto seja efetivamente entregue ao comprador, realizando o transporte por meio de frota própria ou contratação de terceiros.

Publicidade

De qualquer maneira, caso se opte pelo uso de um terceiro, transportadora ou autônomo, estes recebem uma remuneração para realizar o transporte, assumindo, consequentemente, a responsabilidade pelo produto desde a origem até seu destino. Neste sentido, muitas vezes os fretes são contratados pelo vendedor ou pelo comprador sem a formalização de um contrato, uma vez que neste segmento a informalidade é muito grande. E ante a ausência de um instrumento formal que regule o transporte, as discussões tendem a ser mais intensas sobre direitos e obrigações não básicos.

Diante deste cenário, com a paralisação/greve, é muito provável que grandes discussões sobre responsabilidade haverá, principalmente se o produto adquirido for perecível ou se sua entrega fora do prazo tenha inviabilizado/onerado outros negócios do comprador. Quem responde pelos prejuízos sofridos ou pela perda dos produtos? O vendedor que vendeu e não fez chegar o produto ao comprador? O transportador que recebeu a mercadoria e não a entregou ou se o fez, foi tardiamente? Ou, finalmente, a seguradora que, mediante o pagamento do prêmio, foi contratada para segurar os riscos do transporte?

Haveria a possibilidade de se alegar que a paralisação/greve se tratou de caso fortuito e, pois, exclui a responsabilidade? E se a paralisação/greve for considerada ilegal, verdadeiro locaute, conduta vedada pela legislação brasileira, as empresas responsáveis por capitanear a paralisação podem ser responsabilizadas por todo e quaisquer prejuízos?

Parece-nos que um ponto é pacífico, nos próximos meses o Judiciário será chamado a decidir questões indenizatórias surgidas do movimento que paralisou o Brasil.

Se a relação não for de consumo, que possui tratamento legislativo específico, a responsabilidade deverá ser analisada caso a caso, sendo impossível uma solução única.

Publicidade

Ao se constatar pela ocorrência de locaute, certamente as empresas envolvidas deverão responder pelos prejuízos causados, já que por se tratar de uma conduta ilícita, e que para se ter por configurada pressupõe o desejo consciente dos empresários em assim proceder, não haverá muito espaço para a discussão sobre a culpa, que não poderá ser afastada coma alegação de caso fortuito, já que se tratará de conduta deliberada, conscientemente adotada.

CONTiNUA APÓS PUBLICIDADE

Porém, fora a constatação de locaute, que está sob investigação da Polícia Federal, é bastante provável que o vendedor e o transportador lancem mão da excludente prevista no art. 393, do Código Civil, para afastar qualquer dever de indenizar. Sobraria, pois, as seguradoras, às quais a lógica do imprevisto se aplica de forma mitigada, uma vez que sua atividade pressupõe a assunção destes riscos, tanto que recebe um prêmio como forma de lhe recompensar pelos riscos assumidos.

Em suma, a discussão está aberta, e a solução não deverá ser simples, tampouco homogênea, haja vista a enormidade de senões e variáveis que já se apresentam. A única certeza é que muitos prejuízos ocorreram, agora é saber quem pagará a conta.

*Maurício Barbosa Tavares Elias Filho e Guilherme Penteado Cardoso são advogados sêniores do escritório Porto Lauand Advogados, respectivamente, da área de Contencioso Cível e Arbitragem e da área de Contratos e Societário

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.