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Primeiras impressões às alterações à Lei de Recuperação Judicial e Falências pelo PL 4458-20

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Por Imre Horst Nagy e Vinícius Monteiro Paiva
Atualização:
Imre Horst Nagy e Vinícius Monteiro Paiva. FOTOS: ARQUIVO PESSOAL Foto: Estadão

O Projeto de lei 4.458/2020 propõe diversas alterações na Lei de Falências e Recuperação Judicial (Lei n. 11.101/05). Há muitas dúvidas e incertezas com relação à eficácia das alterações para o fim almejado pelo Governo, capitaneado pelo Ministério da Economia, que seria o de tornar o processo mais célere, melhorar a eficácia das recuperações judiciais e, também, garantir uma maior recuperação de crédito.

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O tempo exíguo da aprovação do referido projeto de lei, sem uma maior participação e debate de inúmeros setores da atividade econômica, tem como motivação principal a brusca alteração do cenário econômico causada pelo coronavírus que, em teoria, geraria a necessidade das empresas afetadas pela pandemia de obtenção de novos instrumentos de recuperação financeira e possibilidade dos empreendedores retomarem às suas atividades. Como aspecto positivo pode-se dizer que o projeto objetiva a modernização do sistema recuperacional ao:

(i) torná-lo mais célere, inclusive ao permitir a liquidação dos ativos da empresa que foi à falência, antes que eles se depreciem;

(ii) implantar um procedimento extrajudicial, que inclusive previne qualquer pedido de falência, sendo este vedado para o crédito tributário e permitido para os créditos de natureza trabalhista desde que seja realizada negociação coletiva com o sindicato da respectiva categoria profissional;

(iii) tratar da falência transnacional (reconhecimento de processos no exterior, cooperação entre os juízes de vários países etc.) ao adotar a Lei Modelo da UNCITRAL para insolvência transfronteiriça, igualmente utilizada pelos Estados Unidos e por países europeus;

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(iv) proibir qualquer forma de retenção, arresto, penhora, sequestro, busca e apreensão e constrição judicial ou extrajudicial sobre os bens do devedor;

(v) possibilitar aos credores apresentação de plano de recuperação judicial para a empresa devedora caso o plano apresentado por essa empresa não seja aceito na assembleia de credores;

(vi) permitir que o empresário que faliu e não foi condenando por crime possa voltar em menos tempo ao mercado empreendedor (em até seis meses);

(vii) ampliar as possibilidades de desconto e parcelamento das dívidas tributárias;

(viii) ampliar as possibilidades de financiamento das empresas em recuperação judicial, regulamentando o instituto conhecido como dip financing, permitindo, inclusive, que os bens pessoais dos sócios sejam dados em garantia de empréstimos;

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(ix) reconhecer a possibilidade do produtor rural pessoa física poder requerer a recuperação judicial, amplamente aceita pelas decisões do STJ, mas que eram negadas por vários magistrados de primeira instância, por falta de previsão legal.

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Há vários pontos positivos, conforme mencionado acima. Longe de ser tudo o que já vem sendo pleiteado há décadas, pela doutrina de escol, como a possibilidade de compensação tributária, por exemplo.

Por outro lado, o projeto gera também incertezas, uma vez que pouco contribui para a recuperação das empresas, e não valoriza toda a construção jurisprudencial e doutrinária dos últimos anos, não atentando à antigas problemáticas enfrentadas no processo, como o privilégio do crédito bancário e a falta de estímulos efetivos às empresas em dificuldades, além de criar imbróglios potenciais que não existiam, como na sistemática de alienação da Unidade Produtiva Isolada, e burocratizando a obtenção de novos recursos financeiros, com a proibição de alienação de bens que não compõem o ativo circulante.

