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Quem pagará a conta das inovações da Lei 14.181/2021?

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Por Cláudia Constância Lopes de Morais
Atualização:
Cláudia Constância Lopes de Morais. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

A Lei 14.181/2021, em vigor desde 2/7/2021, traz inovações de grande relevância ao Código de Defesa do Consumidor (CDC), dentre elas, uma enorme preocupação com a prevenção do superendividamento do consumidor brasileiro, um estigma social já enraizado no país há décadas, e vivenciado por cerca de 40% da população adulta. Esse índice, aliás, poderia ser até maior, não fosse o pagamento paliativo do auxílio emergencial, realizado pelo Governo Federal no decorrer da atual pandemia da Covid-19, a manutenção das taxas de juros, além da facilidade de renegociação concedida pelas instituições financeiras que, por liberalidade, tomaram a iniciativa de flexibilizar os prazos de pagamento dos contratos em geral.

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Com o advento da nova lei, o consumidor com superendividamento poderá requerer em juízo a instauração de processo de repactuação de dívidas, que poderá ter início já em audiência de conciliação, momento em que deverá apresentar sua proposta de plano de pagamento, cujo prazo máximo deverá ser de até 5 anos. Um ponto importante é que a presença dos credores é obrigatória, sob pena de suspensão da exigibilidade dos respectivos créditos, bem como da interrupção dos encargos de mora, além de terem que se sujeitar ao plano de pagamento proposto pelo próprio devedor.

Isso significa que a simples ausência do credor em audiência conciliatória poderá trazer prejuízos irreversíveis no que diz respeito à possibilidade de recuperação de seu crédito, ficando claro, portanto, os benefícios trazidos pela Lei 14.181 aos consumidores, em detrimento até mesmo do exercício regular do direito de cobrança do credor, previsto no art. 188, I, Código Civil (CC).

As inovações da referida Lei também buscam compelir os credores à conciliação nos exatos termos trazidos pelo superendividado em audiência, pois, caso contrário, poderá ser instaurado processo por superendividamento (art. 104-B), com a consequente citação dos credores, os quais terão o prazo de 15 dias úteis para informar as razões pelas quais não aceitaram o plano. A discordância será levada a um administrador judicial, que terá por finalidade reduzir os juros e encargos que compõem a dívida, ainda que previstos contratualmente, e garantir tão somente o recebimento do valor principal devido.

Evidente que muitos doutrinadores renomados, hábeis defensores dos consumidores, possuem motivos de sobra para comemorar essas novas conquistas implantadas no CDC. Mas quando se olha para o outro lado da mesa, ou seja, o lado das instituições financeiras em geral, facilmente se constata que, além de já sofrerem prejuízos estratosféricos em razão de consumidores inadimplentes, certamente sofrerão ainda mais perdas financeiros em razão das penalidades impostas pelos novos artigos inseridos no CDC, os quais flexibilizaram excessivamente a forma de pagamento das dívidas, apesar de contraídas espontaneamente pelo consumidor.

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Ao garantir aos bancos apenas o recebimento do valor principal do empréstimo, as inovações permitem, por exemplo, que uma dívida contraída há anos, seja paga somente pelo seu valor histórico, descaracterizando inclusive a função primordial dos bancos, que é a concessão de empréstimo mediante taxas de juros previamente pactuadas.

O art. 54-G também chama bastante atenção, pois concede ao consumidor a prerrogativa de contestar toda e qualquer compra realizada no cartão de crédito (ou similar) pela via administrativa, desde que observados 10 dias de antecedência contados da data de vencimento da fatura, o que irá impedir que a instituição realize a sua cobrança enquanto não for solucionada a controvérsia.

Dessa forma, o referido artigo poderá estimular não só a autofraude, como também a negligência do consumidor com o seu cartão e senha secreta, dada a facilidade que com que poderá apresentar sua oposição à determinada compra. 

Por essas razões, apesar de a Lei 14.181/2021 estar sendo aclamada pelos que enxergam o protecionismo ao consumidor até como uma espécie de luta pela efetiva concretização da justiça, as mudanças trazidas por ela poderão ter efeito reverso, estimulando não só mais inadimplência como também um aumento no número de demandas distribuídas.

Como se vê, a crise instaurada no país em todas as frentes, reflexo de um desgoverno generalizado e que assombra a todos indistintamente, será paga pelos bancos. A responsabilidade pelo tombo da economia brasileira será mais uma vez transferida às instituições financeiras,  o que inspira até mesmo a implementação de medidas protetivas, e com o auxílio da FEBRABAN, que visem combater o abuso deste direito concedido ao consumidor, já que iminente o aumento das perdas financeiras.

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*Cláudia Constância Lopes de Morais, advogada especialista do Contencioso Cível do Reis Advogados (SP)

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