Foto do(a) blog

Notícias e artigos do mundo do Direito: a rotina da Polícia, Ministério Público e Tribunais

Precatórios e finanças públicas: uma bomba-relógio de longo prazo

PUBLICIDADE

Por Gustavo Bachega
Atualização:
Gustavo Bachega. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

Uma cena recorrente em filmes de ação e suspense é a que o super-herói chega no último segundo para desarmar a poderosa bomba-relógio instalada pelo vilão psicopata que irá exterminar a humanidade para sempre. O expectador assiste ansioso, mas sabe que vai poder respirar aliviado porque o filme terá um final feliz. O super-herói salva o universo, fica com a mocinha e elimina o vilão.

PUBLICIDADE

Na última quinta-feira, 16 de dezembro, o Congresso Nacional concluiu a promulgação do texto da PEC 46/2021, que se converteu na Emenda Constitucional 114 e liberou um total de R$ 106 bilhões, viabilizando o pagamento do Auxílio Brasil.

O que parece ser um presente de fim de ano, na verdade, pode ser a instalação de uma bomba-relógio de longo prazo, parecida com as dos filmes dos super-heróis. O preço a ser pago pela liberação desses recursos, considerados por diversos cientistas políticos como uma forma de "populismo fiscal" e por setores da esquerda como "calote" pode ser um aumento substancial da dívida pública para os próximos anos.

A dívida pública brasileira, segundo informações do secretário do Tesouro Nacional, Jefferson Bittencourt, deve chegar a 82% do PIB no fim de 2021. No final do ano passado, o total ultrapassou a soma de R$ 5 trilhões, o que foi atribuído em grande parte aos recursos direcionados para atenuar a crise derivada da quarentena e das medidas tomadas para combater a expansão da COVID-19 e reativar a economia.

A aprovação do texto final da PEC dos precatórios deve agravar ainda mais esse cenário, incluindo mais dinamite nessa bomba-relógio. Além de permitir que o governo não cumpra a regra de ouro, instituída no artigo 167 da Constituição Federal e que tem como objetivo impedir que o governo emita dívida sem previsão orçamentária, o texto da nova PEC insere algumas regras muito sutis, que passaram despercebidas por muitos advogados e especialistas em finanças públicas. São os "tique-taques" da bomba que foi acionada.

Publicidade

Alguns ingredientes explosivos foram incluídos no texto da emenda aprovada. Um dos mais perigosos foi a simples e absoluta ausência de um prazo final para o pagamento dos precatórios federais, conforme se verá a seguir:

Não obstante a inclusão em textos anteriores de um prazo final de pagamento em 2036, posteriormente antecipado para 2026 e o que ficou cravado na emenda 114, ainda pairam sérias dúvidas sobre quanto e quando esses recursos deverão ser honrados pelo Governo Federal.

Isso se deve ao fato de que o Governo Federal criou um teto para pagamento dessas dívidas, equivalente ao valor das despesas com precatórios federais pagos no exercício de 2016 e corrigidos pelo IPCA em relação aos precatórios que vencerão entre 2022 e 2026. O que passar deste cálculo, fica acumulado para o exercício seguinte, sem um termo que defina ou que dê uma previsão de pagamento.

Em outras palavras, o Congresso concedeu prazo indeterminado à Fazenda Pública Federal, postergando seu pagamento para datas futuras, e, consequentemente, o aumento da dívida pública federal. O fato é que, o valor que exceder esse limite de pagamento anual em 2022 será postergado para 2023, quando novos precatórios também se somarão a essa conta e irão esbarrar no teto limite de pagamentos e assim sucessivamente.

Algumas consequências desta decisão poderão ser constatadas imediatamente: a primeira é o aumento da insegurança jurídica no ambiente de negócios, diante de uma mudança de regras considerada radical. A segunda, um enorme crescimento da judicialização do tema, com grandes embates envolvendo as instituições do governo federal e a iniciativa privada. Porém, a pior consequência será a contribuição dos precatórios acumulados para ampliar a dívida pública federal, calculada em R$ 900 bilhões nos próximos anos.

Publicidade

Um exemplo diametralmente oposto ao que ocorreu na instância dos precatórios federais pode ser observado na emenda constitucional 109/2021, que regulamentou a renegociação dos precatórios devidos pelas fazendas públicas estaduais e municipais. As regras ficaram bem transparentes, com um prazo final para que esses precatórios sejam pagos até dezembro de 2029.

PUBLICIDADE

Desta maneira, em um mesmo dispositivo haveria a possibilidade de haver regras inconstitucionais sob duas perspectivas: a primeira é uma clara quebra dos preceitos estabelecidos pela Lei de Responsabilidade Fiscal e outras normas que velam pelo controle do orçamento público.

E a segunda abordagem é uma afronta ao artigo 60 da Constituição Federal, que trata do equilíbrio entre os poderes, com o poder Executivo se eximindo de prestar contas ao Legislativo, o que levaria a uma grande disputa e um debate longo, porém saudável e democrático.

A boa notícia é que está havendo uma grande manifestação por parte de juristas, especialistas em finanças publicas e instituições para se tomar algumas atitudes para deter essa escalada. Muitas ações diretas de inconstitucionalidade - ADI, começaram a chegar ao STF.

E a jurisprudência está a favor do cumprimento dos pagamentos. Não é a primeira vez que, tentam prorrogar ou parcelar o pagamento dos precatórios. Num passado próximo, as EC 30/2000 e 62/2009, tentaram efetivar parcelamentos para pagamentos de precatórios, mas o Supremo Tribunal Federal - STF, reconheceu a inconstitucionalidade desses parcelamentos, por meio do julgamento de ações diretas de inconstitucionalidade, porque violam pilares fundamentais do estado democrático de direito, como o ato jurídico perfeito, direito adquirido, coisa julgada e o princípio da moralidade.

Publicidade

Nós, como representantes de instituições democráticas e defensores da democracia, não somos super-heróis e temos mais fraquezas que superpoderes. Porém, é necessário correr para desarmar essa bomba que seguramente irá estourar, prejudicando principalmente a parte mais vulnerável da sociedade.

*Gustavo Bachega, presidente do Instituto Brasileiro dos Precatórios. Presidente da Comissão de Precatórios da OAB/SP - 93ª. Subseção Pinheiros

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.