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Processo penal militar: relevância da sessão de julgamento no procedimento criminal perante a Justiça Militar

Por Andrew Fernandes Farias
Atualização:
Andrew Fernandes. Foto: Divulgação

No rito ordinário dos processos e julgamentos perante a Justiça Militar, a legislação processual prevê que após a apresentação das alegações escritas será realizada uma sessão de julgamento, momento em que as partes terão a oportunidade de sustentar oralmente as suas razões .

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Assim, a sustentação oral é um direito assegurado pelo Código de Processo Penal Militar, em seu artigo 433. Ressalte- se que no âmbito desse procedimento, muitas vezes, as partes reservam para o ato da sustentação oral o aprofundamento e até mesmo a i nauguração de algumas teses.

Como é cediço, no âmbito da Justiça Militar da União , regra geral, a competência para julgar o caso é do Conselho de Justiça, órgão julgador colegiado formado por um juiz togado e quatro juízes militares.

Ocorre que, a Lei nº 13. 774/ 2018 alterou a Organização da Justiça Militar da União e, dentre outras modificações, criou algumas hipóteses em que a competência para o processo e julgamento do caso será monocrática do juiz togado.

Em razão dessa modificação surge a indagação: nas hipóteses de competência monocrática do juiz togado, pode ser suprimido das partes o direito de sustentarem oralmente suas alegações?

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Primeiramente, sublinhe-se que o artigo 433 do Código de Processo Penal Militar está em vigor e é constitucional (válido ), assim, como deixar de aplica-lo?

Observe-se ainda, que a Lei nº 13.774/2018 não revogou expressamente a sustentação oral e também não trouxe nenhuma norma incompatível com a realização deste ato, consequentemente, também não há que se falar em revogação tácita.

Ressalte-se que o egrégio Superior Tribunal Militar, em julgado digno de todos os louvores, seguindo o voto condutor lavrado com pena de ouro pelo eminente Ministro General de Exército Marco Antônio de Farias, enfrentou a presente controvérsia, e assentou que a ausência de sessão de julgamento e da correspondente apresentação da sustentação oral viola o devido processo legal, litteris:

SUPERIOR TRIBUNAL MILITAR

APELAÇÃO Nº 7000822-13.2019.7.00.0000

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EMENTA

CONTiNUA APÓS PUBLICIDADE

APELAÇÃO. DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO (DPU). VIOLÊNCIA CONTRA MILITAR DE SERVIÇO. LESÃO CORPORAL. PRELIMINAR DE INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA MILITAR DA UNIÃO PARA O JULGAMENTO DE CIVIS EM TEMPO DE PAZ. REJEIÇÃO. DECISÃO UNÂNIME. PRELIMINAR DE VIOLAÇÃO DO DEVIDO PROCESSO LEGAL. NECESSIDADE DE REALIZAÇÃO DE AUDIÊNCIA PARA SUSTENTAÇÃO ORAL DA ACUSAÇÃO E DA DEFESA. ACOLHIMENTO.

A jurisprudência do Superior Tribunal Militar e do Supremo Tribunal Federal, em consonância com o texto da Constituição Federal e da legislação ordinária, é pacífica quanto à possibilidade de julgamento de civis pela Justiça Militar da União. Precedentes. Decisão unânime

A realização de Sessão de Julgamento com a apresentação das Alegações Orais, prevista no art. 433 do Código de Processo Penal Militar (CPPM), destina-se a conceder à Acusação e à Defesa prazo para se manifestar acerca das Alegações Finais escritas, além de abordar outros elementos julgados pertinentes à fundamentação da tese firmada pelas partes, configurando-se na derradeira oportunidade para que possam coligir elementos processuais destinados à formação da convicção do magistrado, o qual julgará, a seguir, o réu.

Por essa razão, a ausência de Sessão de julgamento e da correspondente apresentação das Alegações Orais viola o devido processo legal. Decisão proclamada pelo Ministro Presidente, na forma do art. 67, parágrafo único, I, do RISTM.

