Luiz Fernando Teixeira, Julia Affonso e Fausto Macedo
09 de maio de 2018 | 12h41
Grampos da Operação Prato Feito flagraram uma sucessão de diálogos entre empresários, servidores públicos e secretários municipais de pelo menos 30 prefeituras de São Paulo. Eles acertam pagamentos de propinas, concluiu a Polícia Federal em relatório enviado à Justiça Federal.
A PF pediu a prisão de 62 investigados, mas a Justiça autorizou apenas mandados de buscas e apreensões nos endereços dos alvos da Prato Feito.
Um trecho da investigação aponta para o ex-prefeito de Mairinque, na Grande São Paulo, Rubens Merguizo, o ‘Binho’.
“As evidências são claras no sentido de que o empresário George Miranda (da Angá Alimentação e Serviços Ltda) pagava mensalmente propina a agentes públicos da prefeitura de Mairinque, inclusive ao ex-prefeito Rubens Merguizo, o qual foi explicitamente citado por George como beneficiário de R$ 40 mil”, diz o relatório, que transcreve diálogos entre o empresário e uma funcionária, Silvana.
George: ‘Oi amor, faz um favor pra mim? Precisava correr atrás aí de quarentinha pra fazer o……. o treze onze.’
Silvana: ‘Ah tá, eu posso ver com o RÔ (Rosimar Miranda, pai de George, segundo a PF)?’
George: ‘É. Liga pra ele, vê se ele consegue pra hoje. Aí se ele conseguir ainda pra hoje, aí ele… depois a gente… bom, você faz a… aí eu te mando aqui o bilhetinho, você vai lá na minha sala, pega o… o BINHO lá e faz pra ele….. entendeu? Aí amanhã a gente acerta. Eu te mando aqui o… o… a etiquetinha aqui.’
Silvana: ‘Ah, tá bom.’
George: ‘Tá? Aí você… bom, vê com ele aí se ele consegue, aí já vou te falar já.’
Silvana: ‘Tá bom.’
A PF destaca que durante a vigilância dos alvos de Mairinque, o então secretário de Administração Heraldo Elias Franzini comentou com o empresário Carlos Zeli Carvalho, o Carlinhos, que possui uma parceria com George, da Angá Alimentação e Serviços.
Heraldo: ‘Bom, você sabe que o George ta com a gente já faz três anos já.
Carlinhos: ‘George da Angá?
Heraldo: ‘Da Angá. Eu não sei qual é a parceria que vocês tem com ele’
Carlinhos: ‘É assim, eu trabalho com eles lá, na verdade, com um pessoal lá há mais de 30 anos.’
Heraldo: ‘Ah é? Da época da Coan?’
Carlinhos: ‘Isso.’
A PF constatou que a Angá venceu o Pregão n.º 86/2013 para a prestação do serviço de merenda escolar, ‘exatamente há três anos, período em que Heraldo declarou que tem parceria com o proprietário desta empresa’.
Reforçando indícios de propinas de George a agentes públicos de Mairinque ‘de forma periódica’, a PF transcreveu outra ligação em que Heraldo solicitou valores ao empresário.
A ligação foi feita em 29 de setembro de 2016.
Heraldo: ‘O Luis deu uma notícia ruim para mim.’
George: ‘Foi? O que aconteceu?’
Heraldo: ‘Ele falou que não vai ser possível amanhã.’
George: ‘É que eu não consegui eu não estou lá, entendeu?’
Heraldo: ‘Oh, cara. Mas você falou com ele há 30 dias atrás.’
George: ‘Ah, ele não tinha me falado nada não.’
Heraldo: ‘Oh, cara. A gente vai precisar para domingo, neh.’
George: ‘Ele me falou uma outra situação, como se fosse um novo projeto.’
Heraldo: ‘Não, aquele lá, beleza. Aquele lá já foi resolvido.’
George: ‘Então, mas esse que você falou para antecipar não faz um mês não, você falou semana passada.’
Heraldo: ‘Não, eu falei na última vez que eu tive com ele.’
George: ‘Então, foi semana passada, não foi?’
Heraldo: ‘Não, retrasada, retrasada. Foi há uns 15 dias atrás, mais ou menos, 15 ou mais. Logo depois que eu falei com ele, na semana seguinte, a gente se encontrou e eu falei com ele.’
George: ‘Entendi.’
Heraldo: ‘Entendeu? Eu falei com ele o motivo, o problema é domingo, neh? Entendeu? Cara, me ajuda aí, se não eu estou no arroz, cara, estou no arroz, verdade mesmo.’
George: ‘Tá, deixa eu ver o que eu consigo, tá?’
Heraldo: ‘Oh, cara, me ajuda aí, se não.. Eu sei que.. E lá tá certo. Ele falou para mim, amanhã, amanhã está tudo certo. Vai acontecer amanhã, como aconteceu todos os meses. Eu falei, a menina falou para mim. Cara, dessa vez, vou falar para você, se vocês não ajudarem eu tô morto, verdade mesmo.’
George: ‘Deixa eu ver o que que eu consigo, então.’
Heraldo: ‘Por favor, quebra essa para nós.’
George: ‘Valeu, um abraço.’
A PF destacou que o diálogo entre o empresário e o então secretário municipal de Mairinque ocorreu muito perto das eleições municipais de 2016. “Registra-se que a urgência no recebimento da propina se refere à iminência do 1.º turno das eleições municipais, que ocorreu no domingo citado, dia 3 de outubro de 2016.”
“Diante do modus operandi das associações criminosas, são formalizadas fraudes na execução dos contratos tais como superfaturamento ou inexecução contratual de forma a compensar os gastos com as vantagens ilícitas indevidamente concedidas”, segue o relatório da PF.
A PF afirma que ‘tudo indica que Heraldo Franzini e o agente público Douglas Laurindo Berro Júnior representavam os interesses do ex-prefeito Rubens Merguizo, vulgo Binho’.
Por meio das interceptações telefônicas, a PF verificou que minutos após George receber a ligação de Heraldo, determina a Silvana que realize uma transferência para ‘Binho’.
O setor análise da PF anotou. “Imediatamente após a solicitação feita por Heraldo, quatro minutos depois George liga para Silvana e pede que ela transfira 40 mil reais (‘quarentinha’). Ao tentar explicar para quem a transferência deve ser feita, George toma muito cuidado com as palavras utilizando-se de códigos. Porém ao final acaba mencionando o apelido do prefeito de Mairinque (Binho) cuja conta bancária estará em um bilhete em sua mesa.”
A transcrição:
George: ‘Oi amor, faz um favor pra mim? Precisava correr atrás aí de quarentinha pra fazer o……. o treze onze.’
COM A PALAVRA, RUBENS MERGUIZO
A reportagem busca contato. O espaço está aberto para manifestação.
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