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Proteção de dados de crianças: o que uma boa política de privacidade pode fazer pelo seu negócio

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Por Alessandra Taraborelli
Atualização:
Alessandra Borelli. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

Dias depois da Lei Geral de Proteção de Dados completar um ano desde a sua entrada em vigor e no mês em que no Brasil é comemorado o Dia das Crianças, oportuno falar sobre alguns dos entretenimentos que mais as tem fascinado nos últimos tempos, o direito à proteção de seus dados pessoais, onde estamos e onde queremos chegar em relação a isso.

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Todos sabemos que para desenvolver jogos, aplicativos, sites é preciso observar uma série de requisitos legais e, se voltado ao público infantil, uma relação de providências e cuidados adicionais se somará a todos eles. Aliás, vale lembrar que jogos, aplicativos, sites e os chamados "brinquedos inteligentes" que coletam dados pessoais de crianças e adolescentes encontram-se no Brasil sob a jurisdição de, no mínimo, duas leis: Estatuto da Criança e do Adolescente e Lei Geral de Proteção de Dados.

Sob tal perspectiva, estudos revelam que muitas das atrações digitais direcionadas a crianças e adolescentes violam sua privacidade e entre as principais violações encontradas por pesquisadores incluem o compartilhamento de informações de contato ou localização, além de informações pessoais e identificadores para segmentação de anúncios.

Importante ainda destacar que, seja por descumprirem os Termos de Uso e Políticas de Privacidade, seja por obterem do usuário seu expresso consentimento para o tratamento dos dados coletados, ao violarem a privacidade de crianças, sites, aplicativos e jogos, em muitos casos, colocam também em risco a sua segurança.

Aliás, no que tange ao dever de garantir a privacidade da criança, o artigo 14 da Lei Geral de Proteção de Dados demonstra claramente a expectativa do legislador em protegê-las de ataques à sua forma de vida, seu presente e futuro. Inclusive, nos termos em que a própria Convenção sobre os Direitos da Criança, adotada pela ONU em 1989 e vigente desde 1990, dispõe: seu nome, sua vida, seu desenvolvimento não devem ser objeto de qualquer tipo de interferência arbitrária ou ilegal.

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Em termos legais, portanto, crianças são sujeitos de direitos, como quaisquer pessoas. Aliás, considerando sua condição peculiar de ser em desenvolvimento, fazem jus a um tratamento diferenciado, não sendo exagero afirmar que dispõem de mais direitos que os próprios adultos.

Nesse mesmo sentido, estabeleceu o Regulamento Geral de Proteção de Dados da União Europeia ao prever que as crianças merecem proteção especial quanto a seus dados pessoais, uma vez que podem estar menos cientes dos riscos, consequências e garantias em questão, assim como dos direitos relacionados ao tratamento de seus dados pessoais.

É espantoso o aprimoramento de técnicas para coleta de dados pessoais de crianças em sites, jogos, aplicativos e brinquedos inteligentes para efeitos de comercialização, criação de perfis de personalidade e consequente direcionamento de serviços oferecidos diretamente a elas.

Cumpre esclarecer que não se discute aqui a importância desses dados à indústria voltada a este público, mas é consenso que o seu tratamento precisa ser limitado de modo a garantir a liberdade no desenvolvimento de nossas crianças sem que seus movimentos, gostos, desejos, medos, sonhos e opiniões sejam monitorados e utilizados para a manipulação de suas escolhas.

Dados estão no centro de tudo o que as crianças mais consomem todos os dias. Quando acessam aplicativos e sites para estudar, realizar pesquisas, assistir seus vídeos e filmes favoritos, interagir com seus familiares e amigos, jogar, brincar - seus dados são coletados e quanto mais tratados, mais os serviços são moldados às suas expectativas e assim mais e mais dados são coletados.

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Convenhamos, apesar de todas essas incríveis oportunidades das quais hoje podem desfrutar as novas gerações, não estamos criando um espaço seguro para elas.

