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Proposta de reforma tributária liga sinal de alerta no setor de saúde

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Por Eduardo Amaro
Atualização:
Eduardo Amaro. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

Antes mesmo de registrar o primeiro caso de Covid-19, o setor de saúde no Brasil já travava uma batalha pela vida ao suportar uma das mais altas cargas tributárias do mundo, considerando os países membros da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

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Com a pandemia do novo coronavírus, a situação financeira da saúde suplementar se agravou. Dados divulgados pela Agência Nacional de Saúde (ANS), em julho de 2020, confirmam a expressiva queda do faturamento do setor, que chegou a mais de 30% nos quatro primeiros meses do ano, ante o mesmo período do ano passado. Já em relação ao faturamento relacionado às internações, que reflete exclusivamente a realidade dos hospitais, essa queda chegou a 44%, no mesmo recorte de comparação.

O prejuízo foi causado, principalmente, pela queda dos atendimentos eletivos, apesar de estarem preparados para atenderem de acordo com as normas de segurança preconizadas pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Ainda de acordo com a ANS, houve uma redução de 33% na utilização dos serviços pelos beneficiários de planos de saúde, nos quatro primeiros meses do ano. Apenas as internações tiveram uma queda de quase 41% no período.

Ao mesmo tempo em que a receita caía, o setor via os custos crescerem exponencialmente com o aumento significativo dos preços de insumos, medicamentos e equipamentos de proteção individual (EPI's), cuja utilização foi muito maior durante a pandemia; maior custo financeiro com empréstimos; e a necessidade de altos investimentos em infraestrutura, especialmente para o aumento do número de leitos de UTI, contratação de novos profissionais e aquisição de equipamentos.

As crises sanitárias e de saúde pública, como a que vivemos, reforçam a relevância dos serviços prestados à saúde humana, não somente como agente econômico e social, mas como verdadeiro protagonista no desenvolvimento do país, exigindo constante estrutura material e humana para que possa agir de maneira rápida e efetiva sempre que necessário.

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Porém, com o projeto de lei 3.887/20, que institui a Contribuição Social sobre Operações com Bens e Serviços (CBS) e altera a legislação como "primeira fase" de sua proposta de reforma tributária, integrando ao debate das PEC's 45 e 110, ambas em curso no Congresso Nacional, a saúde suplementar está na UTI e respira com a ajuda de aparelhos. Isso porque as propostas de emendas constitucionais impactam, principalmente, no setor de serviços, onde estão classificados os hospitais privados.

Hoje, os tributos incidentes sobre os serviços prestados totalizam, geralmente, cerca de 5,65% (2% - ISS; 0,65% - PIS; 3% - COFINS). Com a mudança, segundo a recente proposta encaminhada pelo governo federal, as contribuições ao PIS e COFINS serão substituídas pela CBS e o percentual da alíquota incidente que totaliza, em geral, 3,65% passará para 12% - um aumento de mais de 230%. Insustentável para a sobrevivência do segmento.

Além de aumentar as alíquotas dos tributos, em que pese prever a possibilidade de ampliação do desconto de créditos sobre custos e despesas, a reforma tributária proposta não autoriza que isto seja promovido em relação à folha de pagamento, principal despesa dos hospitais (36%). No total, a mão de obra é responsável por 50% dos custos. Hoje, o setor é um dos que mais emprega no país, com 1,2 milhão de colaboradores formais. Somente entre os hospitais Anahp são mais de 200 mil trabalhadores, o que corresponde a 16% do total de empregados formais no setor de atividades de atendimento hospitalar. Além disso, enquanto o saldo de geração de empregos foi negativo no primeiro semestre no Brasil, o setor de saúde teve resultado positivo com a contratação de 43 mil pessoas.

A saúde suplementar já é, atualmente, excessivamente tributada sobre a folha de pagamento, com sujeição à alíquota de 20% sobre o total das remunerações pagas, devidas ou creditadas a qualquer título para pessoas físicas, adicionado de SAT/RAT, além dos encargos parafiscais e ao 'Sistema S', podendo alcançar até 5,8%. E tudo isso considerando que o padrão médio salarial dos funcionários já é diferenciado, se comparado a outros setores produtivos, o que aumenta ainda mais esse impacto fiscal.

Não se trata exclusivamente de aumento intolerável da carga tributária das empresas, mas de preocupação com o acesso da população à saúde suplementar. Os pacientes podem não conseguir arcar com o aumento dos preços dos serviços, prejudicando as condições de saúde e onerando ainda mais o sistema público. O que pode criar mais uma crise de acesso à saúde, em um momento em que se mantém a adversidade causada pela pandemia da Covid.

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Com todas essas mudanças propostas, o prognóstico não é favorável. Neste momento em que o país enfrenta uma grande crise, o setor precisa fazer valer o princípio da capacidade contributiva, o art. 145, § 1º, da Constituição Federal, que diz que "os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte".

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Neste contexto constitucional é que o setor de saúde, por oferecer à população brasileira a prestação de serviços que são direitos e garantias fundamentais, deve ter assegurada a proteção necessária.

Para estabilizar os sinais vitais, será preciso reavaliar as mudanças propostas pela reforma tributária para o setor de Saúde, que possui particularidades que não permitem a simples padronização de impostos. Para manter a atual carga tributária do setor hospitalar privado, é preciso isentar a CBS sobre receitas oriundas da prestação de serviços de assistência à saúde ou dos encargos sobre folha de pagamento das entidades prestadoras de serviços de saúde.

Ao tratar o setor com a excepcionalidade e a neutralidade que lhe são devidas, o governo mostra que se preocupa com o cuidado da saúde de sua população, que enxerga o bem-estar social e que investe no desenvolvimento da nação. Caso contrário, a reforma tributária será a causa da morte do setor de Saúde do Brasil.

*Eduardo Amaro, presidente do Conselho de Administração da Associação Nacional de Hospitais Privados (Anahp)

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