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Presídios: nova temporada da mesma série

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Por Leandro Mitidieri Figueiredo
Atualização:
Presos protestam no presídio de Alcaçuz, em Natal. Foto: EFE/Ney Douglas

A barbárie que está acontecendo nesse início de 2017 não pode ser considerada exatamente uma novidade. Se prestarmos bem atenção, trata-se apenas da novíssima temporada de uma série antiga. A novidade desta temporada talvez sejam as "selfies" registrando decapitações, que "viralizaram" nas redes sociais, assim como a transmissão ao vivo de algumas rebeliões. As 134 mortes de 1º a 15 de janeiro se deram em 3 presídios, enquanto que no Carandiru, um só presídio, houve 111 mortes em 1992. O Rio Grande do Norte, cuja rebelião foi uma das transmitidas ao vivo, já enfrentou seríssimos motins há apenas cerca de dois anos, em razão da boa e velha superlotação.

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As causas e soluções para essas periódicas tragédias anunciadas são bem conhecidas. O Brasil segue o modelo norte-americano, que inventou uma nova forma de escravidão por meio do hiperencarceramento de negros. O desejo brasileiro parece ser transformar a coisa em negócio rentável, como já aconteceu nos EUA, com a privatização dos presídios e comercialização da mão-de-obra dos presos. Todavia, a primeira rebelião de 2017 ocorreu em um presídio privatizado do Amazonas.

Seguimos aqui também o modelo americano falido de "guerra contra as drogas". No mínimo, 30% dos nossos presos são decorrentes da criminalização das drogas (entre as mulheres presas, o número vai para 70%). Esse modelo gerou organizações criminosas poderosíssimas e as lutas entre gangues. Maceió, por exemplo, uma das 10 cidades mais violentas do mundo, ao lado das capitais de El Salvador e Honduras, registra esse número absurdo de homicídios em áreas vulneráveis ao tráfico de drogas, indicando claramente disputas pelo mercado.

Um preso decapitado na rebelião em Roraima estava preso provisoriamente em razão de 500 gramas de cocaína. É um exemplo de como a criminalização das drogas superlota os presídios. Mas também de outro fator importante na superlotação, o das prisões provisórias, ou seja, de pessoas ainda não condenadas: 40% da população carcerária.

Para completar, as medidas que estão sendo tomadas parecem diferentes, mas não passam da velha insistência no ataque aos efeitos e não às causas. A disponibilização das Forças Armadas para atuação em presídios é midiática e de pouquíssima efetividade, além da duvidosa constitucionalidade que essas iniciativas sempre ostentam. O governo federal deveria era se empenhar em cumprir a decisão do Supremo Tribunal Federal (ADPF 347), que determina a imediata liberação dos recursos do FUNPEN aos Estados. Fez o contrário, editou uma Medida Provisória no final do ano passado (MP 755/2016) restringindo a transferência, diminuindo a receita do Fundo e desviando suas finalidades.

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Uma abordagem diferente da questão está contida na mesma decisão do STF citada anteriormente. Nela o STF também determinou que se passasse a realizar audiências de custódia em todo o Brasil, que são audiências realizadas imediatamente após as prisões em flagrante. Apesar de certa antipatia que angariam, elas já apresentam resultados. No Maranhão, estado com a maior taxa de mortalidade em presídios, as primeiras 569 audiências de custódia realizadas resultaram no não encarceramento de 322 pessoas. Não se trata de nenhum abolicionismo penal, mas de 322 casos em que a devida análise imediata verificou não se tratar de caso de prisão.

É de se suspeitar de alguém que ache que tem as soluções para um problema tão complexo. Mas quem assistiu às temporadas anteriores dessa série já sabe que hiperencarceramento e guerra contra as drogas não deu certo.

 Foto: Estadão

*Leandro Mitidieri Figueiredo, procurador da República, foi membro do Grupo de Controle Externo da Atividade Policial da Procuradoria da República no Rio de Janeiro

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