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Prisões, coronavírus e 'solturavírus'

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Por Sérgio Moro e Fabiano Bordignon
Atualização:
Sérgio Moro e Fabiano Bordignon. FOTO: ISAAC AMORIM/MJ  

A pandemia da covid-19 representa um grande desafio para o mundo. A realidade prisional também sofre impactos. No Brasil, a gestão das unidades prisionais cabe ao Poder Executivo, nas projeções Estaduais, Distrital e Federal. A análise pontual e individualizada sobre quem deve ou não permanecer preso é do Poder Judiciário. Ao Poder Legislativo cabe legislar sobre hipóteses de prisão em abstrato. Não há previsão legal para liberação de presos em caso de pandemias, como é o caso da atualmente vivenciada.

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Desde o início das notícias sobre a pandemia, o Departamento Penitenciário Nacional, vinculado ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, atua para auxiliar os sistemas prisionais dos Estados no enfrentamento desse inimigo invisível.

Inicialmente o Depen criou um grupo de trabalho com equipes técnicas da área de saúde e promoveu videoconferências com todos os responsáveis pela saúde prisional nos Estados e no DF. O Departamento, que tem uma parceria histórica com a Fiocruz, mantém contato direto com o Ministério da Saúde na área de saúde prisional, desenvolvendo projetos importantes como o combate à tuberculose e a equipagem de unidades prisionais.

Dados do Depen, atualizados até o fim do primeiro semestre de 2019, revelam que há 7.344 profissionais de saúde atuando diretamente nas 1.412 unidades prisionais brasileiras. Além disso, nas funções de segurança e custódia dos 752.277 presos em todos os regimes nas unidades prisionais (sem contar os 14.475 em delegacias), há 83.604 servidores prisionais que, com a Emenda Constitucional nº 104/2019, formam na sua maioria as Polícias Penais.

O Depen criou painéis de monitoramento sobre medidas adotadas pelos sistemas prisionais. Promoveu a abertura de licitações emergenciais para suprir itens de proteção para os Policiais Penais, as equipes de saúde e para presos com sintomas. Os investimentos nas aquisições serão de aproximadamente R$ 49 milhões, com a compra itens básicos como máscaras, luvas, sabão líquido, álcool gel e outros.

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Foi autorizada ainda, pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública, a utilização pelos Estados de R$ 107 milhões do Fundo Penitenciário Nacional, remetido em dezembro de 2019, para ações de custeio e investimentos no combate à proliferação do coronavirus. Parte significativa dos repasses de 2020 também será destinada a esse fim.

No site do Depen (http://depen.gov.br/DEPEN/coronavirus-no-brasil), é possível acompanhar o número de casos suspeitos e confirmados do novo coronavírus em prisões no Brasil e em diversos países.

No Brasil, face a atuação firme e rápida do Poder Executivo na suspensão das visitas (atualmente dos 28 sistemas prisionais, 27 suspenderam totalmente a entrada de visitantes e um fez suspensão parcial), não há nenhum caso confirmado de coronavírus na população prisional brasileira. A suspensão de visitas se adequa ao isolamento apregoado como medida adequada para aqueles que podem permanecer em suas casas.

Os países que mais tiveram os seus sistemas prisionais afetados pela covid-19, até o momento, foram a China e a Itália. Na China, estima-se que aproximadamente 800 presos foram infectados, mas se considerarmos que a população prisional é de 1,7 milhão, os infectados correspondem a 0,047%, dado bem inferior em relação à população geral.

Na Itália foram confirmados, pelo Departamento de Administração Penitenciária (DAP), 10 casos de presos infectados em uma população prisional de 60.971 presos. Da mesma forma, relativamente à população geral, o número de casos é bem inferior aos efeitos da pandemia naquele país.

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Até o momento, há somente a confirmação de apenas um óbito de preso no mundo - na França - por conta do coronavírus. Considerando o panorama de 35 países do levantamento, com população prisional de mais de 4 milhões de presos (sem a China), temos atualmente uma morte, 27 presos infectados e 508 casos suspeitos.

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O levantamento internacional revela que, dos 36 países pesquisados até agora, apenas Bolívia, México, Polônia, Reino Unido e Uruguai não adotaram a proibição de visitas como principal medida para evitar o contágio da covid-19.

No Brasil, editamos regras para definir o acesso às unidades prisionais, com recomendação de suspensão de visitas, e a segregação, dentro das próprias unidades, de casos suspeitos, separando novos presos que ingressem e grupos mais vulneráveis (portadores de doenças como tuberculose, HIV, cardiopatas e idosos).

Não há nos normativos publicados pelo governo uma recomendação de concessão de regime domiciliar de forma generalizada para presos. Tais situações devem ser consideradas com muito cuidado, pois podem impactar na segurança pública e inclusive nos sistemas de saúde. Há muitos casos de presos que já não possuem mais uma família para voltar e, para os que possuem doenças como tuberculose, a saída pode representar suspensão de tratamento e contágios familiares graves.

Os presos devem permanecer nas unidades prisionais e sem acesso a visitantes. O "fique em casa" defendido como medida universal, para os presos deriva em ficar nas prisões, domicílio precípuo dessa população. Presos com problemas de saúde devem ser segregados e manter o tratamento nas próprias unidades prisionais. Caso sejam soltos, provavelmente terão dificuldades em manter o tratamento, sobrecarregando os sistemas de saúde. Além disso, deve-se considerar que, em todas as unidades prisionais, todo preso recebe ao menos três refeições diárias. Colocá-los nas ruas ou em prisão domiciliar trará mais riscos para essa população, além de repercutir em graves riscos para a segurança pública.

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Isso não é óbice para que haja um exame de casos individuais e que o Judiciário, se for o caso, conceda medidas de recolhimento domiciliar a presos em regime aberto ou semiaberto, desde que não representem um risco à segurança. Medidas, porém, genéricas, sem atenção aos casos individuais não são recomendadas.

Essas medidas, que não são punitivas e visam a preservação de vidas, podem eventualmente ser reavaliadas no decorrer da pandemia. Não há, porém, nenhum motivo para, no momento, promover a libertação generalizada dos presos, o que nos faria ter que enfrentar, concomitantemente aos desafios decorrentes da pandemia e de suas consequências econômicas, uma crise na segurança pública.

*Sérgio Moro é ministro da Justiça e Segurança Pública

*Fabiano Bordignon é diretor-geral do Departamento Penitenciário Nacional

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