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Procuradoria faz nova denúncia contra major Curió por homicídio qualificado e ocultação de cadáveres no Araguaia

Força-tarefa do Ministério Público Federal acusa ex-oficial do Exército que comandou repressão à guerrilha pelo assassinato, tortura e sumiço dos corpos de Cilon da Cunha Brum ('Simão') e Antônio Teodoro de Castro ('Raul'), em 1974

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Por Redação
Atualização:

 Foto: Dida Sampaio/Estadão

O Ministério Público Federal ofereceu nova denúncia contra o major do Exército Sebastião Curió, que comandou a repressão à Guerrilha do Araguaia, no sudeste do Pará. A ação penal é assinada por oito procuradores da República que integram a força-tarefa Araguaia e foi apresentada à Justiça Federal em Marabá (PA), apontando o assassinato, tortura e ocultação dos corpos de Cilon da Cunha Brum ('Simão') e Antônio Teodoro de Castro ('Raul'). É a terceira acusação formal da Procuradoria contra o oficial.

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A denúncia foi ajuizada nesta segunda-feira, 18 - Processo nº 0000208-86.2019.4.01.3901

Segundo a denúncia, 'Sebastião Curió, no início do ano de 1974, no município de Brejo Grande do Araguaia, no Pará, no exercício ilegal das funções que desempenhava no Exército brasileiro, em contexto de ataque generalizado e sistemático, e com pleno conhecimento das circunstâncias deste ataque, contra opositores do regime ditatorial e população civil, matou, em concurso com outros membros das Forças Armadas ainda não totalmente identificados, Cilon da Cunha Brum e Antônio Teodoro de Castro (...)'

"Em seguida, o denunciado, coordenando ações finalisticamente dirigidas à produção do resultado, com o auxílio de outros militares, ocultou os cadáveres das vítimas, os quais ainda permanecem ocultos, a fim de apagar os vestígios do crime de homicídio e se manter impune", sustenta a Procuradoria.

Curió poderá responder pelos crimes de homicídio doloso qualificado e ocultação dos corpos de Simão' e 'Raul', já que o crime de tortura, diz o MPF na ação, só foi incluído no Código Penal brasileiro em 1997, décadas após os fatos ocorridos na região conhecida como Bico do Papagaio, divisa entre os Estados do Pará, Maranhão e Tocantins.

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O crime de homicídio doloso (com intenção de matar) é considerado qualificado, no caso, 'porque foi praticado por motivo torpe, com o emprego de tortura e sem possibilidade de defesa das vítimas, que tinham sido capturadas e estavam rendidas, sem oferecer qualquer risco'.

A pena máxima prevista é de 30 anos de prisão. Pela ocultação dos cadáveres, as penas alcançam 3 anos para cada vítima.

O motivo torpe dos homicídios, de acordo com a denúncia, consistia 'na busca pela preservação do poder, mediante violência e uso do aparato estatal, em contexto de ataque generalizado e sistemático contra opositores do Estado ditatorial, para reprimir e eliminar dissidentes contrários ao regime e garantir a impunidade dos autores de crimes de homicídio, sequestro, ocultação de cadáver e outras graves violações de direitos humanos'.

Justiça de transição - É a terceira vez que Curió é denunciado por crimes durante a ditadura militar. Em relação à Guerrilha do Araguaia, esta é a quinta denúncia ajuizada pelo Ministério Público Federal.

No total, as cinco denúncias citam o desaparecimento forçado de doze vítimas. Ao todo, no Brasil, 59 agentes de Estado ou pessoas a serviço da União foram apontados como autores de graves violações de direitos humanos cometidas contra 52 pessoas.

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As informações sobre a atuação do MPF nesses casos foram reunidas em um site lançado no último mês de fevereiro: http://www.justicadetransicao.mpf.mp.br.

O primeiro processo contra Curió trata do sequestro de militantes do PC do B no Araguaia e foi recebido pela Justiça em 2012, o que fez com que o militar fosse o primeiro réu do país por crimes da ditadura militar.

O caso tramitava em Marabá mas foi trancado por um habeas corpus concedido pelo Tribunal Regional Federal da 1.ª Região (TRF-1) a pedido de Curió.

O Ministério Público Federal recorreu ao Superior Tribunal de Justiça para anular o trancamento e o recurso aguarda julgamento (Processo no. 0068063-92.2012.4.01.0000).

A segunda denúncia contra Sebastião Curió foi ajuizada em 2015 e trata de homicídios e ocultação de cadáveres de três militantes comunistas no Araguaia.

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Nesse caso, o juiz de 1.ª instância em Marabá, Marcelo Honorato, recusou o recebimento da ação penal, por considerar os efeitos da Lei de Anistia, que impediria a Justiça de julgar crimes cometidos durante a ditadura militar.

O MPF recorreu da decisão e o caso aguarda apreciação pelo TRF-1 desde então. (Processo 0000342-55.2015.4.01.3901)

Crimes imprescritíveis, permanentes e insusceptíveis de autoanistia - Segundo a Procuradoria, a discussão jurídica sobre a responsabilização por atos criminosos cometidos no regime ditatorial, desde o ano de 2012, quando foi ajuizada a primeira ação penal acusando Curió por crimes durante o regime militar, se baseia no direito internacional e na decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) no caso Gomes Lund vs Brasil.

Os procuradores destacam que, de acordo com as leis internacionais, delitos como sequestro, homicídio e ocultação de cadáver não são alcançados pela prescrição ou anistia, porque representam atos de lesa-humanidade e/ou por se enquadrarem como crimes permanentes.

Para o MPF, os crimes de Curió 'foram comprovadamente cometidos no contexto de um ataque sistemático e generalizado contra a população civil brasileira, promovido com o objetivo de assegurar a manutenção do poder usurpado em 1964, por meio da violência', o que, para o direito penal internacional, já constituíam crimes de lesa-humanidade na época dos fatos, 'motivo pelo qual não estão protegidos por regras domésticas de anistia e prescrição'.

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