Luiz Vassallo e Julia Affonso
11 de julho de 2017 | 15h46
Hospital Geral de Curitiba. Foto: Comunicação Social do Hospital
O Ministério Público Federal no Distrito Federal enviou à Justiça uma ação de improbidade administrativa contra o general da reserva do Exército Francisco José Trindade Távora e a empresa Microview, que comercializa produtos médicos e hospitalares. Segundo a ação, valendo-se do cargo de sub-diretor de Saúde do Exército, ocupado entre 2008 e 2011, o militar ‘favoreceu sistematicamente a empresa Microview em procedimentos licitatórios para a compra de equipamentos para o Hospital-Geral de Curitiba e o Hospital-Geral de Belém’.
As informações foram divulgadas no site da Procuradoria.
A investigação realizada por meio de inquéritos policiais revelou que as aquisições, determinadas pelo general ‘ocorreram de forma fraudulenta, com preços acima dos praticados no mercado e que, ao ignorar as formalidades legais, o processo impediu ampla concorrência’.
De acordo com a Procuradoria, ‘a conduta irregular do general causou prejuízo de mais de R$ 700 mil aos cofres públicos’ – valor ainda pendente de atualização.
Outras duas pessoas ligadas à empresa, Joel de Lima Pinel e Temistocles Tome da Silva Neto, também constam da lista de acusados.
Assinada pelo procurador da República Frederico Paiva, a ação narra como o general Francisco Távora ‘conduziu as aquisições fraudulentas’.
“Conforme apurado em inquérito policial, o militar ordenou aos responsáveis pelos dois hospitais que aderissem à ata de registro de preços de um pregão realizado pelo Hospital dos Servidores do Estado do Rio de Janeiro. A determinação, feita em decorrência da posição hierárquica do militar, foi decisiva para a efetivação da compra os equipamentos fornecidos Microview”, afirma o procurador Frederico Paiva.
No documento enviado à Justiça, o Ministério Público Federal incluiu o trecho de um ofício enviado pelo general aos responsáveis pelos hospitais, em que informa que as unidades receberiam recursos, os quais deveriam ser destinados, obrigatoriamente, à aquisição de equipamentos listados em pregões específicos: mercadorias da empresa mencionada na ação.
No caso do Hospital Geral de Belém, o Ministério Público Federal verificou que a adesão ao pregão não foi precedida de autorização do órgão gestor.
“Além disso, o processo de compra não incluiu a motivação da Administração, quanto à necessidade de aquisição desses equipamentos”, sustenta a Procuradoria. “Também não houve autorização do Hospital dos Servidores do Rio de Janeiro à adesão à ata do pregão e nem há registros de que tenha sido realizada pesquisa de preços quem comprovassem as vantagens da compra. A lista de irregularidades mencionadas na ação inclui ainda a descoberta de superfaturamento nos valores cobrados. Um exemplo foi o videogastroscópio, aparelho usado em exames de endoscopia, que teve de sobrepreço de 61%. Essas e outras irregularidades também se repetiram no processo de compra para a unidade hospitalar do Paraná.”
Para a Procuradoria, ‘outras evidências deixam claro que o general agiu de forma ilegal intencionalmente’.
Entre as provas reunidas pelos investigadores, estão depoimentos de servidores dos hospitais, inclusive militares, sustenta a Procuradoria. Um coronel lotado no hospital de Curitiba informou que uma pessoa da área técnica apresentou uma pesquisa de mercado demonstrando que não era vantajosa a adesão.
A partir dessa informação, a Adminstração da unidade entrou em contato com os superiores hierárquicos solicitando autorização para abrir o próprio pregão. O pedido, no entanto, foi negado. “Os depoimentos dos servidores do Hospital Geral de Curitiba comprovam de maneira cabal que a determinação possuía natureza cogente e obrigatória, uma vez que mesmo com a palavra dos gestores de que a aquisição não era vantajosa, a Diretoria de Saúde do Exército, personificada pelo general Francisco Távora, impôs a contratação, o que causou prejuízo ao Erário”, destaca Frederico Paiva em um trecho da ação.