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Data da sessão: 03/12/2019

Contudo, é preciso ressaltar que a questão não está pacificada, mesmo no STM. De fato, houve um empate no julgamento do referido caso, sendo aplicado o artigo 69, parágrafo único, I, do Regimento Interno do STM, ou seja, foi proclamada a decisão mais favorável ao r éu.

Com a devida vênia, deve prevalecer o entendimento que sagrou- se vencedor por força do regimento interno. O eminente Ministro General de Exército Marco Antônio de Farias foi muito feliz ao lecionar que a realização da sustentação oral, para além de conceder prazo para que as partes se manifestem sobre as alegações escritas, permite que sejam abordados outros elementos julgados pertinentes à fundamentação da tese, configurando-se na última oportunidade para coligir elementos processuais destinados a formar a convicção do magistrado.

Destarte, o entendimento que prevaleceu no e. STM deve ser cultuado, uma vez que está em sintonia com a racionalidade e a ciência.

Pesquisas de diversos ramos do conhecimento, tais como, história; filologia; antropologia; psicologia; demonstram a relevância da linguagem não verbal ( corporal) e oral na interação e formação do convencimento do outro.

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Watzlawick, psicólogo e expert em comunicação humana, ensina que a comunicação leva a uma mudança de ânimo ; opinião e sentimento, exercendo influência considerável sobre decisões, citando a retórica somática de Quitiliano, no sentido de que, a boa utilização da fala e do corpo aumentam consideravelmente a força do convencimento do agente.

Atualmente, a ciência do comportamento vem estudando cada vez mais essas questões através da cinésica (estudo da linguagem corporal, gestos e expressões faciais), paralinguagem (modificação das características sonoras da voz), etc.

Ademais, Pease relata que cerca de 60 à 80% das mensagens transmitidas em mesas de negociação cabem ao aspecto não verbal. Segundo Pease, muito antes do homo desenvolver a linguagem oral, transmitia emoção e sentimento através da l inguagem corporal e os sons produzidos na garganta.

Demonstrando a relevância da comunicação não verbal, explica Mehrabian que em toda comunicação interpessoal cerca de 7% da mensagem é verbal ( palavras), 38% é vocal ( tom de voz, inflexão etc) e 55% é não verbal, sabendo-se ainda que o indivíduo é capaz de identifica r por volta de 250 mil expressões faciais.

Um dos maiores artistas de todos os tempos, Charles Chaplin é um exemplo inconteste da relevância da linguagem não verbal. Apenas com o seu corpo e expressões faz a audiência se alegrar, entristecer, rir e chorar.

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Por seu turno, a linguagem escrita possui várias limitações e deficiências. Ela não tem tom, não tem ironia, não aumenta e diminui o volume, etc. Em comparação com a comunicação corporal e verbal unidas, a comunicação escrita é deveras limitada, deficie nte e pobre.

É inequívoco que a melhor forma de comunicação com outro ser humano ocorre através da utilização da l inguagem oral e corporal, e não da linguagem escrita.

Quantos equívocos, mal- entendidos e constrangimentos, a pobre comunicação escrita causa? Quando se percebe que a mensagem escrita está sendo mal compreendida, logo se realiza um telefonema (comunicação oral) para esclarecer a controvérsia, e nas piores hipóteses, apenas o encontro presencial ou virtual resolve ( comunicação oral e corporal).

Assim, à título ilustrativo, por mais que os estudos científicos comprovem, intuitivamente se sabe, que o encontro presencial/virtual (videoconferência) é muito mais rico que um simples telefonema, e incomparavelmente mais profícuo que uma interação por mensagem escrita.

Assim, a não realização da sessão de julgamento, concedendo as partes seu direito de sustentar oralmente as alegações escritas causa manifesto e inequívoco prejuízo.

