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Preconceito em forma de lei

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Por Redação
Atualização:
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*Por Luciana Maciel

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No dia 24 de setembro de 2015, foi votada na Comissão Especial da Câmara dos Deputados a aprovação do Projeto de Lei (PL) 6.583/13, conhecido como Estatuto da Família. Embora a votação tenha sido favorável à aprovação, o texto legislativo encontra resistência de boa parcela da população e um verdadeiro repúdio pelos operadores do Direito especializados em Família. Os contrários ao PL discordam do conceito de família trazido no artigo 2º do texto, que dispõe como entidade familiar apenas a proveniente da união entre um homem e uma mulher ou a comunidade formada por quaisquer dos pais e seus filhos.

Tal conceituação é contrária ao atual contexto legislativo e às orientações jurisprudenciais que entendem como impossível a restrição do conceito de família. Os arranjos familiares existentes em nossa sociedade são inúmeros e não podem ser restringidos por lei infraconstitucional, sob pena de excluir da proteção do Estado aqueles que não se adequarem ao modelo previsto. O conceito mais moderno de família aceito atualmente, referendado por decisões dos Tribunais Superiores, é o de que entidade familiar é toda aquela composição que esteja fundamentada no afeto, desconsiderando características físicas ou pessoais dos seus componentes.

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A restrição desse conceito, conforme prevê o PL, desprestigia, não somente as uniões homoafetivas, que parecem ser o principal alvo dessa proposta legislativa, mas qualquer outro arranjo familiar que não esteja previsto no texto do projeto. Deixarão de ser considerados família, as composições existentes entre uma avó que cria seus netos, ou tios e sobrinhos, irmãos que não tenham mais os pais, entre outras possibilidades. Percebe-se, portanto, que uma constituição familiar pode ter inúmeras formas e, por essa razão, os aplicadores do Direito de Família insistem em um conceito amplo de entidade familiar.

A proposta, além de preconceituosa, é inconstitucional e não tem o condão de fazer desaparecer as outras formas de composição familiar. No relatório do projeto, seus defensores alegam que a proposta é decorrente do próprio texto constitucional que, no artigo 226, fala expressamente da união entre um homem e uma mulher. Todavia, a interpretação da norma não pode ser tão rasa. Nesse mesmo artigo da Constituição Federal (CF), foram trazidas possibilidades de composição familiar e este rol lá contido é exemplificativo, não exaustivo. Além disso, qualquer interpretação legislativa deve ser feita com base nos princípios fundamentais da CF, como a dignidade da pessoa humana e o direito à igualdade.

Após deliberações necessárias, se nenhum recurso for apresentado, o projeto sequer será enviado para o Plenário da Câmara dos Deputados, mas seguirá diretamente para o Senado Federal. Caso aprovado, até a sua declaração de inconstitucionalidade - que será inevitável -, as demais formações familiares ficarão à margem da proteção estatal, o que não pode ser aceito em qualquer hipótese. A edição de uma lei não muda uma realidade social e esta não pode ser ignorada pelo Estado. Portanto, espera-se que em seus próximos passos, o projeto encontre resistência também no Senado, porque será vergonhoso o retrocesso trazido com a publicação dessa lei, que demonstrará uma das mazelas mais cruéis da nossa sociedade: o preconceito.

*Luciana Maciel é advogada de família

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