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Receita Federal contraria a Constituição ao tratar do PIS e a Cofins

Por Nicolau Abrahão Haddad Neto , Robinson Vieira , Hamilton de Oliveira e Renata Martins Alvares
Atualização:

Receita Federal. FOTO: MARCELO CAMARGO/AG. BRASIL Foto: Estadão

Impossível não se traçar objetivas considerações acerca do PARECER 10 COSIT, de 1º de julho de 2021, vez que, não somente a comunidade jurídica, mas a sociedade em geral e, em especial, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), deve ser alertada sobre seus insuperáveis vícios, data maxima venia.

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O PARECER se refere ao quanto decidido pelo Supremo Tribunal Federal (STF) acerca da exclusão do ICMS das bases de cálculo do PIS e da COFINS no RE 574.706-PR e sobre tal decisão manifesta a posição da DIREI (Divisão de Contribuições Sociais sobre a Receita e a Importação) e da COSIT (Coordenação-Geral de Tributação), órgãos da Receita Federal.

Endereçado à PGFN, se baseia em pressuposto inteiramente falso, o que merece todos os holofotes.

Como suporte para suas conclusões, adota a presunção de já estar produzindo efeitos erga omnes o quanto decidido pelo STF no mencionado tema, fato absolutamente inverídico.

É necessário destacar que, independentemente de a decisão da Corte Constitucional ter se dado pelo regime de repercussão geral, seu alcance será unicamente processual. Isso significa que se aplicará exclusivamente aos processos existentes sobre o tema, nos termos dos artigos 1.036 e seguintes do Código de Processo Civil pátrio.

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É que, no âmbito do controle de constitucionalidade brasileiro, desponta de modo singular a participação do Senado Federal, incumbido pelo constituinte de conferir às decisões proferidas pelo STF a necessária extensão plena de seus efeitos, em harmonia com a tripartição entre os Poderes Judiciário, Legislativo e Executivo.

Eis a dicção do texto constitucional:

Art. 52 - Compete privativamente ao Senado Federal:

X - suspender a execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal.

Assim, o constituinte previu, em lhana observância ao princípio de equilíbrio entre os Poderes da República, que, após decidir pela inconstitucionalidade de uma norma, o Supremo Tribunal Federal comunicasse ao Senado Federal, o qual se encarregaria de promover a suspensão da norma inconstitucional, fazendo-o por meio da publicação de uma sua Resolução, tornando a medida aplicável a todos ou, em outros termos, conferindo-lhe efeitos erga omnes.

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Ocorre que, até o presente momento (setembro de 2021), não há sequer sinalização de manifestação do Senado Federal, até porque o RE 574.706-PR nem mesmo se encerrou, não sendo possível, por óbvio, a consequente extensão de efeitos da decisão da Corte Constitucional.

Em outras palavras, as normas que disciplinam a incidência das contribuições para o PIS e COFINS não foram suspensas nem alteradas, mantendo-se tais como postas, o que vale dizer que não afastam o ICMS de suas bases de cálculo, como se pode ver, verbi gratia, no artigo 1º, §3º, da lei n. 10.833/2003:

Art. 1º - [...] incide sobre o total das receitas auferidas no mês pela pessoa jurídica, independentemente de sua denominação ou classificação contábil.

§ 3o Não integram a base de cálculo a que se refere este artigo as receitas:

I - isentas ou não alcançadas pela incidência da contribuição ou sujeitas à alíquota 0 (zero);

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II - de que trata o inciso IV do caput do art. 187 da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976, decorrentes da venda de bens do ativo não circulante, classificado como investimento, imobilizado ou intangível;

III - auferidas pela pessoa jurídica revendedora, na revenda de mercadorias em relação às quais a contribuição seja exigida da empresa vendedora, na condição de substituta tributária;

IV - (Revogado pela Lei nº 11.727, de 2008);

V - referentes a:

a) vendas canceladas e aos descontos incondicionais concedidos;

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b) reversões de provisões e recuperações de créditos baixados como perda que não representem ingresso de novas receitas, o resultado positivo da avaliação de investimentos pelo valor do patrimônio líquido e os lucros e dividendos derivados de participações societárias, que tenham sido computados como receita;

VI - decorrentes de transferência onerosa a outros contribuintes do Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação - ICMS de créditos de ICMS originados de operações de exportação, conforme o disposto no inciso II do § 1o do art. 25 da Lei Complementar no 87, de 13 de setembro de 1996.

