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Reestruturação de empresas e recuperação judicial: quando e como?

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Por Leonardo Nascimento
Atualização:
Leonardo Nascimento: FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

Entre os incontáveis danos e consequências da pandemia de covid-19, um deles particularmente tem chamado a atenção do universo de corporate finance: o aumento na demanda por reestruturações de dívidas de empresas de variados segmentos e tamanhos. Os motivos são claros e discutidos diariamente, mas não custa lembrar o cenário que temos de economia enfraquecida (com estimativas de retração do PIB entre 3% e 7%), paralisia quase total das cadeias produtivas de diversos setores, aumento vertiginoso do desemprego e queda no poder de consumo. Isso tudo combinado com as turbulências políticas. É a chamada "tempestade perfeita".

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Quando falamos de reestruturações corporativas é preciso levar em conta dois pontos: a trajetória problemática da empresa e o caixa. O que quebra uma empresa é a deficiência de fundos para honrar os compromissos de curto prazo. Se a organização começa a "comer" caixa de maneira consistente e não planejada, é hora de acender a luz amarela e pensar em reestruturação do negócio e sua dívida. Nessa hora, todas as ações para salvar o fluxo de caixa e as reservas financeira são importantes.

Na grande maioria das vezes a empresa tem vários compromissos de curto prazo a honrar (funcionários, fornecedores e impostos), mas não sabe priorizar o que deve pagar primeiro. O processo de reestruturação começa nesse momento, quando a empresa se vê acumulando dívida, comprometendo o fluxo de caixa e precisando priorizar pagamentos. Neste aspecto, as dívidas bancárias, frequentemente temidas pelo empresário, devem ser as primeiras a serem negociadas.

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Uma reestruturação de dívida não é tarefa para amadores: exige apoio de profissionais qualificados, um diagnóstico completo e preciso e timing correto. É preciso avaliar cada passo, pois a partir desse ponto as decisões serão muito difíceis, tais como a escolha de quais dívidas não serão pagas, priorização de passivos a serem renegociados, redução no quadro de colaboradores e até a revisão de preços de produtos e serviços.

Após um determinado período (seis meses normalmente é um prazo razoável para a primeira etapa), é importante avaliar os resultados obtidos e traçar novas estratégias, olhando o horizonte de curto, médio e longo prazo. Dependendo dos acontecimentos, a empresa terá que se socorrer mediante o uso da recuperação judicial. Embora seja um remédio amargo, a vantagem da recuperação judicial está na segurança jurídica e operacional que é conferida à empresa enquanto discute com os credores por vezes agressivos a renegociação da sua dívida.

A recuperação judicial concede à empresa um prazo para elaborar e aprovar seu plano de recuperação junto aos credores, num ambiente protegido, já que num prazo de ao menos seis meses estará judicialmente blindada de execuções.

A recuperação judicial não pode ser confundida com falência, nem vista como o "fim do mundo". É preciso acabar com a falsa percepção do mercado de que a recuperação judicial é a antessala da falência. Apesar de ser um processo complexo, com muitos desafios, que vão desde prejuízo à imagem da empresa até a dificuldade na hora de conseguir crédito para capital de giro, ela é também o remédio necessário para se evitar justamente o pior cenário - a falência.

No Brasil, números mais recentes apontam que há cerca de 7.200 empresas em recuperação judicial. Em regra, menos de 5% das companhias que entram neste processo conseguem de fato sair recuperadas. Por que esse número é tão baixo? Entre os motivos estão: (i) a falta de preparação adequada pela empresa antes do ajuizamento da recuperação judicial; (ii) a ausência de fôlego de caixa para arcar com os custos necessários, vez que as linhas tradicionais de crédito estarão indisponíveis; e (iii) a formulação de planos de recuperação muito arrojados, por vezes aprovados rapidamente pelos credores, mas que acabam se mostrando inviáveis na prática.

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A primeira providência a ser adotada por uma empresa que vai entrar em recuperação judicial é acumular caixa. Quando a situação financeira da empresa se deteriora, todas as linhas de crédito secam, e essa situação fica ainda pior após o início do processo. O acúmulo de caixa dará fôlego suficiente para negociar com os credores no ambiente judicial.

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É consenso entre especialistas que, devido à crise, teremos um movimento recorde de empresas em busca de recuperação judicial. Os setores mais prejudicados provavelmente serão aviação, turismo e hotelaria, indústria automobilística, construção civil e toda cadeia de petróleo. Um cenário bastante desafiador.

Empresas que já estão em andamento com processo de recuperação judicial podem solicitar revisão do plano e renegociar prazos (inclusive com os bancos), conforme orientação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), desde que haja comprovação de impactos diretos da pandemia de covid-19 nos negócios. Por outro lado, o cenário econômico aumenta ainda mais o desafio para contornar os problemas que as empresas encontrarão pela frente.

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Após a tempestade, não há dúvidas de que muitas lições ficarão - seja para as empresas que passaram pelo processo de recuperação judicial, seja para as empresas que eventualmente precisem destas alternativas para que seus negócios continuem em andamento.

*Leonardo Nascimento é sócio-fundador da Urca Capital Partners

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