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Raquel aponta 'omissão de fatos criminosos' e insiste na rescisão da delação de Joesley e Saud

Em manifestação de 45 páginas ao STF, procuradora destaca que 'era preciso estancar imediatamente os efeitos do acordo, diante do flagrante descumprimento de obrigação, caso contrário, o colaborador ficaria no melhor dos mundos'

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Por Amanda Pupo (Broadcast), Rafael Moraes Moura/BRASÍLIA e Luiz Vassallo/SÃO PAULO
Atualização:

Joesley Batista. Foto: Felipe Rau/Estadão

Em manifestação enviada nesta segunda-feira, 18, ao ministro Edson Fachin, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, requereu a homologação da rescisão dos acordos de delação premiada do empresário Joesley Batista, da JBS, e do executivo Ricardo Saud, da J&F. Ao longo das 45 páginas que integram o documento, a PGR rebate as alegações, tanto processuais quanto de mérito, que foram apresentadas ao Supremo Tribunal Federal (STF) pela defesa dos dois delatores após a instauração do Procedimento Administrativo (1.00.000.016663.2017-47), e reitera que eles descumpriram as cláusulas 25 e 26 dos acordos firmados com o Ministério Público Federal em 3 de maio de 2017.

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As informações foram divulgadas no site da Procuradoria.

Ao mencionar a decisão tomada em 14 de setembro pelo então procurador-geral Rodrigo Janot o documento assinala que 'o principal fundamento da rescisão, oficializada naquela data, foi a descoberta de que os colaboradores omitiram de forma intencional fatos criminosos dos quais participaram ou tinham conhecimento no momento da celebração dos acordos'.

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Na manifestação, são descritos três episódios: a participação de Marcelo Miller como defensor dos interesses da J&F quando ainda era procurador da República, o pagamento de R$ 500 mil ao senador Ciro Nogueira (PP/PI) para mudar o posicionamento no caso do impeachment da então presidente Dilma Rousseff, e a existência de uma contra bancária no Paraguai em nome de Ricardo Saud.

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Raquel observa que, embora fossem de conhecimento dos delatores, uma vez que constavam de áudio que reproduziu uma conversa entre ambos, ocorrida em 17 de março, esses três fatos só chegaram ao conhecimento da Procuradoria-Geral da República em 31 de agosto - inicialmente, essa era a data limite para a entrega de novos anexos e dados.

A procuradora-geral frisa, no entanto, que o acordo condiciona a concessão do prazo à não existência de má-fé por parte do colaborador, exatamente o oposto do que ficou configurado no decorrer do procedimento administrativo.

"Trata-se, portanto, de forte indício, e não mera especulação, a reforçar que os colaboradores agiram movidos pelo intuito de ludibriar o MPF e proteger aliados, em conduta claramente desleal e afrontosa ao pacto que fizeram nos Acordos de Colaboração Premiada e à justiça", destaca.

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Marcelo Miller - Em relação à participação do ex-procurador Marcelo Miller nas negociações firmadas por acionistas e executivos do Grupo J&F com o MPF, a procuradora-geral menciona uma série de indícios reunidos nos últimos três meses.

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"Tratam de depoimentos, documentos e mensagens eletrônicas trocadas entre Miller, advogados do escritório Trench, Rossi e Watanabe e os próprios colaboradores, que deixam claro que ele atuou na defesa dos interesses de Joesley e Ricardo, antes do dia 5 de abril, quando deixou o MPF."

A manifestação menciona, ainda, resposta do escritório sobre o envio de fatura à J&F para o pagamento de R$ 700 mil por serviços prestados por Marcelo Miller nos meses de março, abril e maio.

De acordo com a resposta, a forma como se deu esse procedimento não seguiu 'os padrões internos para a realização de cobrança de honorários'.

Além disso, o escritório admitiu que, quem de fato, trouxe o trabalho do cliente J&F para o TRW foi Marcelo Miller.

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"Os atos que envolvem o ex-procurador da República Marcelo Miller, longe de terem menor potencial ofensivo ou apenas pontual, são conduta gravíssima, de extrema deslealdade e má-fé, sendo irremediáveis em razão da evidente quebra de confiança no sistema de justiça, que produziram".

Ciro Nogueira - A estratégia adotada em relação ao ex-procurador Marcelo Miller se repetiu no caso do suposto pagamento de propina ao senador do Piauí.

