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Projeto de reajustes de locação precisa ser revisto

Por Gustavo Henrique Caputo Bastos e Gustavo Penna Marinho
Atualização:
Gustavo Henrique Caputo Bastos e Gustavo Penna Marinho. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

A Câmara dos Deputados aprovou no início de abril o regime de urgência do Projeto de Lei nº 1026/2021. Cheio de boas intenções em tempos de pandemia, a proposta pretende modificar a Lei de Locações e impor que o índice de reajuste previsto nos contratos de locação residencial e comercial não poderá ser superior ao índice oficial de inflação do País medido pelo IPCA (Índice de Preço ao Consumidor Amplo), ou outro que venha substituí-lo em caso de sua extinção.

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Com o declarado objetivo de afastar a livre negociação e proteger o locatário, lembra as tentativas de socializar os custos e de tabelar a inflação. Mas, como disse Karl Marx, "o caminho do inferno está pavimentado de boas intenções".

O autor do projeto, demonstrando desconhecimento com o tema, justifica que "o índice que vem sendo utilizado nos contratos geralmente é o IGPM, índice que só em 2020 foi de 25%, enquanto o índice oficial de inflação no Brasil girou em torno de 5%. Isso porque o IGPM é um índice que é sensível ao valor de variáveis que se sobrevalorizaram em 2020, como dólar e comodities, mais voltado para o setor atacadista".

O IPCA busca medir a inflação de um conjunto de serviços e produtos no varejo, referentes ao consumo pessoal das famílias, cujo rendimento varia entre 1 e 40 salários mínimos mensais. Não há qualquer pesquisa relacionada a produtos ou serviços do setor imobiliário. Embora possa parecer razoável tabelar o reajuste de aluguéis de acordo com o índice oficial, é certo que existem variáveis que influenciam diretamente no mercado imobiliário, podendo causar impacto no setor produtivo e, em última análise, prejudicar o próprio consumidor.

Nem sempre o locador é um megaespeculador imobiliário, insensível às dores da economia e que tem como propósito de vida exercer o pecado capital da ganância. Muitos aposentados aplicaram recursos de uma vida inteira na aquisição de imóveis para complementar a renda por meio do aluguel e pequenos investidores também participam de fundos imobiliários.

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Cumpre lembrar que, para alugar, é certo que alguém precisa construir. Além disso, é necessário manter a atratividade do imóvel por meio de constante preservação do seu estado de conservação e da importante modernização. Levantamentos amplamente divulgados na imprensa apontam, contudo, que o preço dos materiais de construção subiu até 80% no ano de 2020. Portanto, impor a aplicação de índice que não representa todos os custos inerentes, causa desincentivo ao setor da construção civil.

Nos imóveis comerciais, o impacto é pior. Os shoppings centers, por exemplo, historicamente necessitam de adequação permanente, com vultosos investimentos em novidades, expansão, adequação e modernização de áreas internas, além de constantes reformas para atrair novas lojas e novos consumidores. Como manter a atratividade do empreendimento com a utilização de índice que não permite a recomposição dos custos do setor?

Pretender forçar a aplicação de índice tabelado pode trazer um benefício no curto prazo com o impedimento de reajustes, mas só trará desincentivo para as negociações e reforçará o rompimento dos contratos por meio de despejos por denúncia vazia assim que ocorrer o fim da vigência determinada no contrato.

Ao interferir indiscriminadamente em contratos de locação não residencial, o projeto de lei também traz insegurança nos contratos de built-to-suit. Por meio dele, investidores são incentivados a disponibilizar recursos para construção, ampliação ou reforma de imóveis especiais para que empresas os utilizem de acordo com as suas especificidades.

Nestes casos, prevalecerão as condições livremente pactuadas, os riscos e a rentabilidade definidos na formação do contrato e que interessam à natureza do negócio ou a superveniência da lei autorizará o ajuizamento de ações judiciais intermináveis para revisão dos contratos?

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Tabelar preços, impedir aumentos, criar índices artificiais ou limitar a liberdade de negociação não é o caminho. No livro Forty Century of Wage And Price Controls (Quarenta Séculos de Controles de Preços e Salários), os autores demonstram que isso nunca deu certo na história mundial. O Brasil, contudo, não aprende com os erros. Todas as desastradas tentativas deixaram um legado de ações judiciais, prejuízos e passivos impagáveis. A exemplo, o Plano Cruzado - com a trágica "Tabela da SUNAB", passagens aéreas tabeladas com a falência de empresas do setor, tentativa de tabelamento de juros bancários por meio de dispositivo constitucional, para citar apenas alguns.

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O legislador brasileiro precisa definir se prevalecerão as garantias de livre mercado, com incentivo para novos investimentos, segurança jurídica e retomada da economia com geração de empregos e riqueza. Ou se prevalecerá a intervenção estatal no domínio econômico, que não deveria ter deixado saudades em razão do trauma das frustradas tentativas das décadas de 80 e 90.

O risco estatal para impedir a livre negociação com o objetivo de proteger determinado grupo social opera justamente no sentido inverso, pois onera toda a cadeia de fornecimento e resulta em significativo prejuízo para toda a coletividade, que inevitavelmente suportará o repasse dos custos de transação por meio da escassez da oferta ou por meio do repasse em outros produtos e serviços não regulados.

O Brasil precisa avançar, cabendo ao Congresso Nacional dar o arcabouço jurídico que permita a geração de emprego e renda em todos os setores da economia, fortalecendo a segurança jurídica, respeitando os contratos, trazendo previsibilidade e, como consequência, atraindo novos investidores. Aliás, como revela a recente Lei da Liberdade Econômica - Lei nº 13.874/19. É necessário deixar o intervencionismo apenas nos livros de história.

*Gustavo Henrique Caputo Bastos e Gustavo Penna Marinho, advogados e sócios do Caputo, Bastos e Serra Advogados (CBS)

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