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Procuradoria diz ao Congresso que reformas de Paulo Guedes aumentam 'grave desigualdade'

Em nota técnica para subsidiar debate entre deputados federais, procuradora federal dos Direitos do Cidadão, Déborah Duprat, alerta para inconstitucionalidade de pacote de medidas do ministro da Economia

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Por Patrik Camporez/BRASÍLIA e Luiz Vassallo/SÃO PAULO
Atualização:

Ministro Paulo Guedes. Foto: ADRIANO MACHADO/REUTERS

Em nota técnica, a a procuradora federal dos Direitos do Cidadão, Déborah Duprat, afirmou que o Plano Mais Brasil, pacote de reformas do ministro da Economia, Paulo Guedes, é inconstitucional e deve aumentar o 'grave quadro de desigualdades existentes no país'. O documento foi encaminhado ao Congresso Nacional, para subsidiar o debate dos parlamentares, que serão responsáveis pela votação das medidas do Planalto.

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O Mais Brasil é um ambicioso pacote de reformas do ministro para tentar resolver os problemas estruturais das contas públicas e abrir caminho para um crescimento mais forte da economia. O plano muda a lógica do gasto público, com a descentralização de recursos para Estados e municípios, desobrigação de gastos e medidas de ajuste focadas no servidor público.

Em novembro de 2019, o pacotão de medidas do governo foi entregue ao Senado pelo próprio presidente Jair Bolsonaro, ao lado de Guedes. São três propostas de Emenda à Constituição (PECs) que procuram promover uma completa "transformação" do modo de o Estado operar os seus gastos. Para aprovar as medidas, são necessários 308 votos, na Câmara, e 49 votos, no Senado, em dois turnos.

Sobre o Mais Brasil, a Procuradoria elaborou um estudo sobre aspectos centrais de cada uma das propostas, elencando aspectos jurídicos, dados e estudos acerca dos impactos sociais dessas medidas.

Para Duprat, há possibilidade de  'deterioração na administração pública e na oferta de políticas e serviços na área, caso as propostas da PEC 186 venham a ser aprovadas'. "A proposição traz uma série deliberações que vão desde a proibição de criação de novos cargos, realização de novos concursos, progressão e promoção funcionais, reajustes e revisões, até a redução temporária da jornada de trabalho e adequação de subsídios e vencimentos à nova carga horária".

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"Ao abrir a possibilidade de redução da jornada de trabalho em 25%, por exemplo, o que o governo encaminha é a tentativa de 'naturalização' da piora na oferta dos serviços públicos para a maioria da população". O órgão do Ministério Público Federal aponta ainda que, desde a Emenda à Constituição 95, a expansão e manutenção dos serviços públicos no Brasil ficou seriamente prejudicada.

"Basta ver as filas de espera do INSS, do Bolsa Família, a falta de medicamentos no SUS, a precariedade das universidades públicas, o aumento da população de rua sem a contrapartida de políticas assistenciais, dentre muitos outros exemplos que poderiam ser aqui enunciados".

Segundo a Procuradoria, a 'Nota Técnica cita estudos segundo os quais o teto dos gastos públicos brasileiros, em médio prazo, deve reduzir as despesas do Estado em torno de 13% do Produto Interno Bruto (PIB) - o que é nível de países africanos'. "Em número ao número de servidores públicos, segundo dados da OCDE, o Brasil segue a média da América Latina, que é inferior à de países desenvolvidos".

"A cada cem trabalhadores brasileiros, 12 são servidores públicos, enquanto nos países mais desenvolvidos, o percentual costuma ser no mínimo o dobro, sendo a média de 21 servidores para cada 100 trabalhadores. Em nações como Noruega e Dinamarca, mais de 1/3 da população economicamente ativa está empregada no serviço público", ressalta a PFDC.