Os delatores 'preferiram o silêncio no momento do fechamento do acordo'.

Como prova de que se tratou de uma omissão dolosa, Raquel Dodge menciona trechos da conversa entre Joesley e Ricardo 'em que fica claro que ambos pretendiam proteger o parlamentar'.

"A transcrição do diálogo comprova essa intenção quando Joesley afirma ser fã de Ciro e diz que só o entregaria no final e se fosse preciso."

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Raquel enfatiza que as informações só foram entregues à PGR após a divulgação, por parte da imprensa, de informações de que a Polícia Federal teria recuperado áudios possivelmente apagados pelos colaboradores.

Ela também rebate a alegação da defesa de que o caso era 'algo menor', cuja classificação como crime era desconhecida do empresário.

"Qualquer pessoa, ainda que sem conhecimentos jurídicos mínimos, diria o contrário, e o consideraria contrário ao Direito, ainda que não pudesse precisar o tipo penal. Não poderia ser diferente para Joesley Batista e Ricardo Saud, que têm capacidade plena e estão assessorados por advogados de elevado nível", escreveu.

A PGR lembra ainda que os colaboradores tiveram pelo menos duas oportunidades para relatar os fatos em cumprimento às obrigações pactuadas nos acordos mas preferiram não fazê-lo.

Questões processuais - No documento que reitera o pedido de homologação das rescisões, a PGR rechaça também questões processuais apontadas pelas defesas de Joesley e Ricardo Saud.

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Entre elas, está o fato de o Procedimento Administrativo não ter assegurado o princípio da ampla defesa e contraditório.

Para Raquel, a Lei 9.784/93 não se aplica ao direito penal, visto que não restringe a liberdade ou o patrimônio do colaborador. Nesse sentido, a procuradora cita quatro precedentes americanos - diante da falta de jurisprudência nacional sobre o tema - de que não há cerceamento de defesa em Procedimento Administrativo.

O documento rebate os argumentos de impedimento do então PGR, Rodrigo Janot, para atuar no caso, de uma suposta quebra de sigilo na divulgação da instauração do Procedimento Administrativo e da impossibilidade de apresentação de denúncia contra os colaboradores antes da decisão definitiva acerca da rescisão dos acordos.

Sobre o sigilo, Raquel Dodge destaca que a restrição de publicidade já não existia desde o dia 18 de março, quando o ministro relator, Edson Fachin, levantou o sigilo, inclusive com manifestação favorável dos colaboradores. Frisou ainda que a medida poderia ser efetivada por decisão 'motivada' do MPF.

Sobre o fato de os colaboradores figurarem na lista de denunciados no inquérito 4483, a procuradora-geral afirmou que o procedimento foi apresentado no mesmo juízo competente para homologar a rescisão e que a imunidade concedida anteriormente não significa impedimento para o oferecimento e sim para o recebimento da denúncia.

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"Era preciso estancar imediatamente os efeitos do acordo, diante do flagrante descumprimento de obrigação pelo próprio colaborador. Caso contrário, o colaborador ficaria no melhor dos mundos: descumpriria o acordo, mas continuaria a gozar do prêmio penal que lhe foi oferecido pelo Ministério Público: imunidade a qualquer ação penal", assegurou.

COM A PALAVRA, MILLER

A defesa de Marcello Miller esclarece que:

1) Marcello Miller não recebeu nem admitiria receber do escritório TRW nenhum valor relativo a qualquer atividade anterior a 5/4/2017. Os valores por ele recebidos correspondem, com exatidão, ao pactuado em contrato e ao período entre 5/4/2017 e a data em que deixou a sociedade.

2) Marcello Miller, como sócio minoritário recém-admitido, não fazia ideia de nenhum procedimento para emissão de faturas a quaisquer clientes do escritório TRW e não foi informado sobre nenhuma fatura emitida à J&F, menos ainda sobre valores e critérios. Trata-se de aspectos que só o escritório pode esclarecer.

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3) A decisão de trabalhar para a empresa coube inteiramente ao escritório, sem que Miller pudesse nela ter influência de qualquer espécie, inclusive porque ainda não o integrava.

4) Não houve rigorosamente nenhuma má-fé na conduta de Miller, que nunca exerceu nenhuma atribuição, enquanto era procurador, relativa à J&F, suas subsidiárias ou seus executivos e já estava com exoneração pedida e amplamente divulgada quando iniciou contados com a empresa.

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