O Ministério Público Federal (MPF) encaminhou nota técnica ao Senado sugerindo, entre outros pontos, a supressão do artigo do projeto de lei das 'fake news' que prevê o uso documentos de identidade, como RG ou passaporte, para a criação de contas em redes sociais. De acordo com a Procuradoria, a medida abre brechas para a coleta de dados pessoais e não encontra amparo em legislações internacionais.
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A NOTA TÉCNICA DO MPF"Embora exija que a empresa provedora demande e receba documentos, o dispositivo proposto não contém nenhuma obrigação de guarda e sigilo quanto a esses dados, e nem de proibição de seu uso, ou punição para casos de abuso", apontou o MPF. "A concessão indiscriminada às empresas do direito, e mesmo do dever, de acessar mais dados dos usuários, dados estes que não são essenciais para o exercício das funções às quais elas se destinam, sem exigir nenhuma contrapartida de segurança e confidencialidade, contraria o anseio da sociedade para maior preservação dos dados pessoais".
A nota foi redigida pelo suprocurador-geral Carlos Frederico Santos e enviada ao Senado após o projeto ser pautado para votação nesta quinta, 25. O texto elaborado pelo senador Angelo Coronel (PSD-BA), presidente da CPI das Fake News e relator do projeto, tem sido criticado por apresentar propostas que podem cercear a liberdade de expressão e a defesa de usuários na internet.
Santos alegou que o artigo que exige a apresentação de documentos é facilmente burlável, visto que tal obrigação não impedirá um usuário brasileiro de criar uma conta no exterior, onde a lei não terá vigência. Mais que isso, a medida limitará a atuação de pequenas e médias empresas de tecnologia que não terão recursos para se adaptar à mudança. O MPF também foi contra a exigência de criação de base de dados no Brasil, pois a proposta dificultaria a entrada de novas empresas.
"O efeito prático será aumentar a concentração (de empresas) atualmente existente, o que implicará em evidente prejuízo aos usuários e consumidores", apontou.
Censura. Outro dispositivo da lei considerado inconstitucional é a proibição de veiculação de campanhas que ridicularizem candidatos durante as eleições. Segundo o Ministério Público Federal, da forma como está redigido, o trecho pode cercear a liberdade de expressão e atacar o trabalho de humoristas.
"No Estado Democrático de Direito e, especialmente, na seara eleitoral, a liberdade de expressão é corolário fundamental para a manutenção da democracia. E no processo eleitoral, as críticas com deboche, sarcasmos ou em tom jocoso, fazem parte do jogo eleitoral e a verdade é um valor de certa forma relativizado", apontou o subprocurador.
O texto relatado por Coronel tem sido criticado por entidades de defesa da liberdade de expressão e da imprensa. Em nota, 46 organizações não-governamentais pediram o adiamento da votação e ampliação dos debates.
"A última versão do texto não é capaz de cumprir com o suposto objetivo de combater a desinformação, ao estimular a concentração no âmbito digital - por meio de imposição de obrigações desproporcionais às empresas provedoras de serviços de Internet - e a autocensura, por meio da excessiva vigilância e da ampla criminalização de discursos", afirmam as entidades.
Segundo as organizações, o Brasil pode criar um 'precedente preocupante' para os demais países que discutem regulações para restringir a desinformação. A nota foi assinada por entidades como a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo, Open Knowlegde Brasil, Electronic Frontier Foundation e Repórteres Sem Fronteiras.