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Como foi exposto alhures, a sustentação oral permite a veiculação de várias novas teses, complementos e aprofundamentos às alegações já expostas.

Destaque- se ainda que o entendimento do e. Superior Tribunal Militar, no sentido de exigir a realização da sessão de julgamento e alegações orais, está em consonância com os princípios da nova hermenêutica constitucional (máxima efetividade).

Segundo o princípio da máxima efetividade deve o intérprete expandir e densificar ao máximo a normatividade dos princípios e regras constitucionais, especialmente quando referente à direitos e garantias fundamentais.

Doutrina Barroso que entre interpretações alternativas e plausíveis, deverá o intérprete e aplicador do direito optar por aquela que permita a atuação da vontade constitucional, verbis:

"Efetividade significa a realização do Direito, a atuação prática da norma, fazendo prevalecer no mundo dos fatos os valores e interesses por ela tutelados. Simboliza, portanto, a aproximação, tão íntima quanto possível, entre o dever ser normativo e o ser da realidade social. O intérprete constitucional deve ter compromisso com a efetividade da Constituição: entre interpretações alternativas e plausíveis, deverá prestigiar aquela que permita a atuação da vontade constitucional ..."

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Nessa esteira de intelecção, o e. STM , ao exigir a realização da sessão de julgamento e sustentação oral, expande e concede densidade aos princípios da ampla defesa e devido processo legal, haja vista que para a defesa é muito mais profícuo expor suas alegações oralmente do que meramente na forma escrita.

Sublinhe-se ainda que em matéria processual penal deve ser respeitado o princípio do favor rei , o qual dispõe que diante de dois caminhos que se possam adotar deve-se optar por aquele que for mais favorável ao acusado. Nesse sentido doutrina Paulo Rangel, litteris:

"O elemento impulsionador da interpretação que se deve adotar para alcançar a norma mais favorável ao acusado, diante de dois caminhos que se possam adotar, é exatamente o do favor rei."

Destarte, existindo as hipóteses de realizar a sustentação oral, ou não realiza-la, aplicando- se o princípio do favor rei na espécie, verifica-se que deve ser adotada a hipótese mais favorável ao acusado, qual seja, aquela que determina a realização de sustentação oral.

Lancemos mão de uma metáfora, pois, muitas vezes são mais esclarecedoras.

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A experiência de vida revela que a qualidade de uma música não se restringe apenas à sua letra. Quantas músicas nós nos afeiçoamos antes mesmo de compreender a letra ( que pode estar em outro idioma, como por exemplo, Que c'est triste Venise 8, La vie em rose 9 etc)? E quantas músicas nos fisgam e consideramos maravilhosas, mesmo sem letra nenhuma, como The Blue Danube , 1812 Overture , In the Mood.

Por fim, se ainda assim se sustentar o entendimento da não aplicação de uma norma válida que está em pleno vigor (direito de sustentação oral) é imprescindível que ao menos as partes sejam previamente comunicadas para que não sejam pegas de surpresa.

Nesse sentido, o moderno Código de Processo Civil traz uma norma regra em seu artigo 10 , litteris:

Art. 10. O juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício.

Reitere-se, que o dispositivo que concede as partes o direito de sustentação oral das alegações finais está devidamente previsto no Código de Processo Penal Militar, em pleno vigor, sendo válido e em perfeita harmonia com as normas constitucionais, portanto, deve ser observado. Contudo, se mesmo assim for decidido pela sua não aplicação ao caso concreto, as partes devem ser previamente informadas, sob pena de violação à boa- fé objetiva.

*Andrew Fernandes Farias - é sócio proprietário da Bayma & Fernandes Advogados Associados. Presidente da Comissão de Direito Militar da Ordem dos Advogados do Brasil Seccional do Distrito Federal (OAB/DF) e membro do Instituto dos Advogados do Distrito Federal (IADF). 

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