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Procuradoria denuncia Lula, sobrinho e Odebrecht por esquema de R$ 30 mi em Angola

Ex-presidente é acusado por organização criminosa, corrupção passiva, lavagem de dinheiro e tráfico de influência; além do petista, de seu sobrinho Taiguara Rodrigues e do empreiteiro Marcelo Odebrecht, mais oito investigados também são acusados; Ministério Público Federal aponta que Lula atuou para liberar verba do BNDES em obra no país africano

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Por Julia Affonso , Fausto Macedo , Ricardo Brandt e Fabio Fabrini
Atualização:

Lula. Foto: Fernando Donasci/Reuters

O Ministério Público Federaldenunciou o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o empresário Marcelo Odebrecht pelos crimes de corrupção ativa e passiva, lavagem de dinheiro, tráfico de influência e organização criminosa. A acusação contra 11 investigados foi enviada à Justiça Federal nesta segunda-feira, 10.

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Segundo a Procuradoria da República no Distrito Federal, 'as práticas criminosas ocorreram entre, pelo menos, 2008 e 2015 e envolveram a atuação de Lula junto ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e outros órgãos sediados em Brasília com o propósito de garantir a liberação de financiamentos pelo banco público para a realização de obras de engenharia em Angola'.

A DENÚNCIA CONTRA LULA, SOBRINHO E MARCELO ODEBRECHT

A acusação aponta que os trabalhos foram executados pela Construtora Odebrecht que, em retribuição ao fato de ter sido contratada pelo governo angolano com base em financiamento para exportação de serviços concedida pelo BNDES, 'repassou aos envolvidos, de forma dissimulada, valores que, atualizados, passam de R$ 30 milhões'.

Taiguara é filho de Jacinto Ribeiro dos Santos, o Lambari, amigo de Lula na juventude e irmão da primeira mulher do ex-presidente, já falecida. Morador de Santos, no litoral paulista, ele atuava no ramo de fechamento de varandas e viajou para Angola para começar seus negócios naquele país em 2007.

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No caso de Lula, a denúncia separa a atuação em duas fases. A primeira, entre 2008 e 2010, quando o petista ainda ocupava a presidência da República e, na condição de agente público, praticou corrupção passiva. E a segunda, entre 2011 e 2015, como ex-mandatário, momento em que, segundo a Procuradoria, cometeu tráfico de influência em benefício dos investigados.

O Ministério Público Federal afirma que o ex-presidente deve responder por lavagem de dinheiro, crime que, na avaliação dos investigadores, foi praticado 44 vezes e que foi viabilizado por meio de repasses de valores justificados pela subcontratação da empresa Exergia Brasil, criada em 2009 por Taiguara Rodrigues dos Santos, sobrinho de Lula e também denunciado na ação penal.

"Outra constatação é a de que parte dos pagamentos indevidos se concretizou por meio de palestras supostamente ministradas pelo ex-presidente a convite da construtora", informa nota divulgada pela Procuradoria no Distrito Federal.

A denúncia aponta que a contratação foi feita por meio da empresa LILS Palestras, criada por Lula em 2011, menos de dois meses depois de deixar a presidência. Na ação, os procuradores da República Francisco Guilherme Bastos, Ivan Cláudio Marx e Luciana Loureiro Oliveira - que integram o grupo de trabalho responsável pelas investigações - afirmam que as palestras foram o foco inicial da apuração.

 Foto: Estadão

"Apesar de formalmente justificados os recursos recebidos a título de palestras proferidas no exterior, a suspeita, derivada inicialmente das notícias jornalísticas, era de que tais contratações e pagamentos, em verdade, prestavam-se tão somente a ocultar a real motivação da transferência de recursos da Odebrecht para o ex-presidente Lula", destaca um dos trechos do documento.

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Além do ex-presidente, de Marcelo Odebrecht e de Taiguara integram a lista de denunciados José Emmanuel Camano Ramos, Pedro Henrique de Paula Schettino, Maurício Bastianelli, Javier Chuman Rojas, Marcus Fábio Souza Azevedo, Eduardo Alexandre de Athayde Badin, Gustavo Teixeira Belitardo e José Madureira Correia.

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Na ação, os procuradores explicam que a apresentação da ação penal não significa o fim das investigações. A apuração continua - tanto no caso dos empreendimentos feitos em Angola e da participação da empresa Exergia Portugal na organização criminosa - como em relação a outros empréstimos liberados pelo BNDES no âmbito do financiamento para exportação de serviços. O programa beneficiou vários países da África e da América Latina e, além da Odebrecht, teve obras executadas por outras construtoras. Ao todo, outros cinco procedimentos investigatórios estão em andamento na Divisão de Combate à Corrupção (DCC) na unidade do Ministério Público Federal no Distrito Federal.

