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Projeto tributário ajuda de caminhoneiros a donos de postos (e você, consumidor)

Por Matheus Bueno de Oliveira
Atualização:
Matheus Bueno de Oliveira. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

Está na fila de propostas a serem apreciadas pelo Congresso o Projeto de Lei Complementar 16/2021 (PLP 16), que trata do ICMS sobre combustíveis. Submetido ao regime de urgência, ele travará a pauta do Legislativo se não vier a ser avaliado até o final de março. A justificativa é a necessidade de conferir maior estabilidade ao preço daqueles produtos, necessários que são para as cadeias de distribuição de todos os setores e da própria locomoção da população.

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Além de atrelado ao preço da commodity e afetado pela taxa cambial, o preço do combustível "na bomba" é substancialmente impactado pelo imposto estadual, que representa mais de um terço daquele, e varia frequentemente, pegando de surpresa, em especial, os caminhoneiros e transportadores, que mesmo no meio de uma viagem já contratada e precificada notam o custo de seu serviço ser severamente impactado. Como o sistema atual do ICMS impõe essa frequência de reajuste aos Estados, o PLP ataca na raiz o problema.

Como chegamos aqui? Bem, em 1988, quando a Constituição previu que o ICMS fosse devido a cada operação de venda, pelo preço praticado, acabou exigindo que os Estados se envolvessem num trabalho hercúleo de fiscalização de cada transação. Em prol da eficiência, o texto constitucional foi alterado logo em 1993 para incluir um mecanismo super valioso para a máquina estatal: o art. 150, parágrafo 7º, passou a expressamente autorizar que o fisco, por meio da chamada substituição tributária (ST), aliviasse a ginástica de auditar e arrecadar tributos.

Com base nessa autorização, que também aproveita a outros tributos e tanto à União como aos Municípios, os Estados implementaram o regime ST para o ICMS de uma série de produtos, normalmente aqueles em se notou haveria enorme facilidade de concentrar a arrecadação em apenas um elo da cadeia. Na substituição "para a frente", a obrigação fiscal de alguns (substituídos) é antecipada por outros que os antecedem (substitutos). Na substituição "para trás", o ICMS fica sendo diferido para enfim vier a ser pago pelo último elo.

Os combustíveis foram tradicionalmente alvos preferidos da sistemática, na modalidade "para frente", pois trata-se de um setor com poucas fontes e muitos destinos. Em vez de fiscalizar cada um dos milhares de revendedores, os Estados exigem o recolhimento apenas pelas poucas refinarias e importadoras. Assim, por meio da ST, aquela multidão de postos de combustível pelas esquinas de todo o país deixou de precisar ativamente preencher e recolher guias de ICMS sobre suas vendas diárias. No lugar disso, a fonte do produto passou a atuar como substituta e antecipar o tributo que seria em algum momento devido por aqueles.

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Mas o desafio lógico dessa antecipação é que ela mira transações futuras e incertas. Afinal, qual preço (base de cálculo) deve ser utilizado para a ST num mercado livre e não

tabelado, se a venda em concreto pode demorar dias, semanas ou até meses para ocorrer a partir do recolhimento? A solução foi aplicar tabelas de valor presumido (pautas) ou margens presumidas de lucro (MVA) estabelecidas pelos Estados.

Só que o fisco precisa constantemente atualizar tais bases presumidas para que estas não fiquem defasadas em relação ao que se verifica no mercado, o que significaria perda de arrecadação. Resultado: constantes alterações no preço (normalmente, aumentos quinzenais). Para piorar, em 2016 o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que, se o preço efetivo da transação vier a se mostrar diferente daquele usado na antecipação, caberia um ressarcimento ou cobrança adicional do ICMS, algo que até então não ocorria com base numa decisão (pasmem) do mesmo STF. Resultado: mais pressão para que os Estados frequentemente alterem o ICMS dos combustíveis, para evitarem terem de realizar cobranças adicionais (ou arrecadar e logo terem de conceder ressarcimentos).

E como o PLP 16 altera o sistema? Simples e elegantemente substituindo o regime ST pelo chamado monofásico. Na prática, o ICMS de toda a cadeia continuaria a ser recolhido por importadoras e refinarias, mas agora não haveria mais ajustes se o preço concreto for diferente da base do imposto. Por fim, qualquer aumento pretendido pelos Estados só poderia entrar em vigência depois de 90 dias.

O objetivo de conferir maior estabilidade ao preço de combustíveis é alcançado, com o grande trunfo de imprimir eficiência ao sistema sem grandes solavancos com a rotina atual, que fica mais leve. Mais um exemplo de que o cúmulo da sofisticação é a simplicidade.

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Para melhorar: o projeto pega carona numa experiência bem sucedida. Outros tributos, como o PIS/COFINS, já são monofásicos em alguns setores há anos, sendo notável a eficiência em comparação à agora retrógrada ST. Na verdade, desde 2001 há autorização no artigo 155, parágrafo 2º, XII, h, da Constituição Federal para lei complementar "definir os combustíveis e lubrificantes sobre os quais o imposto incidirá uma única vez (...)". Só faltava uma pressão popular para ela nascer, ao que parece.

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Em resumo, os benefícios almejados pelo governo ao apresentar o PLP 16 são coerentes e factíveis. Existe uma sensível melhora em relação ao sistema atual, em que o custo de um frete costuma ser impactado inclusive no decorrer de uma viagem rodoviária. Cria-se maior previsibilidade de custos e menos instabilidade nos preços na bomba. Não apenas os caminhoneiros escapam de surpresas geradas pelo ICMS, mas igualmente as cadeias de distribuição - virtualmente todas, pois ainda dependentes de combustíveis fósseis, seja qual for o modal. Torçamos para que o Congresso reconheça tais ganhos e aprove o PLP 16.

*Matheus Bueno de Oliveira é advogado em São Paulo, graduado pela USP e possui LL.M. pela Georgetown University

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