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Procurador diz não à criminalização de jornalistas que divulgam grampos da PF

Pedro Barbosa manifestou-se contra indiciamento de dois repórteres da Rede Globo

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Por Fausto Macedo
Atualização:

"A efetiva liberdade de informação jornalística, notadamente num país que já sofreu as agruras de uma ditadura militar, é instrumento fundamental para consolidação da sociedade democrática e pluralista", alertou o procurador regional da República em São Paulo, Pedro Barbosa Pereira Neto, ao se manifestar contra o indiciamento dos jornalistas Maurício Ferraz e Bruno Tavares, da Rede Globo, por causa da divulgação de interceptações telefônicas em uma reportagem sobre escândalo na área da saúde pública.

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O parecer do procurador tem importância extraordinária porque afasta os jornalistas da mira de autoridades que querem atribuir-lhes responsabilidade por violação de escutas telefônicas.

"O crime de quebra de segredo de justiça é próprio, eis que restrito às pessoas que têm acesso legítimo ao procedimento da interceptação", adverte Pedro Barbosa. Em maio de 2013, os dois jornalistas fizeram amplo trabalho de reportagem em Campo Grande (MS). Divulgada pelo programa Fantástico, a reportagem mostrou que o Sistema Único de Saúde (SUS) pagou por suposto tratamento de um menino, um mês depois da morte dele.

Os jornalistas revelaram sessões de quimioterapia em pacientes que já tinham morrido e cobrança por tratamento contra o câncer que nunca foi realizado, além do fechamento do setor de radioterapia de um hospital público para beneficiar clínicas particulares.

Eles divulgaram grampos telefônicos, gravações de diálogos entre investigados. A reportagem mostrou detalhes do levantamento realizado pela Polícia Federal, Procuradoria da República e Controladoria Geral da União, que deflagraram a Operação Sangue Frio.

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Maurício Ferraz e Bruno Tavares, repórteres experientes e respeitados, tornaram-se alvos do inquérito número 0196/2013 que a PF abriu para apurar a suposta violação do artigo 10 da Lei nº 9.296/96, que dispõe sobre escuta telefônica.

Durante as investigações, a PF determinou o indiciamento de Maurício e Tavares. Contra essa medida, que não chegou a ser concretizada, três advogados da Globo - Eduardo Muylaert, Sylas Kok Ribeiro e Alexandre Leão Noal -, impetraram habeas corpus na Justiça Federal em Campo Grande, sustentando que os repórteres "não quebraram o sigilo dos autos do inquérito policial, mas, simplesmente, divulgaram tais informações cumprindo o papel de jornalistas".

Em primeiro grau, a Justiça denegou a ordem, ou seja, não vetou o indiciamento alegando que "embora vigore no Brasil a liberdade de imprensa, não há direitos absolutos na Constituição Federal".

O pedido de habeas corpus seguiu, então, para o Tribunal Regional Federal da 3.ª Região (TRF3), localizado em São Paulo, mas com jurisdição também no Mato Grosso do Sul.

Pedro Barbosa Pereira Neto, procurador regional da República, foi enfático em sua manifestação contra o indiciamento. "A circunstância provada de que os jornalistas estavam à busca da informação e que efetivamente tiveram acesso ao material sigiloso tanto que parte das escutas foram veiculadas na TV Globo não autoriza o entendimento de que foram eles que quebraram o sigilo."

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"À primeira vista o jornalista que apenas divulga o conteúdo de interceptação telefônica sem qualquer prova de que ele mesmo tenha concorrido para a quebra do sigilo não comete o delito em questão", assinala o procurador.

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Para Pedro Barbosa, "o crime de quebra de segredo de justiça é próprio, eis que restrito às pessoas que tem acesso legítimo ao procedimento da interceptação". "Mesmo para aqueles que entendem que se trata de crime comum cogitam da hipótese de qualquer pessoa invadir o ofício judicial ou policial para acessar os dados sigilosos, o que decididamente não é o caso dos autos", argumenta o procurador regional da República.

Pedro Barbosa considera que "não é possível aceitar a visão simplista adotada no inquérito policial 0196/2013 de que, tendo os jornalistas tido acesso e publicado matéria que veiculou informações que faziam parte de um processo sigiloso, cometeram por via de consequência o crime de quebra de sigilo previsto no artigo 10 da Lei 9.296/96".

"Certo, não se ignora uma certa banalização do segredo judicial numa quadra em que interceptações telefônicas são expostas as mais das vezes em horário nobre na televisão brasileira", sustenta o procurador. "Mas é preciso ter presente que não é possível pôr cobro a esse quadro de coisas com a criminalização indiscriminada de jornalistas, o que prejudicaria, em consequência, a própria garantia institucional da democracia representada pela liberdade de imprensa."

Para Pedro Barbosa, "isso sem dúvida afetaria de forma insuportável um valor fundamental do Estado democrático de direito, em caso clássico em que o remédio é pior que a doença".

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"É necessário dizer também que se houve a divulgação de dados sigilosos é porque antes ocorreu a quebra do sigilo por pessoas vinculadas ao sistema de justiça, o que mostra claramente um grave déficit de funcionamento do sistema e que precisa ser resolvido com o emprego de tecnologia que registre e restrinja o acesso de pessoas aos dados sigilosos e, evidentemente, com a efetiva punição daquele (s) que entregou o material objeto da quebra de sigilo aos meios de comunicação", pondera Pedro Barbosa.

Ele destaca que esse não é um tema de natureza doméstica. "Diversas democracias têm enfrentado a mesma temática. A Corte Europeia de Direitos Humanos em 2011 condenou o Estado de Portugal pelo fato de ter responsabilizado criminalmente uma jornalista que divulgou informação protegida pelo segredo de justiça", relata o procurador.

Segundo ele, a Corte Europeia reconheceu que os jornalistas têm de respeitar a reputação das pessoas e evitar a divulgação de informação sigilosa, "mas considerou que qualquer decisão sobre isso deve levar em conta a liberdade de expressão e o interesse da sociedade naquilo que foi divulgado".

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procurador regional da República em São Paulo, Pedro Barbosa Pereira Neto Foto: Estadão
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