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Rebuçados ou balas: o medo do imperialismo linguístico do Brasil

Por Simone Salles
Atualização:
Simone Salles. FOTO: ARQUIVO PESSOAL Foto: Estadão

Recente matéria em jornal de Portugal sobre o fato de crianças portuguesas estarem falando como brasileiros graças à maior exposição à mídia digital em tempos de pandemia reacendeu a polêmica sobre as diferenças entre o português europeu e o brasileiro. O fenômeno não é novo, já ocorreu anteriormente na época dourada das novelas importadas do Brasil. Talvez o que tenha assustado pais e professores agora é o público envolvido, as crianças, em fase de aprendizado da própria língua.

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Enquanto alguns especialistas em linguística consideram interessante, do ponto de vista intercultural, a incorporação de vocabulário e expressões brasileiras ao idioma português, houve aqueles que soaram o sinal de alerta por perceberem que os pequenos estavam se comunicando em português brasileiro e não apenas usando palavras soltas. A repercussão da matéria junto ao público luso-brasileiro nas redes sociais foi grande, por meio de comentários variados, desde acusações de preconceito à defesa da oficialização da língua do Brasil.

A verdade é que, apesar das diferenças não serem apenas na pronúncia, e sim de sintaxe, de construção de frase, os defensores da união dos países lusófonos alertam que as discrepâncias são sobretudo nuances de uma só língua. No Brasil, o impasse também ocorre, pois as crianças aprendem o português de Portugal ensinado por professores que falam em sala de aula o português do Brasil. Outras línguas passam pela mesma situação, como variantes europeias: é o caso do espanhol, do inglês e do francês, por exemplo.

Existem ainda os empréstimos linguísticos, estrangeirismos que são assimilados, principalmente em épocas como a da pandemia, quando situações novas levaram ao uso de novo vocabulário. As palavras lockdown, home office e delivery nunca foram tão utilizadas e refletem uma necessidade do momento mais que um colonialismo cultural. Não se deve esquecer que toda língua é viva e dinâmica, marca a identidade cultural de um povo, e a língua portuguesa não é diferente. Pode-se reivindicar um uso linguístico mais autêntico em um mundo globalizado, porém qualquer prática purista ou radical de proteção ao português europeu pode ser interpretada como desnecessária ou xenofóbica, uma vez que o português europeu não corre riscos nem precisa de proteção especial.

Afinal, a língua portuguesa atende mais de 260 milhões de pessoas diariamente, mais de 200 milhões no Brasil, 10 milhões em Portugal e 50 milhões na África. Como nove países independentes em quatro continentes têm o português como idioma oficial, é uma língua globalizada, a quinta mais falada no mundo.

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Meus avós, ao emigrarem vindos de uma pequena província portuguesa, viajaram de navio com o filho pequeno, Luís, rumo ao Brasil. Sofreram uma grande perda logo nos primeiros anos com sua morte em terras brasileiras. Minha avó, já com quarenta anos, conseguiu engravidar de novo e por considerar esse feito um milagre, chamou a menina que nasceu, minha mãe, de Maria de Jesus. Com certeza, não se importou quando a menina pedia para que lhe comprassem balas e não rebuçados.

Ao invés de se preocuparem com com a fala das crianças portuguesas, moldada pelo sotaque e o uso de expressões adotadas por youtubers brasileiros, pais e professores deveriam focar sua atenção em manter filhos e alunos mais sob suas tutelas, ao invés de obrigá-los, depois, a usar palavras portuguesas no lugar das brasileiras - autocarro por ônibus, rebuçado por bala - ou a frequentar um fonoaudiólogo.

*Simone Salles, jornalista, mestre em Comunicação Pública e Política

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