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Em seu estudo, Privacidade e Liberdade, Alan Westin definiu privacidade como sendo a reivindicação de indivíduos para determinar por si próprios quando, como e em que medida informações sobre eles poderiam ser utilizadas e compartilhadas com outras pessoas.

Naturalmente e por razões que todos sabemos, crianças não reúnem condições para tomarem decisões que impactem suas vidas, mesmo sendo extremamente habilidosas com tudo o que oferecem as novas tecnologias. Assim, é preciso que as práticas empresariais considerem e estejam sempre e continuamente dispostas a adaptar-se às necessidades e fragilidades do público que almeja alcançar quando o assunto é proteção de dados e privacidade.

Como há tempos se discute, a Lei Geral de Proteção de Dados é uma importante iniciativa que tem por objetivo, inclusive, incentivar a transparência e a responsabilidade dos agentes de tratamento perante os dados a que têm ou pretendem ter acesso. Por meio do seu artigo 14 e respectivos parágrafos adiciona proteções especiais aos dados relativos a crianças e adolescentes, enfatizando sobre a necessidade de se criar uma Política de Privacidade adequada ao entendimento da própria criança.

A regra é clara, se há alguma possibilidade do tratamento de dados pessoais de crianças ou adolescentes, todas as informações relativas a estes deverão ser fornecidas de forma simples e acessível, consideradas as características físico-motoras, perceptivas, sensoriais, intelectuais e mentais do usuário, com o uso de recursos audiovisuais quando adequado, de forma a proporcionar a plena compreensão acerca das informações necessárias.

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Não basta um aplicativo, jogo ou site contemplar em seu termo de uso ou política de privacidade que o seu serviço não é voltado para crianças e valer-se de atrativos que os instigam a curiosidade ao acesso, tais como imagens, assuntos e influenciadores que com elas de alguma forma se comuniquem. Desta forma, querendo ou não os responsáveis pelos serviços, crianças e adolescentes acessarão e havendo o tratamento de seus dados pessoais, o artigo 14 da LGPD restará aplicável.

Conforme previsto em muitas das legislações dedicadas à defesa dos direitos da criança e brilhantemente descrito no Age appropriate design: a code of practice for online services/ICO, para tudo o seu melhor interesse deve ser uma consideração primária sempre que houver o desenvolvimento de serviços digitais que possam ser acessados por uma criança.

Vale destacar que, assim como a Lei Geral de Proteção de Dados não proíbe o uso de dados pessoais, considerar o melhor interesse da criança não deve significar às empresas um impeditivo ao desenvolvimento de seu modelo de negócios e interesses comerciais. O conceito do "melhor interesse da criança" provém do artigo terceiro da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança, bastando à indústria simplesmente observar se e de que forma o tratamento de seus dados pode impactar seus direitos, entre eles: a segurança, saúde, bem-estar, relações familiares, desenvolvimento físico, psicológico e emocionas, identidade, liberdade de expressão e privacidade.

De acordo com a pesquisa Child Rights in the digital age da Agência das Nações Unidas para a Infância, UNICEF, um terço dos usuários globais da internet são crianças e bem sabemos que, também, uma boa parte dos dados pessoais de crianças e adolescentes são pelos próprios espontânea e "voluntariamente" compartilhados, daí a necessidade urgente de, sem prejuízo da adoção de todas as medidas de segurança, técnicas e administrativas exigidas, se realizar um comprometido trabalho de educação em proteção de dados e privacidade digital a este público.

E que tal começar esse trabalho pela própria indústria?

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Privilegiar a construção de políticas de privacidade com total transparência e atentas à capacidade de compreensão de crianças valendo-se da utilização de elementos visuais, tais como gráficos, imagens, formas geométricas, personagens e com isso tornando-a mais atrativa e eficiente, pode ser uma excelente alternativa para, além de mitigar riscos, estar em conformidade com a lei, demonstrar empatia e estabelecer uma relação de confiança com a sociedade.

E então, quer ativo e diferencial competitivo mais importante do que a confiança?

*Alessandra Borelli, advogada e professora dedicada às áreas de Direito Digital e Proteção de Dados Pessoais, sócia e diretora executiva da Opice Blum Academy

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