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'Querem criminalizar os homens', diz deputado que ataca 'Não é Não'

Jessé Lopes (PSL), da Assembleia Legislativa de Santa Catarina, que abriu polêmica ao cravar que campanha 'Não é Não' tira 'direito da mulher de ser assediada', afirma em entrevista ao 'Estadão' que Lei Maria da Penha e Lei do Feminicídio são exemplos de situações em que as mulheres possuem mais direitos do que os homens

Por Pedro Prata
Atualização:

Após dizer que a campanha 'Não é Não' pretende tirar o 'direito da mulher de ser assediada', o deputado catarinense Jessé Lopes (PSL) chamou o movimento feminista de 'segregador' e disse que seu intuito é 'criminalizar os homens'. Em entrevista ao Estadão, ele argumentou que 'as mulheres já conquistaram todos os direitos essenciais'. Para Jessé Lopes, leis como a Maria da Penha e a do Feminicídio criam situações em que as mulheres têm 'mais direitos do que os homens'.

Jessé Lopes: 'Não conheço nenhum ato jurídico que seja proibido às mulheres'. Foto: Fábio Queiroz/Agência ALESC

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Em publicação de 11 de janeiro, em uma rede social, Jessé falou que 'após as mulheres já terem conquistado todos os direitos necessários, inclusive tendo até, muitas vezes, mais direitos que os homens, hoje as pautas feministas visam em seus atos mais extremistas TIRAR direitos'. "Como, por exemplo, essa em questão, o direito da mulher poder ser 'assediada' (ser paquerada, procurada, elogiada...)", arrematou.

"Não conheço nenhum ato jurídico que seja proibido às mulheres", disse Jessé, na entrevista ao Estadão.

Questionado sobre situações em que as mulheres teriam mais direitos que os homens, o deputado catarinense citou 20 leis ou situações previstas na legislação que em sua visão possibilitam 'privilégio de direitos das mulheres sobre os homens'.

Entre elas, Jessé cita a Lei Maria da Penha, a Lei do Feminicídio, a isenção do serviço militar às mulheres e a licença maternidade de 120 dias.

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"Precisamos de penas mais duras para todos os crimes", defende.

Segundo ele, o combate à impunidade deve ser prioridade. "As mulheres são tão vítimas quanto negros, brancos, pobres, ricos, gays e héteros."

Especificamente sobre o assédio, sugere. "Medidas preventivas também podem ser tomadas, como por exemplo ir a lugares seguros e acompanhada."

Faixa preta

O político é dentista de profissão e natural de Criciúma. Em seu perfil, ressalta ser 'pai de família, conservador, faixa preta de jiu-jitsu e marrom de karatê'.

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Ele está em seu primeiro mandato como deputado estadual.

Jessé Lopes está em seu primeiro mandato de deputado estadual. Foto: Fabio Espíndola/Agência ALESC

Em 2019, propôs três projetos de lei: a obrigatoriedade de exame toxicológico em candidatos ao ingresso nas universidades públicas estaduais; a regulamentação do uso de equipamentos de proteção individual e instrumentos de menor potencial ofensivo pelo agente de segurança socioeducativo; e autorização ao Poder Executivo de Santa Catarina para alienar, por venda, imóveis no município de Florianópolis.

Reação

O jornalista Leonel Camasão, presidente do PSOL em Florianópolis, apresentou duas denúncias contra Jessé após os comentários sobre a campanha 'Não é Não'.

Uma delas por quebra de decoro na Comissão de Ética e Decoro Parlamentar da Assembleia Legislativa de Santa Catarina. Camasão diz que houve 'flagrante ofensa à dignidade de todas as mulheres catarinenses'.

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Documento

A QUEBRA DE DECORO

"Não é possível que qualquer pessoa, ainda mais um representante da população catarinense na Assembléia Legislativa, venha publicamente declarar que assédio é 'direito' e 'massageia o ego' das mulheres."

Já na segunda denúncia, Camasão pede à Procuradoria-Geral de Justiça de Santa Catarina que abra inquérito para averiguar se Jessé fez 'apologia' e 'incitação' à 'prática de assediadores, as quais devidamente tipificadas nos artigos 215-A (importunação sexual) e 216-A (assédio sexual)'.

A Comissão da Mulher Advogada da Ordem dos Advogados do Brasil de Santa Catarina, por sua vez, manifestou 'solidariedade a todas as mulheres que se sentiram ofendidas com as falas e mensagens do parlamentar catarinense que buscou relativizar as consequências do assédio sexual em todas as suas formas'.

