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Proteção de dados pessoais e anticorrupção: o papel do denunciante

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Por Thiago Luís Sombra e Gabrielle Graziano
Atualização:
Thiago Luís Sombra e Gabrielle Graziano. FOTOS: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

Em linha com compromissos contra a corrupção assumidos nacional e internacionalmente, o Brasil passará a contar, em 2020, com um importante instrumento de proteção a denunciantes de ilícitos e irregularidades contra a administração pública federal: o Decreto nº 10.153/2019, que tem como objetivo assegurar o sigilo das informações. O texto foi publicado neste mês de dezembro e entra em vigor em março do ano que vem.

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O assunto foi tema do recente Fórum "O Controle no Combate à Corrupção", promovido pela Controladoria-Geral da União (CGU), onde foram discutidas ainda a relevância do controle na melhoria da gestão pública e as ferramentas a serem adotadas pela administração pública no combate à corrupção, como a nova configuração da Plataforma Integrada de Ouvidoria e Acesso à Informação (Fala.BR) para receber denúncias sobre atos ilícitos praticados por agentes públicos.

Vale notar que, antes do Decreto, o Brasil não tinha, como bem apontado no relatório econômico de fevereiro de 2018 produzido pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), leis específicas dedicadas à proteção de denunciantes, tema que deveria ter sido objeto da Lei Anticorrupção. Embora a legislação existente (como a Lei n.º 13.608/2018, que dispõe sobre o serviço telefônico de recebimento de denúncias e recompensa por informações que auxiliem em investigações policiais, e a Lei n.º 13.460/2017, que dispõe sobre o sistema de ouvidoria do poder executivo federal) mencionasse a possibilidade de realização de denúncias anônimas, não existia, até a edição do Decreto, norma que dispusesse acerca da proteção dos denunciantes, ou mesmo que mencionasse as formas em que tal proteção seria conferida àqueles que, de boa-fé, realizam denúncias.

O Decreto é, portanto, a primeira norma brasileira que estabelece as regras e procedimentos a serem adotados pela administração pública para garantir, com efetividade, a proteção de denunciantes, também conhecidos como whistleblowers.

Para garantir o anonimato dos denunciantes, o decreto recorre a um mecanismo abrangido pela Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), a pseudonimização, processo pelo qual os dados dos denunciantes são submetidos a uma camada adicional de proteção, que impossibilita a identificação ou associação a um indivíduo, direta ou indiretamente, mediante o uso de técnicas como a criptografia, mascaramento e a hasherização. Assim, mediante a utilização de tal processo, o Decreto assegura que o denunciante terá resguardado o sigilo do seu nomeendereço e quaisquer outros dados pessoais que possibilitem identificação.

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Dentre as regras estabelecidas para viabilização do sigilo dos denunciantes, o Decreto determina que as denúncias serão recebidas exclusivamente pelas unidades de ouvidoria dos órgãos ou entidades sujeitas ao Decreto, assim compreendidos os órgãos da administração pública federal direta, autárquica e fundacional, as empresas estatais. As unidades, por sua vez, implantarão medidas necessárias para o recebimento, triagem e encaminhamento das denúncias para a proteção das informações recebidas.

Como uma medida de dupla segurança, além do tratamento aos dados que torne impossível a identificação dos denunciantes, as unidades de ouvidoria também terão controle de acesso com os registros dos nomes dos agentes públicos que acessem as denúncias e as respectivas datas de acesso à denúncia.

A partir da edição do Decreto, a identificação dos denunciantes será uma exceção à regra e só será possível quando for indispensável à análise dos fatos relatados na denúncia. Dessa forma, quando a identificação do denunciante for necessária, a unidade de ouvidoria entrará em contato com o denunciante, que terá até 20 dias para aceitar ou não que sua identificação seja concedida. Caso o denunciante não autorize ou tenha decorrido os 20 dias, a unidade de ouvidoria que tenha recebido originalmente a denúncia somente poderá encaminhá-la ou compartilhá-la após a sua pseudonimização.

Na hipótese de descumprimento do disposto no Decreto, o denunciante poderá comunicar ao órgão central do Sistema de Ouvidoria do Poder Executivo federal, neste caso a CGU, que dará o devido tratamento por meio da Ouvidoria Geral da União (OGU).

O Decreto n.º 10.153/2019 é mais uma medida de combate à corrupção na medida em que busca, de todas as formas, garantir a proteção à identidade de denunciantes que, de boa-fé, tenham informações sobre ilícitos ou potenciais ilícitos cometidos por agentes públicos. Deste modo, a tendência é que após a sua entrada em vigor, em março de 2020, se intensifiquem as denúncias de atos de corrupção, o que deve ser um fator de atenção tanto para as empresas privadas quanto para os agentes públicos.

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*Thiago Luís Sombra, sócio das áreas de Compliance e Tecnologia do escritório Mattos Filho e ex-procurador do Estado de São Paulo

*Gabrielle Graziano, advogada da área de Compliance do escritório Mattos Filho

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