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'Querem nos tornar vulneráveis a pressões e a interesses escusos', diz juíza esfaqueada por procurador da Fazenda

Louise Filgueiras, atingida no pescoço por Matheus Assunção no final da tarde de quinta, 3, em seu gabinete no Tribunal Regional Federal da 3ª Região, em São Paulo, avalia que 'foi um ataque contra a magistratura, ato que não pode ser tolerado ou desculpado'

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Foto do author Pepita Ortega
Por Fausto Macedo e Pepita Ortega
Atualização:

A juíza Louise Filgueiras. Foto: Ascom / TRF-3

Para a juíza federal Louise Filgueiras, o ataque que sofreu do procurador da Fazenda Nacional Matheus Carneiro Assunção, apesar de ter razões 'insondáveis', tinha como alvo a magistratura. Golpeada com uma faca em seu gabinete no Tribunal Federal da 3ª Região, em São Paulo, na quinta, 3, a magistrada avalia que o atentado pode ser resultado de uma mistura 'explosiva' entre 'polarização' e um contexto de 'tentativas claras de intimidação' à magistratura.

Em entrevista ao Estadão, Louise relembrou como foram os momentos de horror que viveu naquela tarde e disse acreditar que o procurador pretendia atacar um magistrado qualquer. Contido por seguranças do Fórum, Matheus afirmou que 'queria fazer protesto'. Depois do ataque à juíza, o procurador tentou se matar.

O procurador da Fazenda Matheus Carneiro Assunção. Foto: Arquivo Pessoal

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Matheus Assunção foi autuado na Polícia Federal por tentativa de homicídio, mas teve sua prisão transformada em preventiva por causa de dúvidas sobre sua 'integridade mental'. O procurador será encaminhado para internação provisória no Hospital das Clínicas de São Paulo.

Segundo Louise, o atentado afeta não só todos os magistrados, mas também a sociedade - não podendo ser 'perdoado ou desculpado'. Leia a entrevista:

Estadão: Após alguns dias do atentado de que foi vítima como a sra se sente?

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Juíza Louise Filgueiras: Me sinto bem, só um pouco cansada, mas sem traumas.

Estadão: O que muda agora na sua rotina?

Louise Filgueiras: Não pretendo mudar minha rotina, mas acho que a situação deixou claro que é preciso repensar a questão dos cuidados com a segurança nos fóruns.

Estadão: Como foi o ataque?

Louise Filgueiras: Foi uma estocada no pescoço, na região da carótida, pelas costas. Eu estava sentada de costas para a porta, virada para a janela, lendo uma minuta de voto e não o vi, nem ouvi entrar. Senti uma pressão forte no pescoço e ao me virar ele me atirou uma jarra de água, que se espatifou sobre a mesa. Eu gritei e logo em seguida, os servidores do gabinete entraram, um servidor o imobilizou e a segurança logo chegou.

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Estadão: A sra acredita que ele agiu premeditadamente ou invadiu seu gabinete por acaso?

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Louise Filgueiras: Eu acredito que foi premeditado, pois ele trouxe a faca consigo (não é uma faca simples de cozinha, era maior e mais pontuda) e foi a dois outros gabinetes antes em busca de uma oportunidade. Acho que me atacou porque encontrou as portas abertas e todos concentrados no trabalho, e acreditou que era a melhor oportunidade. Tanto que aguardou alguns minutos no corredor, sentado. Sabemos porque uma servidora chegou a vê-lo ali, mas achou que se tratava de um advogado que aguardava para despachar. Acho que o ataque não foi dirigido a mim, especificamente, ele pretendia atacar um magistrado qualquer, em forma de "protesto". Pelo que se apurou até agora, foi um ataque contra a magistratura, não foi pessoal.

Estadão: O que ele dizia quando a esfaqueou?

Louise Filgueiras: Ele não disse uma palavra. Apenas indagado pelo agente de segurança se estava sob efeito de álcool, depois de dominado, sorriu ironicamente e disse : "álcool?". Nada mais.

Estadão: O alvo era a magistratura? Por que?

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Louise Filgueiras: Sim, tudo leva a crer que o alvo era a magistratura, pois ao que se apurou até agora, o agente não tinha qualquer relação comigo ou com qualquer processo que eu tenha julgado. As razões são insondáveis, pois parece um até mesmo um ato de loucura. Segundo teria declarado logo após a prisão, pretendia fazer um protesto. De qualquer forma, o ato foi praticado em um contexto de tentativas claras de intimidação, que vem tomando força atualmente, intimidações que visam a nos tornar mais vulneráveis a pressões e a interesses escusos, como a recentemente aprovada lei do abuso de autoridade. Por outro lado, vivemos tempos de muita polarização, as pessoas estão ficando doentes de ódio, de intolerância e mesmo de indignação. Isso tudo faz uma mistura muito explosiva, que pode resultar em atos de violência como esse.

Estadão: A sra perdoa seu agressor?

Louise Filgueiras: Na parte que me toca, pessoalmente, perdoo e lamento muito que um jovem Procurador da Fazenda Nacional, carreira que muito respeito, inclusive exercida por meu falecido pai por muitos anos, tenha praticado um ato de tamanha gravidade e tenha assim se prejudicado tanto. Mas não cabe a mim perdoar um atentado praticado contra a Magistratura, pois afeta a todos os juízes diretamente, e atinge também a sociedade que necessita de um judiciário firme e independente, razão pela qual entendo que não pode ser tolerado ou desculpado, de maneira alguma.

Estadão: Houve falha na segurança do prédio do TRF-3?

Louise Filgueiras: Ele não foi revistado por ser procurador da Fazenda Nacional. Há uma norma que dispensa essa revista. Não houve falha nos procedimentos normais de segurança.

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Estadão: Seu agressor deve ficar preso ou sob tratamento?

Louise Filgueiras: Acho que isso é uma questão para a perícia técnica. Não me cabe emitir juízo sobre isso.

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