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 Foto: Reprodução

A OAB reiterou. "Reforçamos que o assédio sexual é a forma mais comum de importunação sexual - crime previsto na Lei 13.718/18 com pena de 1 a 5 anos de prisão. Configura-se como provocações inoportunas, capazes de criar situações ofensivas, de intimidação ou humilhação, podendo ser praticado por qualquer pessoa, do mesmo gênero ou não, contra qualquer pessoa. Pressupõe a ausência de consentimento. Portanto, NÃO É NÃO!"

Jessé afirma que as críticas são de pessoas que não acompanham o seu trabalho.

"Minha pauta é a da segurança pública e defendo penas mais pesadas para criminosos, estupradores, sou a favor do porte de armas e legítima defesa. Mas adianto que nenhuma feminista veio me ajudar nisso."

CONFIRA AQUI A ENTREVISTA DO DEPUTADO JESSÉ LOPES AO ESTADÃO.

ESTADÃO: O sr disse que 'crime não se previne e nem se combate com tatuagens'. Quais são, na sua visão, as melhores formas de se combater 'atos agressivos e perturbantes' no carnaval?

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DEPUTADO JESSÉ LOPES: Precisamos de penas mais duras para todos os crimes. Nossas leis são brandas e deixam de ser aplicadas. Todos os brasileiros são vítimas de um sistema penal que não pune. As mulheres são tão vítimas quanto negros, brancos, pobres, ricos, gays e héteros. Medidas preventivas também podem ser tomadas, como por exemplo ir a lugares seguros e acompanhada.

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ESTADÃO: O sr falou que as mulheres já conquistaram todos os direitos necessários, 'inclusive até, muitas vezes, tendo mais direitos do que os homens'. Poderia citar os direitos que as mulheres já conquistaram?

JESSÉ: Não conheço nenhum ato jurídico que seja proibido às mulheres. Mulheres votam, trabalham, têm o privilégio merecido da licença maternidade e até servem às Forças Armadas. Se há algo que a lei proíba às mulheres, desconheço.

ESTADÃO: Poderia citar situações nas quais as mulheres possuem mais direitos do que os homens?

JESSÉ: Apenas para citar algumas situações:

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  1. LEI FEDERAL No. 13104/2015 (Lei do Feminicídio)

Aumenta a pena do homicida caso a vítima do homicídio tenha sido mulher

  1. LEI Nº 8.213, DE 24 DE JULHO DE 1991 (Dispõe sobre os Planos de Benefícios da Previdência Social e dá outras providências)

Determina tempo de contribuição e idade mínima da mulher para obter aposentadoria inferior ao do homem.

  1. LEI Nº 11.340, DE 7 DE AGOSTO DE 2006 (Lei Maria da Penha)

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Amplia a caracterização de atos como violência e dá maiores penas quando a vítima for mulher.

  1. LEI FEDERAL No. 150/2015 (Dispõe sobre o contrato de trabalho doméstico)

Prevê rescisão por culpa do empregador APENAS quando a violência feita pelo empregador ser contra uma mulher.

  1. LEI FEDERAL No. 5948/2006 (Aprova a Política Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas)

Aumenta a punição caso a pessoa traficada seja mulher e prevê maior assistência a mulher.

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  1. LEI FEDERAL No. 13.239/2015 (Dispõe sobre a realização de cirurgia plástica feita no SUS em reparo aos danos causados por violência)

Dá direito de cirurgia plástica reparadora de sequelas de lesões causadas por atos de violência APENAS a mulher.

  1. LEI No 10.778, DE 24 DE NOVEMBRO DE 2003 (Estabelece a notificação compulsória do caso de violência contra a mulher que for atendida em serviços de saúde públicos ou privados)

Prevê notificação compulsória de violência APENAS quando a vítima for mulher.

  1. LEI Nº 11.977, DE 7 DE JULHO DE 2009 (PROGRAMA MINHA CASA, MINHA VIDA)

Dá prioridade de atendimento às famílias com mulheres responsáveis pela unidade familiar. E dá preferencia de efetivação de contratos e registros em nome da mulher.

  1. LEI Nº 11.804, DE 5 DE NOVEMBRO DE 2008 (Disciplina o direito a alimentos gravídicos e a forma como ele será exercido e dá outras providências)

Determina que despesas referentes a alimentação especial, assistência médica e psicológica, exames complementares, internações, parto, medicamentos e demais prescrições preventivas e terapêuticas indispensáveis deverão ser custeadas pelo futuro pai.