As investigações começaram em julho de 2015, quando o Ministério Público Federal instaurou um Procedimento Investigatório Criminal (PIC) para apurar suposta destinação de vantagens econômicas por parte da Odebrecht ao ex-presidente Lula, como contraprestação ao fato de ele ter viabilizado vários empréstimos externos. Em um primeiro momento, a apuração se concentrou no período de 2011 a 2015, com Lula já na condição de ex-mandatário do país. No entanto, posteriormente, o período foi ampliado, alcançando o ano de 2008. Outra providência adotada pelos investigadores foi a solicitação de abertura de inquérito policial, o que aconteceu em dezembro de 2015.

Por uma questão estratégica, as investigações policiais se concentraram em desvendar a forma como se deu a liberação e as circunstâncias dos empréstimos que viabilizaram a realização de obras pela Odebrecht em Angola. É que, na comparação entre 10 países beneficiados por financiamentos do BNDES, Angola foi o que celebrou o maior número de contratos no período, recebeu o maior volume de dinheiro, teve o menor percentual de juros e onde foi verificado um dos menores prazos médios de concessão dos empréstimos.

Uma vez instaurado, o inquérito policial partiu das informações e de documentos já reunidos pelo Ministério Público Federal no âmbito do PIC, aprofundando, em seguida, as investigações. Também chamaram a atenção dos investigadores algumas evidências levantadas pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do BNDES, como a existência de vinculações comerciais entre a Odebrecht e a empresa Exergia Brasil, de Taiguara Rodrigues dos Santos que, "embora não tivesse qualquer experiência prévia no ramo de engenharia", firmou, de forma repentina, 17 contratos para prestar serviços complexos à Odebrecht, justamente nas obras realizadas em Angola a partir do ano de 2011. Pelos supostos serviços, a empresa de Taiguara recebeu da Odebrecht, entre 2009 e 2015, R$ 20 milhões.

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Na ação, os procuradores destacam que, ainda no início do esquema, foram cooptados empresários e funcionários da Exergia Portugal. Com a promessa de subcontratações, essa empresa concedeu a Taiguara, "de maneira praticamente gratuita", uma filial no Brasil. Além disso, passou a bancá-lo, antes mesmo que fosse contratado no processo de terceirização promovido pela Odebrecht. Nesse período, o "sobrinho" do ex-presidente recebeu, segundo as investigações, R$ 699 mil a título de despesas de viagens internacionais. Posteriormente, o repasse passou a ter o caráter de "pro labore", cujo valor era de US$15 mil mensais, totalizando ao menos US$ 255 mil dólares.

A análise de documentos e de materiais apreendidos na chamada Operação Janus, realizada em maio de 2016 por ordem judicial, além de vários depoimentos, permitiram aos investigadores constatar e comprovar a participação de cada um dos envolvidos no esquema criminoso. No caso do ex-presidente, lembram os procuradores da República que, além de assentir na criação da Exergia Brasil, ele "supervisionou todo o processo de captação de contratos" por Taiguara junto à Odebrecht, seja aconselhando o "sobrinho" sobre os negócios em Angola, seja apresentando-o a empresários e autoridades estrangeiras nas visitas realizadas àquele país ainda em 2010. Apenas nesse ano - último do mandado presidencial de Lula, o BNDES aprovou oito contratos em favor da Odebrecht que, juntos, somaram US$ 350 milhões. As concessões continuaram nos anos seguintes, quando a empresa firmou outros 22 contratos que chegaram a US$ 2 bilhões.

Como prova da existência e do esquema criminoso, o MPF encaminhou à Justiça documentos como e-mails trocados entre os envolvidos, fotos que registraram encontro do ex-presidente com o sobrinho e empresários em Angola, além de registros que confirmam a participação, em 2010, do então presidente em uma reunião da Diretoria de Administração do BNDES, oportunidade em que "por orientação do presidente Lula", ficou decidido que o banco público elaboraria uma agenda de ações para o período de 2011 a 2014.

"Ao findar o mandato de presidente da República em dezembro de 2010, Lula deixou criadas as bases institucionais, no âmbito do BNDES, para que tivesse continuidade, nos anos seguintes, o esquema de favorecimento, mediante financiamentos internacionais, a empresas 'escolhidas' para exportação de serviços a países da África e América Latina", reitera um dos trechos do documento enviado à Justiça.

