Foto do(a) blog

Notícias e artigos do mundo do Direito: a rotina da Polícia, Ministério Público e Tribunais

Proprietário de imóvel pode ser executado para pagamento de verba condominial, ainda que não tenha sido parte de ação originária

PUBLICIDADE

Por Talita Orsini de Castro Garcia
Atualização:
Talita Garcia. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

Em 8 de outubro de 2020, transitou em julgado o Acórdão proferido no âmbito do Recurso Especial 1696704/PR, que trouxe importante reflexão para os promissários vendedores de imóveis.

PUBLICIDADE

O mencionado Recurso Especial foi interposto pela Companhia de Habitação Popular de Curitiba (COHAB-CT), em face de decisão do Tribunal de Justiça de Curitiba que incluiu a COHAB-CT no polo passivo de ação de cobrança em virtude da inadimplência no pagamento de cotas condominiais.

No caso em tela, a COHAB-CT não figurou no polo passivo da ação proposta pelo Condomínio e, também, não foi consultada quando o acordo foi formalizado em juízo entre o Condomínio e o promitente comprador. Porém, uma vez que o promitente comprador deixou de honrar com a obrigação de pagamento decorrente de tal acordo, o Condomínio requereu e o juízo reconheceu a legitimidade da COHAB-CT para figurar no polo passivo do cumprimento de sentença, de modo a ser acionada ao pagamento da dívida.

Os dois principais embasamentos apresentados pela COHAB-CT para o Recurso Especial, de modo a requerer a sua exclusão do polo passivo da ação, foram: (i) como promitente vendedora, a COHAB-CT não responderia pelas dívidas do promitente comprador, haja vista que esse estava na posse do imóvel, sendo que a propriedade de tal imóvel apenas seria transferida ao promitente comprador mediante quitação das parcelas do financiamento; e (ii) em razão do promitente comprador ter feito acordo com o Condomínio sem a participação da COHAB-CT, a dívida teria adquirido caráter pessoal vinculado exclusivamente ao promitente comprador, desvinculando-se do imóvel e de sua proprietária.

Contudo, por maioria de votos, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu que a COHAB-CT poderia constar do polo passivo de tal ação. A ministra Nancy Andrighi, relatora, expôs em seu voto que a obrigação de pagamento de verbas condominiais se trata de uma obrigação que acompanha a propriedade do imóvel (chamada propter rem), e deve ser adimplida pelo proprietário do imóvel (no caso, a COHAB-CT) em benefício da coletividade dos condôminos.

Publicidade

Ainda, sobre o fato de a COHAB-CT não ter constado no polo passivo da ação de cobrança, a ministra entendeu que, considerando que o imóvel gerador das despesas constitui como garantia ao pagamento da dívida, consequentemente deve-se admitir que o proprietário conste no polo passivo de cumprimento de sentença.

Como mencionado anteriormente, tal decisão traz importante reflexão para os proprietários de imóveis que estão na posse de terceiros (seja na qualidade de promitente comprador, locatário ou comodatário), qual seja, é preciso acompanhar se os possuidores dos respectivos imóveis têm adimplido com a obrigação de pagamento das verbas condominiais.

No caso de contratos de locação e de comodato, de fato, faz parte da rotina dos proprietários realizarem o acompanhamento do adimplemento de tais obrigações pelos locatários e comodatários, haja vista que, em regra, não há qualquer intenção de transferência da propriedade do imóvel para o respectivo locatário/comodatário. Ou seja, existe o zelo e cuidado pelo patrimônio próprio.

Porém, diferente é a hipótese de celebração de um compromisso de compra e venda em que o promitente comprador é imitido na posse do imóvel mediante a celebração de tal instrumento, momento a partir do qual as partes acordam que passa a ser de responsabilidade do promitente comprador adimplir com todas as obrigações decorrentes do uso do imóvel, dentre elas, a obrigação de pagamento das verbas condominiais.

Inclusive, esse foi o entendimento exposto no Recurso Especial 1.345.331/RS, julgado em 8/4/2015, dessa vez da Segunda Turma do STJ, hipótese em que foi decidido que as cobranças das verbas condominiais devem ser dirigidas ao promitente comprador, mesmo quando o compromisso de compra e venda não foi levado a registro, nas hipóteses em que: (i)promitente comprador tenha se imitido na posse do imóvel; e b) o condomínio tenha sido cientificado da transação. Naquele caso, foi afastada a legitimidade passiva do promitente vendedor para responder por despesas condominiais relativas a período em que a posse foi exercida pelo promitente comprador.

Publicidade

Vale mencionar que, como voto vencido no Acórdão ora proferido pela Terceira Turma do STJ, o ministro Moura Ribeiro entendeu que a COHAB-CT não seria parte legítima para figurar no polo passivo da cobrança das dívidas condominiais, justamente porque o caso preenchia os requisitos trazidos pelo Recurso Especial 1.345.331/RS da Segunda Turma do STJ, haja vista estar comprovado nos autos que o promitente comprador estava na posse do imóvel e o Condomínio tinha ciência do compromisso de compra e venda firmada entre promitente vendedor e promitente comprador.

PUBLICIDADE

Ainda que a ministra Nancy Andrighi expressamente exponha em seu voto o motivo pelo qual entende que a decisão ora exposta não conflita com aquela da Segunda Turma do STJ, fato é que os promitentes vendedores não podem mais escudar-se no entendimento da Segunda Turma do STJ para, de um modo geral, desvincular-se da obrigação de pagamento das verbas condominiais uma vez que a posse do imóvel é transferida ao promitente comprador e o condomínio é notificado.

Consequentemente, os promissários compradores devem criar mecanismos e procedimentos para acompanhar se os promitentes compradores estão adimplindo com tais obrigações, diligência essa que se mostra extremamente custosa para as instituições do porte da COHAB-CT, que celebra inúmeros instrumentos em sua rotina.

*Talita Orsini de Castro Garcia, advogada sênior especialista da área contratual do escritório Finocchio & Ustra advogados

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.