VII - financeiras decorrentes do ajuste a valor presente de que trata o inciso VIII do caput do art. 183 da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976, referentes a receitas excluídas da base de cálculo da COFINS;

VIII - relativas aos ganhos decorrentes de avaliação do ativo e passivo com base no valor justo;

IX - de subvenções para investimento, inclusive mediante isenção ou redução de impostos, concedidas como estímulo à implantação ou expansão de empreendimentos econômicos e de doações feitas pelo poder público;

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X - reconhecidas pela construção, recuperação, reforma, ampliação ou melhoramento da infraestrutura, cuja contrapartida seja ativo intangível representativo de direito de exploração, no caso de contratos de concessão de serviços públicos;

XI - relativas ao valor do imposto que deixar de ser pago em virtude das isenções e reduções de que tratam as alíneas "a", "b", "c" e "e" do § 1o do art. 19 do Decreto-Lei no 1.598, de 26 de dezembro de 1977; e

XII - relativas ao prêmio na emissão de debêntures.

Portanto, nenhuma modificação existe na norma, de modo a admitir a conclusão firmada pelo malfadado PARECER.

Mais que isso. O PARECER traz cálculos cabalmente tendenciosos e que não suportam uma confrontação com a realidade.

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Veja-se que, além de considerar efeitos erga omnes inexistentes, passa a tomar o regime não-cumulativo do PIS e da COFINS como se este aceitasse que todos os pagamentos ou dispêndios das empresas entrassem no cômputo da apuração daqueles tributos ou, fossem aceitos como passíveis de créditos: outra inverdade.

A esse respeito, numa olhada até mesmo perfunctória, se vê facilmente que pelo menos 8 (oito) pagamentos significativos não permitem o chamado direito a crédito na sistemática da não-cumulatividade do PIS e da COFINS:

(1) todos os valores relativos a bens ou serviços não sujeitos ao PIS e à COFINS;

(2) todos os valores relativos ao pagamento de compras em que haja suspensão do PIS e da COFINS, originadas de cerealistas;

(3) idem para os relativos a produtos in-natura de origem vegetal, classificados na TIPI com os códigos 09.01 e 10.01 a 10.08;

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(4) idem para os relativos a leite in natura originados de pessoa jurídica que exerça, cumulativamente, o transporte, o resfriamento e a venda a granel;

(5) idem para os relativos a produtos agropecuários originados de pessoa jurídica agropecuária ou cooperativa de produção agropecuária;

(6) idem para ao relativos a produto in natura de origem vegetal, destinado à elaboração de vinhos de uvas frescas;

(7) além de todos os valores relativos à depreciação ou amortização de bens e direitos de ativos imobilizados, adquiridos até 30 de abril de 2004;

(8) e, o pior, todos os valores relativos ao pagamento da mão-de-obra de pessoas físicas, ou seja, toda a folha de salários.

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É que a não-cumulatividade de PIS e de COFINS não representa uma apuração exata no sistema base-contra-base, termo utilizado pelo PARECER, em provável demonstração de tecnicismo para, data venia, procurar impactar. A esse respeito vale lembrar que ficou vencida a tese defendida pelo Ministro Napoleão Nunes Maia, quando do julgamento dos temas 779 e 780 dos chamados recursos repetitivos do STJ, pacificando-se a interpretação da lei federal pela qual se dá conta de que não há coincidência entre as despesas dedutíveis de imposto sobre a renda e as que geram os créditos de PIS e de COFINS no regime não-cumulativo.

Além disso, o engenhoso exemplo da Receita Federal mostra um saldo negativo (de - R$1,48) porque tomou em conta uma margem de R$200,00, computando uma revenda por R$1.200, 00 de uma mercadoria comprada por R$1.000,00.

