O Ministério Público Federal no Espírito Santo ajuizou, nesta quinta-feira, 28, uma ação civil pública contra a União com pedido de tutela de urgência para impedir que as forças armadas do Estado realizem manifestações oficiais em comemoração ao golpe militar de 1964.
A ação foi distribuída para a 4.ª Vara Federal, em Vitória.
A tutela de urgência foi pedida devido à proximidade da data que marca os 55 anos da queda do governo João Goulart, mergulhando o país em um longo período de exceção que durou 21 anos, até 1985.
No início da semana, o presidente Jair Bolsonaro orientou os quartéis a comemorarem a 'data histórica' do aniversário do 31 de março de 1964.
O porta-voz da Presidência, Otávio do Rêgo Barros, confirmou a determinação do presidente ao Ministério da Defesa e as ordens foram repassadas às unidades militares.
Nesta quinta, 28, Bolsonaro afirmou que não pediu para que os quarteis 'comemorassem' a data, e sim que 'rememorassem'.
Nesta semana, quatro ações populares pediram à Justiça que barrasse as comemorações do próximo 31.
Na ação civil pública a Procuradoria sustenta que a mensagem presidencial é uma apologia ao 'regime de exceção instaurado à época', 'merecendo repúdio social e político, como também repressão e sanção na esfera judicial'.
Documento
AÇÃO CIVIL PÚBLICA
Segundo o documento, o 38.º Batalhão de Infantaria do Exército confirmou uma programação especial domingo, com formatura e palestra.
Para a Procuradoria, a realização dos eventos 'configurará danos incalculáveis, sob o viés histórico, e irreparáveis; não só às vítimas dos ilícitos cometidos pelos agentes do Estado durante o período ditatorial, mas a toda sociedade brasileira'.
A ação destaca o caráter oficial dos eventos marcados para o fim de semana. "Portanto, não podem estar divorciados dos valores constitucionais e dos compromissos assumidos pelo Brasil no plano interno e externo", diz o documento.
A ação pede a concessão de uma liminar que determina aos comandos militares das forças armadas sediadas no Espírito Santo que se abstenham de realizar 'manifestações públicas, em ambiente militar ou fardados, com a finalidade de comemorar/rememorar, homenagear ou fazer apologia ao golpe militar de 1964 no dia alusivo à sua instalação (31 de março), ou em qualquer outra data'.
A Procuradoria pede, ainda, que uma multa de R$ 200 mil seja aplicada às autoridades militares em caso de descumprimento da ação.
A ação
O documento redigido pela Procuradoria Geral do Espirito Santo destaca que o golpe de 64 representou o rompimento 'violento' da ordem constitucional vigente na época.
O texto coloca: 'Não há qualquer dúvida ou revisionismo histórico quanto ao caráter inconstitucional e antidemocrático do referido golpe militar. O mandato presidencial era exercido por um Presidente legitimamente eleito, sendo irrelevantes eventuais alegações ou justificativas quanto a crises ou quaisquer outras narrativas do gênero'.
Para o Ministério Público Federal, a determinação da Presidência da República e a realização de qualquer evento alusivo a 64 violam, frontalmente, a Constituição Federal de 88, 'bem como preceitos de direitos humanos constantes de tratados internacionais'.
O documento menciona a criação da Comissão Nacional da Verdade em 2011, e destaca 'as graves violações de direitos humanos apontadas em seu relatório final'.
A Procuradoria aponta para a decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos, que reconheceu os crimes praticados durante a repressão e impôs ao Estado brasileiro o dever de 'investigar e sancionar as graves violações aos direitos humanos referentes ao período da ditadura militar brasileira'.
A Nota Pública divulgada pela Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão também é mencionada pelo MPF.
O texto destaca que 'hoje a conduta do movimento seria caracterizada como crime inafiançável e imprescritível de atentado contra a ordem constitucional e o Estado Democrático'.