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Rede de ilusões

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Por José Renato Nalini
Atualização:
José Renato Nalini. FOTO: WERTHER SANTANA/ESTADÃO Foto: Estadão

O que já existia antes da pandemia ganhou ênfase e intensidade. As redes sociais passaram a ocupar tempo e mente de milhões de indivíduos. O confinamento obrigou praticamente todos a uma relação virtual. O digital já conquistara os afeiçoados às modernidades comunicacionais. Porém, até aqueles avessos às tecnologias, por insuficiência de desenvoltura ou até por princípio, tiveram de recorrer às telinhas.

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Indubitável que a internet desvenda um universo de possibilidades. A visita a lugares que nunca merecerão a presença física do curioso que se deleita com o realce do colorido, muita vez reforçado com músicas enternecedoras, viabilizou-se para quem tiver interesse. Museus, instituições culturais, templos, as maravilhas pós-modernas, tudo disponível e acessível. Sem necessitar de passaporte, de tomar um avião, de despender dinheiro apoucado em fase pandêmica.

O que não dizer dos filmes, peças teatrais, orquestras e espetáculos gratuitamente oferecidos? E a leitura das obras que já caíram em domínio público? Quantidade muito maior do que aquela que um leitor normal poderia consumir durante uma existência terrena toda.

Mas aquilo que mais se usa é a comunicação rápida. O whatsApp, o twitter, o facebook, o instagram. Há muitos outros no mercado. Menciono aqueles aos quais diuturnamente recorro. Diuturnamente mesmo. Embora às vezes eu silencie as mensagens, para não ser a todo momento atormentado pelo som da chegada de mais uma mensagem, é impossível deixar de consultar o smartphone a cada espaço.

Grupos são formados e para finalidades nobres. Oração une os aflitos e preocupados com o crescente número de vítimas fatais da peste. Alunos e professores na pós-graduação. Partícipes de núcleos temáticos para tomar contato com o que surge e integrantes de associações, de nichos com interesse localizado. Conselheiros que gostam de estar inteirados de tudo o que ocorre em relação a determinado assunto, específico objeto que justifica a existência do Conselho a que pertencem. Há mesmo grupos familiares, a permitir certa proximidade em tempos nos quais a presença física é impossível.

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Essa a parte lúdica e agradável das redes. Mas existe uma parte obscura. Na polarização em que o Brasil se encontra, amiúdam-se as notícias tendenciosas, que em lugar de enaltecer a pessoa que inspira a disseminação de recados, tem o propósito de criticar a figura considerada adversa.

A produção desses memes é irritante. Assim se produzisse material de reforço para o aprendizado dos educandos, tão prejudicado nesta fase em que as escolas estão às moscas. Isso reduziria bastante a perda de quem não pode conviver com professores e colegas, num espaço que deveria ser o mais precioso das primeiras fases de escolarização.

A internet possui potenciais ainda inexplorados e já está suprindo a falta de aulas convencionais, com a concentração de alunos num espaço e a preleção de uma professora/professor durante cinquenta minutos. As aulas virtuais podem ser muito mais interessantes. Intermeadas por música, ação, provocações e questionamentos.

Todavia, ela tem servido mais à vulgarização do grotesco, no exagero das afirmações não comprovadas. Na crítica dirigida a quem desagrade a ideologia que fabrica esse conteúdo tosco. Sejam pessoas, sejam instituições. Sem que haja qualquer aprofundamento para poder discutir questões que passam pelo Judiciário, já se tenta conquistar adesão a um improvável impeachment de membros da Suprema Corte.

As redes estão semeando ódio. O extremismo é que pontifica, ao contrário da prudência. Pessoas inseguras, imaturas e - é preciso dizer - ignorantes, sentem-se acolhidas e íntimas de algumas figuras exóticas, truculentas, vociferantes, amargas e ressentidas. Os áulicos têm a ilusão de que fazem parte de um corpo homogêneo, energizam-se ao curtir ódio contra o inimigo comum.

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Esta era de solidão serve para fortalecer a fissura de caráter de muitos indivíduos que se satisfazem ao alimentar teorias conspiratórias, aplaudir a boçalidade, inebriar-se com a ira, exercer uma espécie de violência que, embora restrita ao espaço virtual, não é menos virótica e nefasta do que a sua forma física. E que, não raro, consegue migrar para esta modalidade de barbarismo com que ainda sonham os que se armam e pretendem fazer uso de seu arsenal.

Que a rede propicie ilusões humanistas, sentido de pertencimento a uma espécie frágil e efêmera, cada vez mais necessitada de união, coesão, solidariedade fraterna e amor. Será que um dia a internet vai chegar a isso?

*José Renato Nalini é reitor da Uniregistral, docente da pós-graduação da Uninove e presidente da Academia Paulista de Letras - 2021-2022

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