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Primeiro a depor sobre 'rachadinhas', PM que confessou repasses de 2/3 do salário a Queiroz devolveu R$ 326 mil em seis anos, diz MP

Ao ser ouvido em janeiro do ano passado, Agostinho Moraes da Silva tentou justificar depósitos como investimentos em compra e venda de carros, mas investigadores não encontraram rastros das transações; policial militar é apontado como funcionário fantasma na denúncia apresentada pela Subprocuradoria-Geral de Justiça de Assuntos Criminais e Direitos Humanos do Rio

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Foto do author Pepita Ortega
Por Rayssa Motta , Pepita Ortega , Paulo Roberto Netto , Fausto Macedo/SÃO PAULO e Caio Sartori/RIO
Atualização:

O policial militar Agostinho Moraes da Silva é um dos 17 denunciados no suposto esquema das 'rachadinhas' no gabinete de Flávio Bolsonaro quando ele era deputado estadual no Rio. O PM trabalhou na segurança do parlamentar entre os anos de 2012 e 2018 e, nesse período, teria ajudado a desviar R$ 326 mil, segundo as investigações.

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De acordo com o Ministério Público, o servidor confessou, em depoimento em janeiro do ano passado, o primeiro colhido no inquérito, repasses mensais de cerca de R$ 4 mil do salário ao ex-assessor Fabrício Queiroz, apontado como operador dos supostos desvios de salários de funcionários fantasmas e como responsável pela indicação de Silva. Na época, o policial tentou justificar as movimentações como investimentos em compra e venda de carros, mas desde o início a versão foi considerada frágil pelos investigadores.

"Embora tenha tentado justificar os depósitos como investimentos em suposta atividade de compra e venda de carros, alegando que receberia de volta os recursos nos meses seguintes, em espécie, acrescidos de juros. Contudo, não há rastros dessas supostas transações em sua conta ou qualquer fato que corrobore a inusitada alegação defensiva", afirma a Subprocuradoria-Geral de Justiça de Assuntos Criminais e Direitos Humanos na denúncia apresentada no início do mês.

Os procuradores apontaram ao menos 20 transações consideradas suspeitas. Elas incluem montantes sacados pelo policial e depositados em espécie na conta de Queiroz, identificados pela correspondência exata de datas e valores, além de transferências entre contas bancárias detectadas pelo antigo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) em 2018.

"Apesar do indisfarçável propósito de despistar o caminho tomado pela verba pública através de operações em espécie, pôde-se, ainda assim, identificar que vários dos saques realizados pelo assessor estão associados a depósitos em espécie na conta bancária do operador financeiro, inclusive efetuados nas mesmas datas e valores dos saques", afirma o MP.

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Trecho da denúncia em que Procuradoria detalha transações suspeitas entre Agostinho Moraes da Silva e Fabrício Queiroz. Foto: Reprodução/MPRJ

Ainda segundo a denúncia, o policial militar também confirmou não comparecer regularmente ao trabalho e nem se submeter a qualquer controle de ponto na Assembleia Legislativa. Para os investigadores, Silva era um dos funcionários fantasmas de Flávio Bolsonaro.

"No caso do denunciado Agostinho Moraes da Silva, além de desviar mensalmente a quantia equivalente a 2/3 (dois terços) de sua gratificação da Alerj em favor da organização criminosa, o assessor não cumpria expediente nem no Gabinete do Deputado Estadual e nem na Polícia Militar", diz um trecho da denúncia.

Há ainda um segundo policial militar indicado por Queiroz e lotado no gabinete do então deputado Flávio Bolsonaro que, segundo o Ministério Público, recebia sem trabalhar. É o tenente-coronel Wellington Sérvulo Romano da Silva, cujo nome também apareceu no relatório do Coaf e, recentemente, na denúncia apresentada pela Procuradoria.

A investigações apontam que, entre abril de 2015 e agosto de 2016, período em que trabalhou com o filho mais velho do presidente na Assembleia Legislativa fluminense, o PM passou 248 dias em Portugal. Em uma das buscas feitas no curso do inquérito, os investigadores encontraram, em uma agenda de Queiroz, uma anotação indicando 'Sérvulo mora em Portugal'.

Em agenda de Queiroz, investigadores encontraram anotação indicando que policial militar lotado no gabinete de Flávio Bolsonaro 'mora em Portugal'. Foto: Reprodução/MPRJ

Para o MP, Sérvulo foi cedido à Alerj 'com o único propósito de fugir aos deveres funcionais junto à Corporação Militar, sendo agraciado com a oportunidade de residir no exterior em troca do repasse de parte da remuneração do cargo em comissão'. Ele teria retornado R$ 40 mil dos salários.

