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Priorização de leitos em UTI: as lições da pandemia na gestão pública de saúde

A pandemia do coronavírus trouxe à área da saúde pública e privada desafios que ultrapassam questões farmacológicas, terapêuticas e científicas. A situação crítica vivenciada por todos os países do mundo e, especialmente, pelo Brasil trouxe aos gestores de saúde um novo cenário até então não enfrentado com tamanha intensidade.

Por Thamires Pandolfi Cappello
Atualização:

Thamires Pandolfi Cappello. Foto: Divulgação.

Segundo o Boletim do Observatório COVID19, divulgado em junho deste ano pela FIOCRUZ, a maioria dos estados brasileiros apresentam taxas de ocupação de leitos hospitalares de pelo menos 80%, sendo que alguns estados alcançam taxas de ocupação iguais ou superiores a 90%. A pandemia trouxe com ela a chamada "escassez de recursos", com impactos significativos na escassez de leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI), recurso essencial nos casos críticos da infecção pelo SARS-CoV-2.

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Essa situação, além de implicar na ausência de leitos disponíveis para atendimento da população, também significa o aumento da demanda de profissionais especializados, medicamentos, oxigênio, além de equipamentos médicos como respiradores.

Ao mesmo tempo que a pandemia caminha reforçando a necessidade de leitos hospitalares, os pacientes não infectados continuam a demandar vagas por situações clínicas diversas. Mesmo com os maiores esforços para o atendimento da população e utilização de medidas de contingenciamento, seja no âmbito público ou privado, os recursos chegaram ao colapso, não sendo suficientes para a demanda dos pacientes graves.

Com isso, os profissionais e gestores de saúde enfrentam o desafio de estabelecerem protocolos de elegibilidade de leitos hospitalares, cada qual com seu entendimento. Na ausência de um critério uniforme e nacional, os protocolos acabam sendo realizados pela equipe médica e pelas próprias instituições de saúde, tendo em cada serviço uma diretriz diferente.

A escolha dos pacientes que ocuparão as vagas disponíveis dos leitos nas unidades de terapia intensiva deve ser baseada em critérios igualitários com abrangência uniforme em todos os serviços de saúde do território nacional, e, ainda, que estejam em conformidade com princípios e diretrizes éticas, bioéticas, médicas e jurídica.

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É importante ressaltar, entretanto, que a assistência de alta complexidade concedida pelos leitos de UTI constituí uma relação direta com direitos e garantias fundamentais do indivíduo, motivo pelo qual exige do Estado uma ação positiva, na promoção de políticas públicas em caráter emergencial, especialmente, de cunho estratégico.

Entidades e associações médicas, a exemplo da Associação de Medicina Intensiva Brasileira (AMIB) que publicou recentemente, em conjunto com outras associações médicas, uma recomendação de alocação de recursos em esgotamento durante a pandemia por COVID-19, buscam estabelecer protocolos e diretrizes para o enfrentamento da atual situação de saúde pública, visando conceder à equipe médica maior segurança na escolha dos pacientes elegíveis aos serviços disponíveis.

Todavia, embora ocorram esforços louváveis e contínuos das entidades envolvidas na fixação de protocolos e diretrizes éticas e médicas, é importante observar que o tema adentra questões sensíveis dos seres humanos e esbarra em valores e direitos constitucionais que devem ser objeto de análise e determinação democrática.

Isso porque a ausência de uniformização e critérios objetivos que concedem ao cidadão segurança jurídica nesse sentido, enseja o aumento exponencial de um fenômeno já conhecido pela sociedade: a judicialização da saúde.

Os tribunais brasileiros também vivenciam impactos com a pandemia, visível pelo aumento significativo das demandas judiciais com pedidos de urgência para concessão de leitos de UTI. Tanto os juízes como as equipes médicas acabam assumindo a responsabilidade na escolha dos pacientes que ocuparão os leitos disponíveis, o que pode acarretar uma afronta direta à democracia e aos direitos sociais envolvidos.

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A judicialização do tema na situação atual acaba por não apresentar resultados práticos, haja vista que, embora possa haver uma decisão judicial determinando a internação imediata de determinado indivíduo na UTI, não existem vagas disponíveis para o cumprimento da mesma, ou seja, a prestação jurisdicional não alcança sua finalidade.

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Com isso, a responsabilidade estatal no enfrentamento de escassez de recursos em calamidade pública, não só na fixação de critérios objetivos, éticos e científicos para priorização de leitos, mas, principalmente, na administração, gestão e criação de leitos e sistemas de atendimento à população, deve ser exigida, cobrada e apurada, tendo em vista o enorme número de vidas afetadas pela pandemia.

Critérios de priorização de leitos em unidade intensiva ou o acesso à recursos em escassez devem ser objeto de discussão pública com a participação de todas as entidades representativas da sociedade, a fim de que valores e direitos fundamentais sejam avaliados de forma democrática, para que, no futuro, caso necessário, os desafios do momento presente estejam superados.

*Thamires Pandolfi Cappello doutoranda e pesquisadora sanitarista na Universidade de São Paulo. Mestre em Direito Constitucional pela PUC/SP. Coordenadora do curso de direito médico, hospitalar e da saúde na FASIG. Fundadora do HEALTH TALKS BR.

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