Em relação ao envolvimento dos gestores da empresa Microview, o Ministério Público Federal considera que ‘Temistocles Neto e Joel Pinel fraudaram a aquisição de bens em prejuízo da Fazenda Pública, elevando arbitrariamente os preços e tornando injustamente mais oneroso o objeto do contrato’.
“Por essa ilicitude, os sócios devem responder judicialmente pelos atos praticados em nome da empresa.”
A posição é diferente quanto aos militares que atuaram nas ‘pontas’ou seja, no Hospital de Curitiba e de Belém para viabilizar a aquisição. O Ministério Público Federal explica que eles não podem ser responsabilizados, uma vez que, como detalhado na ação, apenas obedeceram a uma ordem vinda de um superior e a hierarquia é um dos princípios da relação entre servidores militares.
“Tendo em vista que as ordens proferidas não eram manifestamente ilegais e partiram do mais alto escalão militar, a Diretoria de Saúde do Exército, sediada em Brasília, o Ministério Público não inclui no polo passivo, os responsáveis diretos pelas despesas superfaturadas”, aponta a Procuradoria.
A ação contra o general e os empresários foi a primeira proposta no âmbito do Ministério Público Federal no Distrito Federal, de forma eletrônica, via sistema Processo Judicial Eletrônico (PJE).
A análise dos pedidos que incluem o ressarcimento integral do dano, de forma solidária – R$ 702 mil que ainda deverão ser corrigidos -, multa, perda de função pública e proibição de fazer contratos ou receber benefícios fiscais e de crédito do poder público, caberá ao juiz da 21.ª Vara Cível no DF.
COM A PALAVRA, O EXÉRCITO
Em razão de solicitação da Procuradoria Geral da Justiça Militar, foi instaurada, em abril de 2012, no âmbito do DGP, uma investigação para possíveis irregularidades no âmbito do Departamento-Geral do Pessoal (DGP) – Diretoria de Saúde. Mais adiante, o Centro de Controle Interno do Exército fez Auditoria Especial nos Hospitais-Gerais de Curitiba e de Belém. Diante dos fatos, o DGP determinou a instauração de Inquérito Policial Militar (IPM) para apurar se aconteceram práticas com sobre preço e indícios de favorecimento a alguma empresa.
Especificamente, sobre os fatos objeto da Ação Civil Pública por Ato de Improbidade Administrativa, ajuizada contra o Ex-Diretor de Saúde do Exército – Gen Div Med Francisco José Trindade Távora e contra o Sócio-Administrador da Empresa Microview Comércio e Representação de Produtos Médicos-Hospitalares – Sr Joel de Lima Pinal, cabe salientar que foram também instaurados IPM, no âmbito das Regiões Militares de Belém e de Curitiba, respectivamente, nos anos de 2015 e 2016.
Tais IPM, depois de concluídos nas OM de origem, foram encaminhados às respectivas Auditorias da Justiça Militar da União, sendo que o primeiro deles, por força da apreciação realizada pelo Ministério Público Militar e das ações atribuídas ao referido Oficial-General, foi encaminhado ao Superior Tribunal Militar e segue seu curso normal.
Atualmente, todos esses IPM citados encontram-se em poder do Ministério Público Militar, para apreciação dos fatos e eventual oferecimento de denúncia ou pedido de arquivamento dos autos, sendo que o Comando do Exército, através do Departamento-Geral do Pessoal, tem prestado todas as informações e realizado com a celeridade necessária as perícias e diligências complementares requisitadas pela Justiça Militar da União e ou Ministério Público Militar.
COM A PALAVRA, A MICRO VIEW
A reportagem tentou, sem sucesso, contato pelo e-mail e telefone da empresa. O espaço está aberto para manifestação.
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