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Procurador-geral Militar ataca lista tríplice e pede a Bolsonaro que Ministério Público tenha dois chefes

Jaime de Cássio Miranda, crítico da lista tríplice da ANPR para escolha do procurador-geral da República, levou ao presidente proposta de 'cisão' do cargo em duas cadeiras

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Por Luiz Vassallo , Julia Affonso e Fausto Macedo
Atualização:

Procurador-geral de Justiça Militar, Jaime Miranda. Foto: Ministério Público Militar

O procurador-geral de Justiça Militar, Jaime de Cássio Miranda, levou ao presidente Jair Bolsonaro (PSL) a proposta de 'cisão' do cargo de procurador-geral da República em duas cadeiras. Crítico à lista tríplice da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), Miranda propõe a criação de um cargo para chefiar o Ministério Público da União, que cuidaria de questões orçamentárias e administrativas e seria escolhido em rodízio, por membros dos diferentes ramos do MP.

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A proposta é criticada pelo presidente da ANPR, José Robalinho Cavalcanti, que vê 'equívocos na interpretação da lei' por Miranda e atribui à iniciativa 'mágoa' do procurador-geral Militar com a chefe do Ministéro Público Federal, Raquel Dodge, relacionada a supostas discordâncias sobre o orçamento de 2019.

Cabe ao presidente da República escolher, a cada dois anos, o procurador-geral da República.

Desde 2003, primeiro ano da era Lula, nomes eleitos em lista tríplice da Associação Nacional dos Procuradores da República são entregues ao presidente, que tem indicado o chefe da Instituição, independente da colocação no pleito interno. O primeiro procurador-geral escolhido por Lula foi Claudio Fonteles, que permaneceu no cargo entre 2003 e 2005. Ele foi sucedido por Antonio Fernando de Souza (2005-2009), Roberto Gurgel (2009-2013), Rodrigo Janot (2013-2017) e a atual procuradora-geral, Raquel Dodge. Todos foram conduzidos ao cargo com base na lista tríplice da ANPR.

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Claudio Fonteles. Foto: Celso Junior/AE

O procedimento não é uma tradição na Instituição e nem está previsto na Constituição.

Miranda encaminhou ofício a senadores e a membros do Conselho Nacional do Ministério Público informando sobre 'considerações' que levou a Bolsonaro.

Ele ressalta que o artigo 128 da Constituição prevê que 'o Ministério Público da União é composto pelo Ministério Público Federal, pelo Ministério do Trabalho, pelo Ministério Público Militar e pelo Ministério Público do Distrito Federal e Territórios, e tem por chefe o procurador-geral da República, nomeado pelo presidente da República dentre integrantes da carreira, maiores de trinta e cinco anos, após a aprovação de seu nome pela maioria absoluta dos membros do Senado Federal, para mandato de dois anos, permitida a recondução'.

Antonio Fernando de Souza. Foto: Dida Sampaio/Estadão

"E, pelo que determina a Lei Complementar 75/1993, cada um dos ramos é chefiado por um procurador-geral, figurado como chefe do Ministério Público Federal e órgão de sua estrutura e o procurador-geral da República", destaca.

Segundo Miranda, 'diferentemente dos demais procuradores-gerais, contudo, o procurador-geral da República, além de chefiar o Ministério Público Federal, concentra atribuições que extrapolam os interesses apenas do MPF, as quais dizem respeito à gestão administrativa, financeira e de pessoal de todo o Ministério Público da União e afetam diretamente todos os seus ramos'.

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Roberto Gurgel. Foto: André Dusek/ESTADÃO

"A esse respeito, observa-se que a própria Constituição da República, ao disciplinar o procedimento de escolha do procurador-geral da República, prevê que a nomeação recaia 'dentre integrantes da carreira', após fazer referência ao 'Ministério Público da União', e não ao Ministério Público Federal, o que conduz até mesmo as argumentações no sentido de que qualquer integrante de qualquer dos ramos do MPU poderia ser escolhido procurador-geral da República", afirma.

O procurador-geral de Justiça Militar afirma que 'analisando-se a Lei Complementar 75/1993 (Lei Orgânica do Ministério Público), nota-se igualmente que, além de reproduzir o texto constitucional quanto a essa matéria em seu artigo 25, esse diploma normativo aloca a figura do procurador-geral da República em título apartado do referente aos ramos do MPU e fora, portanto, do capítulo reservado ao Ministério Público Federal'.

Rodrigo Janot. Foto: André Dusek/Estadão

"Na prática, entretanto, a escolha do procurador-geral da República, levada a efeito pelo presidente da República, tem recaído, desde a Constituição de 1988, sobre um dos integrantes do Ministério Público Federal", afirma.

Ele ressalta que da votação para a escolha da lista tríplice 'participam os membros do Ministério Público Federal, ativos e inativos, associados à ANPR'.