"Já quanto à PEC 187 - que busca extinguir todos os fundos públicos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, à exceção daqueles previstos em constituições e leis orgânicas de cada ente federativo - a Procuradoria alerta para o fato de que a extinção de tais fundos passaria a exigir que os programas que hoje são financiados pelos mesmos passassem a ser viabilizados por outros instrumentos disponíveis dentro dos órgãos públicos", diz a PFDC.

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"Na ausência de tais instrumentos, os programas correm o sério risco de serem extintos junto com seus veículos de financiamento".

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A Nota Técnica da PFDC lista mais de 20 fundos que poderiam ser extintos caso a PEC 187 seja aprovada. "Entre eles, o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), o Fundo de Terras e Reforma Agrária, o Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior (Fies) e também o Fundo Nacional de Segurança Pública - criado em 2001 com o objetivo de apoiar projetos de responsabilidade dos governos estaduais na área de segurança".

Para a Procuradoria, 'dentre as três proposições que compõem o chamado Plano Mais Brasil, a PEC 188 é, seguramente, a que gera o maior impacto em direitos sociais, com a inclusão de um parágrafo ao art. 6º da Constituição para estabelecer direito ao equilíbrio fiscal intergeracional na promoção dos direitos sociais, além do fim da vinculação financeira dos recursos da saúde e da educação de forma independente'. "Na prática, a medida permitirá que recursos da duas áreas tenham as vinculações compartilhadas entre si, ao invés de o legislador buscar outras fontes para suprir as necessidades desses direitos".

"Aliás, a educação tem camadas sobrepostas de prejuízo na PEC 188: (i) a desoneração da União em relação ao seu dever de cofinanciamento da educação, já que os recursos das contribuição do salário-educação para os programas de material didático, escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde, até então com execução a cargo do FNDE, passam a ser transferidos diretamente para os estados, municípios e Distrito Federal; (ii) os entes federados ficam desobrigados de expandir a rede pública de educação, podendo pagar bolsas de estudo para toda a educação básica em escolas cadastradas", afirma.

A Nota Técnica da PFDC lembra ainda que 'a PEC 188 revoga os artigos 46 a 60 da Lei 12.351/2010, que definiu o Fundo Social do Pré-Sal e a destinação de 75% para a educação básica e 25% para a saúde de parte dos recursos financeiros pela exploração do petróleo e gás natural'. "Convém recordar que o financiamento da saúde e da educação já vem sofrendo os efeitos da EC 95 e tende a decrescer nos próximos 20 anos", destaca a Procuradoria.

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Para a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, 'o que o Plano Mais Brasil revela, de forma bastante explícita, é a opção por avançar no subfinanciamento de direitos sociais de modo a gerar superávit que permita a sustentabilidade do serviço da dívida pública, contrariando o próprio espírito de proteção social da Constituição'.

"A Constituição de 1988 é espaço normativo de conquista de múltiplas lutas emancipatórias, que traduzem políticas públicas tendentes a superar a desigualdade histórica no Brasil. Ela se insere no modelo do constitucionalismo social, no qual não basta, para observância da igualdade, que o Estado se abstenha de instituir privilégios ou discriminações arbitrárias. Pelo contrário, parte-se da premissa de que a igualdade é um objetivo a ser perseguido através de ações ou políticas públicas, que, portanto, ela demanda iniciativas concretas em proveito dos grupos desfavorecidos".

COM A PALAVRA, MINISTÉRIO DA ECONOMIA

Plano Mais Brasil assegura os direitos das próximas gerações e combate precariedade dos serviços públicos

Ministério da Economia defende importância das PECs enviadas ao Congresso

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Com relação à matéria publicada ontem (20/01) no site do Estadão "Procuradoria diz ao Congresso que reformas de Paulo Guedes aumentam 'grave desigualdade'", o Ministério da Economia esclarece que no conjunto de propostas do Plano Mais Brasil - enviado ao Congresso Nacional em novembro de 2019 - todos os direitos sociais estão preservados.

As medidas apresentadas pela Economia, ao contrário de restringir direitos, pretendem assegurá-los a esta e às próximas gerações, propondo soluções estruturais - e, em alguns casos, emergenciais - que ataquem as causas da ineficiência do aparelho estatal, combatendo a precariedade dos serviços públicos nos três entes da Federação.