O projeto traz, igualmente, mecanismos para impulsionar e agilizar a utilização do DIP Financing - Debtor in possession, que é modalidade de financiamento direcionado para empresas submetidas à recuperação judicial, com vistas a garantir a existência de caixa para suportar a operação e honrar as obrigações assumidas no plano de recuperação, assegurando o ambiente necessário à efetivação da função social do instituto que é o soerguimento da empresa em crise.

Sob este aspecto, importante inovação do texto legislativo é a clareza com que trata a necessária prioridade de recebimento dos recursos captados ao longo do processo de recuperação da empresa, o que, por carência de precedentes judiciais específicos, não conferia a necessária segurança aos credores. Sem mencionar a possibilidade de utilização de bens pessoais dos sócios como garantia à operação.

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Outro ponto de relevo - e que nasce extremamente controvertido - é a concessão ao Fisco de maiores poderes, especialmente o de requerer a convolação da recuperação judicial em falência.

Em geral, para mais da metade das recuperações judiciais em curso o maior passivo das empresas em recuperação judicial é com os Fiscos, a lei de parcelamento tributário em vigor não é aplicada pelo Judiciário por ser ineficiente e o projeto não traz elementos que efetivamente fariam diferença na recuperação judicial de uma empresa. Ao conceder mais poderes ao Fisco, inclusive para a solicitar a convolação da recuperação judicial em falência, o novo projeto de lei confere grandes incertezas com relação à efetividade de qualquer recuperação judicial.

Historicamente o Brasil possui um dos piores índices de recuperação de crédito da América Latina, e tais índices se mostram ainda piores quando comparados com países como Estados Unidos, Inglaterra e outros. Atualmente, no Brasil, a efetiva recuperação de crédito no Brasil é a metade da média de recuperação que os países da América Latina possuem.

Este índice era bem pior em 2005, quando da implantação da Lei de Recuperação judicial e o que o governo pretende, com as alterações propostas, é maximizar a recuperação de créditos, com o intuito de eventualmente tornar o país mais atrativo aos investidores nacionais e estrangeiros. À exemplo disso, vale mencionar a alteração trazida pelo projeto de lei que altera a ordem de pagamento dos credores, dando preferência para os créditos derivados de dip financing.

O Brasil, cuja matriz econômica possui como traço marcante a produção agrícola, será afetado principalmente pela questão da recuperação judicial do produtor rural, possibilidade esta já consolidada pela jurisprudência e que veio a ser reconhecida pelo projeto. Mas ao se prestigiar a proteção ao crédito bancário, sem criar possibilidades efetivas ao produtor, este continuará com os mesmos problemas para com o cumprimento de empréstimos, em especial no caso da perda de safra.

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Pela proposta, o produtor rural que pretender a obtenção do benefício deverá comprovar o exercício da atividade por meio da apresentação da Escrituração Contábil Fiscal (ECF) e, se o produtor rural for pessoa física, pela apresentação de Livro Caixa Digital do Produtor Rural (LCDPR), ou por meios contábeis que venham a substituir a LCPDR.

Vale destacar ao produtor rural que apenas os créditos que decorram exclusivamente da atividade rural, e desde que comprovados, é que estarão sujeitos a Recuperação Judicial. Ou seja, valores gastos para outros fins (reforma da casa, viagem, compra de bens para uso pessoal etc.) não se sujeitarão à recuperação judicial.

Ainda, dispõe sobre a possibilidade do produtor rural optar pelo plano de recuperação especial similar ao dos microempresários individuais, desde que o saldo devedor não ultrapasse o montante de quatro milhões e oitocentos mil reais (R$ 4.800.000,00).

Por fim, o novo projeto de lei, conquanto traga algumas alterações interessantes, não fornece elementos objetivos e nem flexibiliza a rigidez existente na lei atual, trazendo assim poucas ferramentas efetivas ao fim último da Recuperação Judicial, que é a proteção da função social das empresas e a manutenção do emprego em detrimento de ampliar os mecanismos de recuperação de crédito.

*Imre Horst Nagy e Vinícius Monteiro Paiva, advogados

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