  1. LEI Nº 11.489, DE 20 DE JUNHO DE 2007 (Institui data comemorativa)

Institui o dia 6 de dezembro como o Dia Nacional de Mobilização dos Homens pelo Fim da Violência contra as Mulheres.

  1. LEI FEDERAL No. 10836/2004 (Programa Bolsa Família)

Determina que o pagamento do benefício seja feito preferencialmente à mulher.

  1. LEI FEDERAL No. 10745/2003 (Institui o ano de 2004 como o "Ano da Mulher")

Determina ao Poder Público a divulgação e comemoração do "Ano da Mulher".

  1. LEI FEDERAL 13.272/2016  (empoderamento da mulher no esporte)

Art. 1o É instituído o ano de 2016 como o Ano do Empoderamento da Mulher na Política e no Esporte.

  1. LEI No 4.375, DE 17 DE AGOSTO DE 1964 (Lei do Serviço Militar)

Prevê obrigatoriedade de prestação de serviço militar do homem e isenta a mulher do serviço militar em período de paz.

  1. CONSTITUIÇÃO FEDERAL de 1988 e Lei do Serviço Militar (LEI No 4.375, DE 17 DE AGOSTO DE 1964): Mulheres têm direito a votar e ser votadas sem necessidade de alistamento militar. Para obter o título de eleitor, os homens entre 18 e 45 anos devem comprovar quitação com o alistamento militar. Durante o serviço militar obrigatório, os homens não têm direito de ser votados - e nem de votar.

Leis trabalhistas (CLT)

  1. Toda mulher tem direito a intervalo de 15 minutos antes de começar o trabalho em jornada extraordinária, de acordo com o artigo 384 da CLT,

  1. Aposentadoria: A idade mínima para mulheres é de 60 anos, enquanto os homens devem esperar até os 65.

  1. Licença-maternidade de 120 dias (a partir do 8º mês de gestação), sem prejuízo do emprego e do salário, que será integral.

  1. Ser dispensada no horário de trabalho para a realização de pelo menos seis consultas médicas e demais exames complementares.

  1. Mudar de função ou setor de acordo com o estado de saúde e ter assegurada a retomada da antiga posição.

ESTADÃO: O sr afirma que o movimento feminista 'generaliza' o termo assédio, incluindo aí 'dar em cima'. Mas advogados disseram que o 'Não é Não' se refere a casos de importunação sexual, no qual as situações atropelam o desejo da mulher. O sr discorda dessa interpretação?

JESSÉ: Não discordo. Todo abuso deve ser coibido. Minha posição é que as pessoas normais devem ter a liberdade de namorar e curtir o carnaval de maneira responsável. As feministas tentam transformar um assobio em assédio e, com isso, criminalizar os homens. Não concordo com isso.

ESTADÃO: O sr disse que pessoas o classificaram como 'apologeta do assédio'.

JESSÉ: São pessoas que não acompanharam o debate e não acompanham o meu trabalho. Minha pauta é da segurança pública e defendo penas mais pesadas para criminosos, estupradores. Sou a favor do porte de armas e da legítima defesa. Mas adianto que nenhuma feminista veio me ajudar nisso.

ESTADÃO: O sr disse que o movimento feminista 'tirou direitos das mulheres'. Poderia citar alguns?

JESSÉ: Sim. O feminismo forçou as mulheres a seguir padrões sociais e de beleza completamente inalcançáveis. Com a liberação sexual e o fim do casamento, há um verdadeiro exército de meninas criando os filhos sozinhas, sem estrutura e sem amparo. É cada vez mais comum que essa meninas tenham depressão e até se automutilem. Essas são as conquistas do feminismo.

ESTADÃO: O sr também classifica o movimento feminista de 'segregador'. Poderia citar exemplos de movimentos 'não segregadores'?

JESSÉ: Você não vê a bancada ruralista separando as famílias por raça e sexo. Eles têm uma pauta que serve a todos os agricultores, independentemente de origem e opção sexual. O movimento pró-armas defende que mulheres, negros, japoneses e gays tenham armas. Todos os movimentos que não nos tratam igualmente como brasileiros são segregadores. Movimento LGBT, Movimento Feminista, Movimentos Raciais. Ou somos todos iguais e brasileiros, ou estamos fadados ao fracasso.

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