Mas a tentativa de impressionar acaba por não resistir a simples confrontação aritmética, posto que, se a revenda fosse por apenas R$19,50 a mais, já deixaria de existir o tal saldo negativo, o que significa que qualquer margem que seja superior a 21,95% já eliminaria o temido saldo negativo, frise-se, criado artificialmente pelo exemplo estrategicamente elaborado.

Ora, deve-se tomar a realidade efetiva para cálculos e projeções. A partir dela, exempli gratia, tem-se que, em 2018, o comércio varejista de informática, comunicação e artigos de uso doméstico operou com uma margem média de 55,4%, enquanto que o de artigos culturais, recreativos e esportivos trabalhou com 65,1% e o de tecidos, vestuário, calçados e armarinho atuou com 86%, como minudentemente fora apurado por levantamento científico do IBGE (documento abaixo).

Infelizmente e com todas as vênias, nosso Órgão Executivo Fiscal Maior, que deveria se pautar pelo Princípio da Verdade Material, tem dado todos os sinais de somente buscar prevalecer o que Renato Alessi bem denominou de interesse público secundário,1 aquele tendencioso, em que a Administração se mostra apenas como parte em uma relação jurídica, agindo como adversária das empresas, visando somente seu interesse arrecadatório, ainda que a detrimento do sistema constitucional pátrio (1 - in "Institucines de Derecho Administrativo. Tomo I. Traducción dela 3ª edición italiana por Buenaventura Pellisé Prats." Barcelona: Bosch, Casa Editorial, 1970).

Aponta-se como recente exemplo disso o fato de, também sob o pretexto de buscar o interesse público de cumprir a decisão do Supremo, à sorreita, a Receita Federal, sem qualquer justificativa prática efetiva, ter a todos surpreendido com um novo manual para o PIS e a COFINS, o Guia prático da EFD Contribuições - versão 1.35: atualização em 18/06/2021, que, em verdade, criou a quase insuperável dificuldade de exigir que o levantamento dos valores indébitos judicialmente reconhecidos seja feito e demonstrado na sistemática 'produto-por-produto', em relação a todo o lapso temporal, o que se mostra praticamente inviável de ser realizado manualmente, sem extrema lentidão na feitura, além de envolver trabalho hercúleo e com altíssimo risco de erros e imprecisões.

Então, o presente alerta a todos, mormente à PGFN, sobre o insubsistente e sofístico PARECER 10 COSIT, de 1º de julho de 2021: produz artifícios, objetivando um absurdo aval para desacreditar hígidos documentos fiscais emitidos pela empresa de quem o contribuinte do PIS e da COFINS não-cumulativos adquiriu seus produtos, documentos os quais, embora tenham sido emitidos sem a exclusão do ICMS do PIS e da COFINS, seriam considerados como se o fossem, alterando-se sua idoneidade, ao arrepio da segurança jurídica e, isso sim, vulnerando completamente a razoabilidade e todo o sistema constitucional brasileiro, quiçá a desafiar novo acesso o Supremo Tribunal Federal.

*Nicolau Abrahão Haddad Neto, sócio-fundador da Advocacia Haddad Neto. Professor convidado da FGV/SP. Palestrante e parecerista em Direito Tributário. Mestre em Direito Político e Econômico pelo Mackenzie. Especialista em Direito Tributário pelo CEU

*Robinson Vieira, sócio da Advocacia Haddad Neto. Advogado tributarista desde 1989. Especialista em Direito Tributário pelo Centro de Extensão Universitária (CEU) e pelo IBET. Especialista em Direito Empresarial pela PUC/SP

*Hamilton de Oliveira, contador há mais de 40 anos. Bacharel em Direito. Parecerista- técnico em contabilidade tributária. Consultor da Advocacia Haddad Neto. Palestrante em Direito Tributário e Contabilidade

*Renata Martins Alvares, sócia da Advocacia Haddad Neto. Advogada tributarista. Especialista em Direito Tributário pelo CEU-IICS - Escola de Direito (Centro de Extensão Universitária e Instituto Internacional de Ciências Sociais)

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