"Entretanto, considerando que o procurador-geral da República, conforme descrito, é o chefe do Ministério Público da União e, assim, concentrador de parcela significativa de atribuições administrativas, orçamentárias, e financeiras que dizem respeito diretamente também ao Ministério Público do Trabalho (MPT), ao Ministério Público Militar (MPM) e ao Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT), afigura-se democrático e razoável que todos os membros do Ministério Público da União participem da escolha de seu Chefe, e não apenas os integrantes do MPF", afirma.

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A procuradora-geral da República, Raquel Dodge Foto: DIDA SAMPAIO/ESTADAO

Ele avalia que o 'procedimento deveria observar ao menos a lógica da formação das listas tríplices para a escolha dos chefes dos Ministérios Públicos dos Estados e dos chefes do MPT, do MPM e do MPDFT, das quais participam, respectivamente, 'todos os integrantes da carreira'.

"Atualmente, não há só participação de todos os representados, como a formação da lista tríplice é feita por entidade privada e representativa de interesses não do Ministério Público da União, nem do Ministério Público Federal, mas de interesses apenas de seus membros associados, inclusive na inatividade, com efetivo prejuízo ao ideal de democracia que se pretende ver também observado dentro do Ministério Público", afirma.

Ele considera que 'todos os membros da ativa de todos os ramos do Ministério Público da União deveriam ser chamados a participar do processo de formação da lista tríplice para a nomeação do Chefe do MPU, a fim de amenizar a deficiência na representatividade'.

"Contudo, a solução definitiva para a problemática relativa ao exercício de competências, pelo procurador-geral da República enquanto chefe do Ministério Público Federal, advindo do quadro de membros do MPF e com todas as atribuições finalísticas destacadas constitucionalmente a esse ramo do MPU, e a outra seria o Chefe do Ministério Público da União, dotado de atribuições administrativas, orçamentárias e financeiras, de interesse de todos os ramos, e escolhido entre os integrantes das carreiras do MPF, do MPT, do MPM e do MPDFT, de forma alternada (sistema de 'rodízio')", propõe.

COM A PALAVRA, ROBALINHO

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Presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República, José Robalinho Cavalcanti. FOTO: Leonardo Prado/Câmara dos Deputados  

O presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República, José Robalinho Cavalcanti, afirma ver um 'erro proposital' que o chefe do Ministério Público Militar 'não consegue rebater, e por isso passou por cima dele'.

"A Constituição, quando fala isso, ela diz: olha, será escolhido dentro da carreira, no singular e não no plural. O Ministério Público da União não tem uma carreira, tem quatro. Não fazemos um concurso só. Eu não posso ser procurador militar e o doutor Jaime (Miranda) não pode ser procurador da República. Ele fez concurso para uma coisa e eu para outra. Se não está colocado 'carreiras', no plural, o constituinte se dirige a uma carreira específica. Que carreira pode ser essa? A única carreira que o procurador-geral vai dirigir que é a do Ministério Público Federal."

"A Lei complementar 75, que rege o meu cargo e o ramo do doutor Jaime deixa claríssimo que o PGR é o chefe do MPF e é escolhido pela carreira do MPF", ressalta.

Robalinho destaca que há funções do procurador-geral da República que são inerentes somente à carreira do Ministério Público Federal.

"O PGR é quem nomeia os procuradores chefes do MPF, que preside o Conselho Superior do Ministério Público, que nomeia os coordenadores de Câmara, que decide se o colega vai ou não ser processado, que nomeia todos os servidores do MP e dá posse aos procuradores da República. Tudo isso são cargos e funções que nos outros ministérios públicos todos são exercidos pelos procuradores-gerais de Justiça."

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O presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República argumenta que a função da Procuradoria-Geral da República é a desempenhada somente por membros do Ministério Público Federal.

"Sem querer diminuir os demais colegas dos demais ramos, mas para compreender a lógica da constituição. A nossa lei complementar deixa muito claro que quem atua no Supremo é o MPF e não qualquer um dos outros ramos, inclusive porque o PGR não atua sozinho, ele nomeia os procuradores que atuam com ele. É o MPF, porque as matérias que vão ao STF são matérias amplas, que tratam de todos os tipos de assunto e dos quatro ramos do MPU o único que tem essa atuação ampla e nacional é o MPF", diz.

Para Robalinho, a ofensiva do procurador-geral de Justiça Militar contra a lista tríplice tem como pano de fundo uma desavença com a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, em relação ao orçamento de 2019. Ele explica que, com o fim de não aumentar o orçamento do Ministério Público Federal, o reajuste de 16,38% deveria ser compensado com cortes proporcionais em outros gastos das Procuradorias.

"Eles gostariam de usar um critério que acabava os favorecendo na distribuição orçamentária, a Dra. Raquel discordou, o embate passou pelo CNMP, foi ao STF, eles perderam, e dr Jaime agora, magoado com isso disse: 'não quero que isso se repita'. Por uma matéria meramente orçamentária ele faz essa proposta que na nossa visão não tem cabimento do ponto de vista legislativo e prático".

"A quem interessa enfraquecer a lista do MPF quando faltam seis meses para o fim do mandato de Raquel? Eu acho que não faz bem ao País", pontua Robalinho.

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