Os exemplos citados na matéria ("precariedade das universidades públicas, aumento da população de rua sem a contrapartida de políticas assistenciais, extinção de programas e falta de medicamentos"), ainda que careçam da fonte dos dados, reforçam a necessidade de transformação do Estado proposta pelo Ministério da Economia.

Por outro lado, ao tratar os problemas como frutos das medidas de controle e não como decorrência do desequilíbrio fiscal, o texto confunde as causas com os mecanismos de solução.

Fechar os olhos para a realidade dos entes governamentais que não estão se ajustando apenas agrava as dificuldades para a implementação das soluções que o país precisa.

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A análise da situação orçamentária, incluindo União, Estados e Municípios, aponta que a leniência com o desequilíbrio das contas, além de ter sido causa dos principais problemas, tende a ampliá-los exponencialmente. Os investimentos públicos (em obras de infraestrutura, por exemplo) e os gastos com custeio (por exemplo, em manutenção de espaços como escolas e hospitais) vêm reduzindo ano após ano, tendendo a zerar, pelo descontrole das despesas obrigatórias.

Já os gastos obrigatórios com salários e benefícios previdenciários aumentam em grandes proporções, ano após ano, impossibilitando ao gestor fazer investimentos e/ou ampliar custeios.

Em outras palavras, a desigualdade social no Brasil aumenta conforme a crise fiscal se amplia. Estudo publicado, em 2019, pelo Ministério da Economia mostra que os Estados que controlam as despesas obrigatórias têm melhor resultado econômico e social. Os entes que fizeram a "lição de casa" nas últimas décadas têm hoje capacidade de investimento e indicadores sociais superiores aos que deixaram o controle de lado (http://www.economia.gov.br/noticias/2019/06/estados-que-controlam-despesa-tem-melhor-resultado-economico-e-social).

As três Propostas de Emenda Constitucional (PECs) do Plano Mais Brasil vão exatamente na direção de aperfeiçoar o controle das despesas em todos os entes da Federação, oferecendo aos gestores a possibilidade de reequilibrar suas contas, alocando os recursos públicos em áreas prioritárias.

Ao contrário do que foi apontado na matéria, as discussões levantadas pelas PECs não estão focadas no número de servidores públicos do país, mas na necessidade de alocar os recursos escassos nas despesas fundamentais. O foco está na flexibilidade orçamentária, no zelo e responsabilidade que todos devem ter com o dinheiro entregue pela população por meio dos impostos.

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O objetivo principal das PECs é ampliar a margem de ação dos gestores diante de um orçamento completamente engessado para pagamento de salários e previdência. É abrir espaço para que esse engessamento não recaia, justamente, sobre os investimentos públicos ou sobre o custeio para saúde e educação.

O Ministério da Economia entende que gastos com servidores, por si só, não implicam em qualidade dos serviços públicos nem no atendimento das demandas sociais). Estudo recente do Banco Mundial indicou que apesar de o número de servidores públicos no Brasil não ser extraordinariamente alto, a massa salarial brasileira como percentual do PIB excede a média de países de todos os grupos de renda.

Com relação aos fundos públicos, também citados na matéria, a Economia ressalta que a existência de aproximadamente 280 fundos - a grande maioria com recursos empoçados, paralisados ou mal alocados - não garantiram a execução dos programas. Mesmo no caso de fundos que a legislação assegura sua execução e impede o contingenciamento dos seus recursos, as evidências mostram que a política em si não ganhou eficiência.

As PECs do Plano Mais Brasil partem do princípio de que negar a má alocação de recursos é condenar a sociedade às diversas consequências das crises econômicas que o país já atravessou e ainda atravessa. Estados e municípios têm mostrado forte compreensão desses pontos, cobrando medidas estruturais que impactem positivamente na flexibilização orçamentária. O debate está aberto, é bem-vindo e necessário.

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