Na ação, os procuradores frisam que, pela atuação em favor da construtora, o ex-presidente aceitou, além da remuneração pelas palestras, outras vantagens indiretas que incluíram pagamentos de despesas pessoais de seu irmão José Ferreira da Silva, conhecido como Frei Chico. Como exemplos de contas que foram arcadas pelas empresas Exergia Brasil, a ação menciona mensalidades de plano de saúde e despesas com combustíveis (R$ 10 mil em plano de saúde, ao menos, e, pelo menos, R$ 10 mil em posto de combustível). Outros indícios de que os envolvidos agiram para ocultar a origem dos recursos foi a descoberta de inúmeros saques em espécie realizados pelos funcionários da Exergia Brasil (mais de R$ 1 milhão) e pela T7Quatro (mais de R$ 160 mil), ambas de Taiguara.

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O Ministério Público Federal pede que os envolvidos respondam, na medida da participação de cada um, aos crimes enumerados na ação, com os respectivos agravantes. No caso do ex-presidente, as penas máximas somadas chegam a pelo menos 35 anos de reclusão, além de multa. Já o empresário Marcelo Odebrecht, se condenado, poderá pegar ao menos 30 anos de prisão.

A Procuradoria da República no DF conduz ainda outras cinco investigações sobre os negócios da Odebrecht em Cuba, Equador, Venezuela, Equador, República Dominicana e Panamá, financiados pelo BNDES. Essas apurações poderão resultar em novas denúncias contra Lula por suposto tráfico de influência e recebimento de vantagens.

O envolvimento de autoridades do banco, de outros órgãos responsáveis pela análise de empréstimos e de mais executivos da empreiteira também é alvo de inquérito à parte e, possivelmente, será tratado em futuras peças de acusação.

"Quanto a estes e a demais possíveis coautores ainda não identificados, não se opera o arquivamento implícito, devendo suas condutas ser objeto de novas investigações, que requererão atos de cooperação jurídica internacional e, assim, serão, em tempo oportuno, se for o caso, objeto de novas denúncias", explicou a procuradora Luciana Loureiro em documento enviado à Justiça.

A Procuradoria da República no Distrito Federal não descarta aditar a denúncia contra Lula, caso a delação premiada de executivos da Odebrecht traga novas provas sobre o suposto esquema criminoso. A relação do ex-presidente com a empreiteira também é investigada pela força-tarefa da Lava Jato, em Curitiba, responsável por conduzir as tratativas de colaboração, ao lado da equipe do procurador-geral da República, Rodrigo Janot. Os integrantes da procuradoria em Brasília não têm, contudo, acesso aos depoimentos.

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Os procuradores do DF pedem aos colegas de Curitiba o compartilhamento de provas sobre o caso obtidas pela Lava Jato desde o início do ano passado, mas não foram atendidos, o que, nos bastidores, tem gerado críticas por suposta falta de colaboração.

A denúncia de Lula foi enviada à 10ª Vara da Justiça Federal, em Brasília, e será analisada pelo juiz Vallisney de Souza Oliveira. A procuradoria no DF entende que, caso a delação da Odebrecht compreenda os negócios em Angola, caberá a ele homologar esse trecho da colaboração e avaliar os benefícios negociados.

OS DENUNCIADOS E OS CRIMES

Luiz Inácio Lula da Silva - Organização criminosa, lavagem de dinheiro, tráfico de influência, corrupção passiva

Marcelo Bahia Odebrecht - Organização criminosa, lavagem de dinheiro, corrupção ativa

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Taiguara Rodrigues dos Santos - Organização criminosa, lavagem de dinheiro

José Emmanuel de Deus Camano Ramos - Organização criminosa, lavagem de dinheiro

Pedro Henrique de Paula Pinto Schettino - Lavagem de dinheiro

Maurizio Ponde Bastianelli - Lavagem de dinheiro

Javier Chuman Rojas -- Lavagem de dinheiro

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Marcus Fábio Souza Azevedo - Lavagem de dinheiro

Eduardo Alexandre de Athayde Badin - Lavagem de dinheiro

Gustavo Teixeira Belitardo - Lavagem de dinheiro

José Mário de Madureira Correia - Lavagem de dinheiro

 

COM A PALAVRA, A DEFESA DE TAIGUARA RODRIGUES:

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O criminalista Roberto Podval, que defende o sobrinho de Lula, afirmou que está estudando o caso e vai se manifestar assim que concluir a análise do material.

COM A PALAVRA, A ODEBRECHT:

A empresa informou que não iria se manifestar sobre o caso.

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