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Ramagem, Alexandre de Moraes e os limites do Direito à indecência política

Por Davi Tangerino
Atualização:
Dai Tangerino. Foto: Arquivo Pessoal

O ministro Alexandre de Moraes deferiu medida liminar para suspender a nomeação do delegado da Polícia Federal Alexandre Ramagem para exercer o cargo de diretor-geral da PF. Evitou, em síntese, o seguinte problema: que o Presidente da República indicasse alguém passível de interferência direta do Planalto.

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Esse problema, porém, é apenas um capítulo específico de uma trama mais ampla, trazida à luz por Sérgio Moro no pronunciamento que fez quando de sua exoneração: Bolsonaro buscaria ingerir na PF, e, ainda mais grave, para proteger interesses pessoais, familiares.

O desenho constitucional brasileiro parece indicar dois caminhos não excludentes para esse problema: um político, outro propriamente jurídico.

A solução política é o processo de impeachment do Presidente. O passo inicial cabe a Rodrigo Maia, presidente da Câmara dos Deputados, em cuja mesa já tem, ao que se noticia, duas dúzias de pedido de impedimento. Após o devido processo legal, caso dois terços dos Deputados Federal admitam a acusação, Bolsonaro seria suspenso de suas funções, pendente o julgamento, pelo Senado, do mérito da acusação.

No campo propriamente jurídico, a Constituição Federal também impõe a suspensão das funções presidenciais quando, para crimes comuns, houver recebimento da denúncia pelo Supremo Tribunal Federal. Essa iniciativa caberia ao procurador-geral da República. Apesar de não haver falta de indício de crimes comuns cometidos por Bolsonaro, será inevitável uma investigação que embase eventual oferecimento da denúncia.

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Ambos os caminhos levam algum tempo.

Entrementes, bate-se à porta do STF para evitar que um delegado passível de ingerência por Bolsonaro seja nomeado ao cargo.

A lei não impõe maiores limites ao poder presidencial de indicar o Diretor-geral da PF. Cuida-se, fundamentalmente, de ato discricionário. E, por isso mesmo, toca ao Judiciário apenas o controle de legalidade do ato. Erra hoje o ministro Alexandre de Moraes, como errou o ministro Gilmar Mendes ao impedir a posse do ex-presidente Lula como ministro na gestão Dilma.

O avanço da ideia porosa de controle de moralidade administrativa pelo STF é uma armadilha tão perigosa para a República como a ingerência de um presidente na PF: abre margem para que uma determinada maioria ideológica na Suprema Corte vire controladora do mérito das decisões do Executivo, ora como lunga manus do Planalto, ora como opositora.

O controle do Judiciário se dá, nesses atos discricionários, pela legalidade das ações tomadas pelo nomeado, ou seja, havendo ilegalidade nas ações de Ramagem, então toca ao Judiciário controlá-las.

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A conclusão, é, evidentemente, frustrante. Embora com ela não possa concordar, simpatizo com a decisão de Alexandre de Moraes.

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É impulsionada pela decência. É disso que se trata, ao fim e ao cabo, a discussão colocada no mandado de segurança: como pode Bolsonaro insistir na nomeação de Ramagem nesse momento histórico, com todas as suspeitas que recaem sobre ambos?

O controle da decência política, todavia, não se faz, no que toca a atos discricionários, pela via do Judiciário. Se faz no âmbito da política. Eventuais crimes decorrentes ou constituidores dessa indecência podem e devem ser controlados pelo Judiciário. A nomeação de Ramagem por Bolsonaro, infelizmente, é tão indecente quanto lícita.

*Davi Tangerino, advogado e professor de Direito Penal da FGV-SP e da Uerj

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