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"O esquema das "rachadinhas" lesou duplamente a sociedade Fluminense, pois, no caso de funcionários públicos cedidos por outros órgãos, além do desvio das verbas orçamentárias em favor de terceiros, esses servidores, que não compareciam regularmente à Alerj, também ficavam afastados de suas funções originais, mas continuavam a receber suas remunerações acrescidas das gratificações da suposta assessoria parlamentar", sustenta o Ministério Público.

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Denúncia

No início de novembro, após mais de dois anos de investigação, Flávio Bolsonaro foi denunciado como 'líder de organização criminosa' e acusado por peculato e lavagem de dinheiro no suposto esquema das 'rachadinhas'. A denúncia de 290 páginas inclui ainda sua mulher, Fernanda, o ex-assessor Fabrício Queiroz, apontado pelos investigadores como 'braço direito' do filho mais velho do presidente Jair Bolsonaro, um 'faz tudo' do senador desde os tempos de Assembleia Legislativa, e outras 14 pessoas.

A Procuradoria identificou que, do montante total supostamente desviado da Alerj mediante nomeações de funcionários fantasmas em cargos comissionados, que devolviam parte de seus salários, R$ 2.079.149,52 foram comprovadamente repassados para a conta de Queiroz e outros R$ 2.154.413,45 foram disponibilizados à organização criminosa 'mediante saques elevados de dinheiro em espécie na boca do caixa'.

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Organograma explica distribuição das funções entre os 17 denunciados pelo MP do Rio no inquérito das rachadinhas. Foto: Reprodução/MPRJ

Além de detalhar o histórico da investigação e o modus operandi dos núcleos político, operacional e executivo apontados como integrantes do esquema, a Subprocuradoria-Geral de Justiça de Assuntos Criminais e Direitos Humanos deixa claro, em mais de um momento da denúncia, que as apurações envolvendo os supostos desvios no gabinete de Flávio Bolsonaro não chegaram ao fim.

Segundo o MP, a primeira parte das imputações foi apresentada à Justiça uma vez que foram reunidos 'elementos de prova suficientes para lastrear a presente denúncia'. Mas, de acordo com os investigadores, o procedimento investigatório criminal 'prosseguirá em autos desmembrados para apurar a prática de outros fatos delituosos e responsabilizar os demais coautores ou partícipes da organização criminosa'.

A continuidade das investigações envolve, conforme aponta o Ministério Público na denúncia, a identificação de outros envolvidos no esquema e a suspeita de lavagem de dinheiro através da loja de chocolates mantida por Flávio.

COM A PALAVRA, OS ADVOGADOS RODRIGO ROCA, LUCIANA PIRES E JULIANA BIEREENBACH, QUE DEFENDEM FLÁVIO BOLSONARO

Após a denúncia, os advogados Rodrigo Roca, Luciana Pires e Juliana Bierrenbach, que defendem o senador Flávio Bolsonaro, divulgaram uma nota classificando as imputações do Ministério Público do Rio como 'crônica macabra e mal engendrada' e afirmando que 'todos os defeitos de forma e de fundo' da denúncia serão pontuados na formalização da defesa.

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"Em função do segredo de Justiça, a defesa está impedida de comentar detalhes, mas garante que a denúncia contra Flávio Bolsonaro é insustentável. Dentre vícios processuais e erros de narrativa e matemáticos, a tese acusatória forjada contra o senador se mostra inviável e não passa de uma crônica macabra e mal engendrada, influenciada por grupos que têm claros interesses políticos e que, agora, tentam voltar ao poder.  A denúncia, com tantos erros e vícios, não deve ser sequer recebida pelo Órgão Especial. Todos os defeitos de forma e de fundo da denúncia serão pontuados e rebatidos em documento próprios e no momento adequado".

COM A PALAVRA, O ADVOGADO PAULO EMÍLIO CATTA PRETA, QUE DEFENDE FABRÍCIO QUEIROZ

Após a denúncia, o advogado Paulo Emílio Catta Preta, que defendeu Fabrício Queiroz, divulgou a seguinte nota:

"A defesa de Fabrício Queiroz tomou conhecimento da notícia do oferecimento de denúncia pelo MPRJ, sem, no entanto, ter tido acesso ao seu conteúdo. Inaugura-se a instância judicial, momento em que será possível exercer o contraditório defensivo, com a impugnação das provas acusatórias e produção de contraprovas que demonstrarão a improcedência das acusações e, logo, a sua inocência".

COM A PALAVRA, OS DEMAIS CITADOS

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A reportagem busca contato com os demais citados. O espaço está aberto para manifestações (rayssa.motta@estadao.com ou pepita.ortega@estadao.com).

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