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Recuperação judicial, covid-19 e tutela provisória

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Por Marina Freire e Elias Mubarak Júnior
Atualização:
Marina Freire e Elias Mubarak Júnior. FOTOS: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

Vivemos um momento sensível para todas as relações jurídicas diante da pandemia proveniente da covid-19 e seu resultado devastador ainda se está por mensurar. Essa nêmese, de natureza de caso fortuito ou força maior, eleva o nível do risco a outro patamar e deve ser encarado como um novo paradigma. Países no mundo todo vêm concatenando medidas a fim de minorar as consequências da calamidade na saúde, na administração pública, como também na economia. Em solo nacional, advieram atos normativos a fim de regulamentar a situação emergencial, como a Lei 13.979/20 e o Decreto Legislativo nº 06/2020, o qual instituiu estado de calamidade pública e liberou o Executivo das metas impostas pela Lei de Responsabilidade Fiscal. Os Estados e Municípios, como consectário, publicaram atos regulamentares com o fito de assegurar o isolamento social, que repercutiram em detrimento do funcionamento de inúmeras empresas que desempenham atividades não enquadradas como essenciais. Assim, voltam-se os holofotes àquele que pode assegurar a inviolabilidade de direitos arranhados diante da situação de anormalidade: o Poder Judiciário.

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Para tanto, o ordenamento dispõe sobre a possibilidade de concessão de medidas de natureza cautelar ou antecipada, pois o fator tempo exige a imediata atuação do Estado, calcando-se em juízos de verossimilhança e de caráter não exauriente e justamente a condição incomum da empresa em recuperação impõe a adoção de medidas excepcionais com vistas à sua preservação.

As tutelas, assim, funcionam como ferramenta no auxílio da manutenção da atividade da empresa, servindo para repelir atos de constrição, preservar seu patrimônio e, por consequência, garantir a manutenção de empregos, o pagamento de fornecedores, além de assegurar a arrecadação tributária.

A situação da empresa, delicada juridicamente por si só, encontra na Tutela Provisória a ferramenta essencial à sua proteção. A fortiori, é possível vislumbrar que os fatos recentes tendem a colocar a empresa na iminência de "quebra", vez que com a determinação de paralisação de suas atividades por conta do isolamento, torna-se cada vez mais penoso fazer valer as obrigações assumidas anteriores ao estado de calamidade.

Diante deste cenário, o Conselho Nacional de Justiça formalizou a Recomendação n 63/20, com o objetivo de unificar a orientação a ser adotada pelos tribunais durante a pandemia, buscando mitigar o impacto decorrente do estado emergencial nessas entidades, bem como o Projeto de Lei 1.397/2020 institui medidas salutares destinadas a atenuar a crise econômico-financeira, como a suspensão por 60 dias de cobranças extrajudiciais ou judiciais de dívidas vencidas após a decretação do estado de calamidade e o instrumento da negociação coletiva para quem comprovar decréscimo superior a 30% de seu faturamento.

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Na Itália, não foi diferente, vez que a crise deu ensejo ao Decreto-lei n. 23, que concede ajuda financeira às empresas e suspende por três meses os processos de declaração falimentar.

O princípio da preservação da empresa deve integrar ainda mais o espírito da fundamentação do decisum, mormente visualizando como efeito dela o poder de reduzir os impactos econômicos decorrentes da covid-19. Já é possível constatar decisões em harmonia com a Recomendação, como a antecipação dos efeitos do Stay Period, com escopo de evitar a paralisação das atividades da empresa, motivada pela ausência de tempo hábil para apresentação da documentação a que faz menção o art. 51 da Lei n. 11.101/05.

O magistrado deve ter em mente o efeito holístico de sua decisão, a qual, embora seja "inter pars", acaba por repercutir na esfera de terceiros, os quais em circunstâncias ordinárias não seriam sopesados, porém, na atual conjuntura, são relevantes na sua ponderação.

O cenário que se estabelece demanda atuação conjunta e orquestrada por partes de todos os Poderes do Estado. Ao Judiciário incube análise minuciosa da situação que envolve teoria da imprevisão, caso fortuito, força maior e, eventualmente, fato do príncipe.

Por fim, não podemos olvidar da eventual avalanche de processos com pedidos de urgência que deverão ser apreciados incontinenti. Nesse esteira, interessante a sugestão dada pelo professor de Direito Empresarial Mark Roe, da Harvard Law School, no sentido de alocar mais juízes, de forma temporária para as varas especializadas em falência e recuperação de empresas, ou deslocar aqueles com menos feitos para onde há maior volume de processos e, ainda, da ideia de se reconduzir aos antigos cargos juízes aposentados na área (malgrado nossa diferença de assunção ao cargo), tudo a fim de não se causar mais danos no cenário cujo transcurso do tempo pode ser mais fatal que a própria pandemia.

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Desta forma, vislumbramos que a preocupação com a crise é um dos desafios globais do século 21 e, que após a superação dos problemas sanitários, haverá um novo momento, o da UTI econômica, e os verdadeiros garantidores da saúde financeira do país serão os advogados e juízes atentos às essas necessidades.

*Marina Freire, juíza de Direito, especialista em Processo Civil (EPM), mestre em Direito Internacional (USP); Elias Mubarak Júnior, advogado, sócio na Mubarak Advogados Associados, membro da Comissão de Estudos de Recuperação Judicial e Falência da OAB/SP

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