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Razões para tributação de dividendos

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Por Renato Souza Coelho
Atualização:
Renato Souza Coelho. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

Nos primeiros artigos buscamos analisar e refutar alguns dos principais argumentos que têm sido utilizados por aqueles que defendem a volta da tributação dos dividendos distribuídos pelas pessoas jurídicas brasileiras.

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A principal vantagem do atual método de isenção dos dividendos e concentração da tributação no nível da pessoa jurídica é a sua eficiência, o que tem um enorme valor em matéria de política fiscal. Ao mesmo tempo em que endereça de forma adequada os efeitos adversos da dupla tributação econômica da renda, o recolhimento dos tributos para os cofres públicos é imediato e não depende da decisão da empresa e do acionista sobre quando e se os recursos serão distribuídos. Ademais, fiscalização é concentrada em poucos milhões de pessoas jurídicas ao invés de dezenas de milhões de pessoas físicas, além de não ser preciso concentrar fiscalizações em minúcias para identificar as inúmeras formas de distribuições disfarçadas de lucro.

O método de isenção traz também a vantagem de ser mais neutro em relação à decisão alocativa dos recursos. Sob a perspectiva tributária, é indiferente para a pessoa jurídica e seus acionistas reinvestirem os recursos para ampliação de suas atividades ou distribuí-los aos sócios para que poupem ou os aloquem em outra atividade.

Sob a perspectiva internacional, o método de isenção tem como vantagem atribuir um ônus tributário ao investidor estrangeiro, independentemente da existência da tratados para evitar a bitributação, os quais podem limitar a alíquota incidente sobre os dividendos pagos pelo país-fonte. Esse mecanismo funciona, do ponto de vista econômico, como uma espécie de imposto na fonte sobre os resultados auferidos por empresas brasileiras.

A política fiscal de tributação de dividendos, por outro lado, traz também importantes vantagens e efeitos que não podem ser desconsiderados, notadamente a mitigação de efeitos adversos decorrentes da falta de equidade entre os contribuintes, bem como para endereçar uma provável adaptação ao cenário mundial de redução da carga tributária sobre a renda empresarial.

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Ausência de equidade horizontal e vertical

Um grande ponto de fragilidade e potencial gerador de injustiça fiscal do método da isenção para integração da pessoa jurídica com a pessoa física é a inobservância de equidade no tratamento de contribuintes com a mesma capacidade contributiva (equidade horizontal) e com capacidade contributiva distinta (equidade vertical).

Assumindo, apenas para fins ilustrativos, que a alíquota efetiva dos tributos sobre o lucro de uma pessoa jurídica fosse de 34%, o acionista que recebesse um dividendo de R$ 100,00 pagaria (indiretamente) mais tributo que um assalariado com renda idêntica, mas sujeito a uma alíquota de imposto de renda de 27,5%.

A situação também pode ser oposta: acionistas que recebem dividendos de empresas cuja alíquota efetiva sobre o lucro seja inferior à tributação da renda do trabalho, o que é bastante comum, principalmente no caso da atual sistemática do lucro presumido, pagam (indiretamente) menos tributo que o assalariado com renda idêntica.

O método da isenção também faz com que acionistas que recebam valores totalmente distintos a título de dividendos suportem (indiretamente) o mesmo ônus tributário. Usando novamente um exemplo hipotético, sendo a alíquota efetiva dos tributos sobre o lucro corporativo de 34%, o acionista que recebesse R$ 1.000,00 de dividendos suportaria o mesmo ônus tributário daquele que recebesse R$ 1.000.000,00.

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O método da isenção, portanto, pode gerar distorções relevantes na forma de distribuição da renda para os indivíduos, o que tenderia a ser eliminado, ou ao menos mitigado, caso a tributação da pessoa jurídica fosse reduzida e os dividendos passassem a ser tributados no nível da pessoa física conforme a capacidade contributiva de cada indivíduo.

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A grande complexidade em endereçar essa questão é determinar a forma de tributação dos dividendos e alíquota aplicável. Se a mudança legislativa tem por objetivo eliminar a falta de equidade, a soma da carga tributária da pessoa jurídica e da pessoa física no recebimento de dividendos não pode ser superior à maior alíquota aplicável às outras rendas das pessoas físicas.

No caso do Projeto de Lei nº 2.337/2021, recentemente apresentado pelo Ministério da Economia, foi estabelecida uma alíquota geral de 20% para dividendos pagos pelas pessoas jurídicas, combinado com uma redução de 5 pontos percentuais na tributação corporativa, o que faz com que a alíquota efetiva fique na casa dos 43%. Essa tributação é superior à da renda do trabalho e, portanto, a questão da equidade não seria endereçada. Se a constatação é de que a renda do trabalho é atualmente mais tributada que a renda do capital, o estabelecimento de uma alíquota fixa de 20% sobre o pagamento de dividendos só faria com que o pêndulo migrasse para o outro lado. Equidade horizontal e vertical continuariam a ser violadas.

Ademais, dependendo da carga tributária incidente sobre a distribuição de dividendos em comparação com o ganho de capital, incentivos serão dados para que o resultado acumulado seja transferido para os acionistas sob a forma de ganho de capital na venda da participação societária ou resgate de ações.

Competição tributária internacional

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Existe atualmente uma tendência mundial de redução da carga tributária corporativa, ao menos das alíquotas nominais dos tributos sobre o lucro empresarial. Essa tendência tem sido muito impulsionada pelo mundo global que estamos vivendo e a razoável facilidade de migração do capital para outras jurisdições.

É precisamente por essa facilidade de migração de capital que o Brasil terá, necessariamente, que adequar a carga tributária sobre o lucro à cobrada pelos outros países. Por ora, há suficiente evidência de que há uma redução das alíquotas nominais da tributação sobre o lucro, mas ainda não parece haver dados concretos sobre a redução efetiva da carga tributária

Se confirmada essa tendência mundial de redução efetiva da carga tributária sobre o lucro das pessoas jurídicas, o método da isenção de dividendos traz uma desvantagem, pois o Brasil teria que reduzir a carga tributária para todos os acionistas indiscriminadamente, sejam nacionais ou estrangeiros.

Por outro lado, caso seja feita, de forma concomitante, a redução da carga tributária corporativa com a imposição de imposto de renda para os dividendos pagos aos sócios brasileiros e isenção (ou alíquota reduzida) para os investidores estrangeiros, o país atingiria o objetivo de não perder competitividade tributária para outras jurisdições.

*Renato Souza Coelho, sócio tributarista do Stocche Forbes Advogados

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