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Precisamos falar sobre igualdade: os presos VIP na justiça brasileira

Por Edilson Vitorelli
Atualização:
Edilson Vitorelli. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

Em 7 de agosto de 2019, o plenário do Supremo Tribunal Federal, por dez votos a um, concedeu habeas corpus para manter o ex-presidente Lula preso em Curitiba, obstando a sua transferência para o presídio de Tremembé. Ao fazê-lo, estabeleceu dois recordes que merecem ser registrados.

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Recorde número um: foi a segunda vez na história do Supremo Tribunal Federal que o plenário, a reunião de todos os ministros do STF, se manifestou sobre a transferência de um preso de uma carceragem para a outra. Não se estava em discussão progressão de regime, ilegalidade da prisão, soltura, nada. Apenas a transferência do preso. A última vez que o plenário do STF tinha julgado uma questão desse tipo foi em 1955, em um habeas corpus relatado pelo Ministro Lafayette de Andrada. Naquela época, a decisão foi, em uma linha, a seguinte: "Habeas-corpus indeferido. Colônia agrícola da ilha Anchieta. Transferência de preso não constitui coação ilegal". 7 de agosto de 2019 foi, portanto, a segunda vez que o plenário do STF se manifestou sobre o tema e a primeira vez na história que o plenário do STF impediu a transferência de um preso.

Recorde número dois: foi a primeira vez na história do STF que o Plenário se manifestou sobre um tema, qualquer tema, em menos de 4 horas. Os autos do habeas corpus 164.493 estavam, na manhã de 7 de agosto, no gabinete do Ministro Gilmar Mendes, com pedido de vista. Às 14h06 foi apresentada petição, pelos advogados do ex-presidente, narrando o problema da transferência, que havia sido deferida no dia anterior, em Curitiba. Os autos do processo foram devolvidos ao Ministro Gilmar e a petição foi remetida ao Ministro Fachin às 16h58. Às 17h16, o portal G1 noticiava que o plenário começou o julgamento do pedido. Às 17h32, o mesmo portal noticiou que o plenário concluiu o julgamento. Dez a um. 3 horas e 26 minutos. Do início ao fim.

É preciso entender a dimensão disso. O plenário do STF é a maior autoridade jurídica do país, capaz de alterar a própria interpretação da Constituição, com uma força assustadora: a imutabilidade. O plenário do Supremo é, inquestionavelmente, quem tem o direito de errar (ou acertar) por último.

Esse verdadeiro tiro de canhão jurídico foi dado em um tema que é, com o devido respeito, prosaico. De acordo com dados do Conselho Nacional de Justiça, o Brasil tinha, nesse dia 7 de agosto de 2019, exatamente 314.476 presos em regime fechado. Será que nenhum deles sofre com as mesmas injustiças? Será que a mais alta Corte do país vai tratar a todos da mesma forma? Lamentavelmente, há não muito tempo, o Portal Uai divulgou a morte de Alcirene Oliveira, vítima de uma doença rara. Uma ação por intermédio da qual ela pretendia obter um medicamento está pendente no STF. Desde 2011. Sem previsão de julgamento. Ela não tinha um advogado famoso. Era atendida pela Defensoria Pública.

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Precisamos, urgentemente, falar sobre igualdade. Ela é não apenas a essência da República, uma exigência constitucional mais básica, como também uma exigência legal. Em uma República, não pode haver presos VIP. Pouco importa se a decisão está certa ou errada, é justa ou injusta. Há milhares de outros injustiçados no país, como há, em qualquer país pobre. Todos eles clamam por justiça. Não podemos quebrar recordes toda vez que alguém famoso precisa da justiça, enquanto todos os demais esperam por ela.

*Edilson Vitorelli, pós-doutor em Direito Processual, professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie, procurador da República

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