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Pra que rimar amor e dor?

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Por Tainã Góis
Atualização:
Tainã Góis. FOTO: DIVUGAÇÃO Foto: Estadão

E quando a violência está mais perto do que se imagina? Quando é cometida por quem diz amar, por quem está do nosso lado? Por quem tem livre acesso às nossas emoções, sentimentos e desejos?

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A Lei Maria da Penha é um grande marco na proteção a violência baseada em gênero, definida como qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause lesões físicas, sexuais, psicológicas, danos morais ou patrimoniais. Entretanto, enquanto advogadas que militam pelos direitos das mulheres, sabemos das dificuldades que precisam ser enfrentadas para fazer valer todo esse guarda-chuva de direitos.

Além de não deixar marcas visíveis que possam ser materializadas num processo, a violência subjetiva ainda é facilmente confundida com amor, trazendo uma grande contradição para mecanismos legais que só enxergam questões objetivas.

Nesses casos, temos, entre o medo de perder a pessoa amada que se transforma em um agressivo sentimento de propriedade e o acesso que os relacionamentos íntimos dão ao agressor aos sentimentos vulnerabilidades que se transforma em arma contra a mulher, uma grande contradição que se forma no campo subjetivo tanto do agressor quanto da vítima.

Exatamente por isso não é fácil reconhecer que estamos vivendo uma violência dessas, ou mesmo que a estamos perpetrando.

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Acontece que é nossa construção psicológica mais íntima que está em ação em muitos casos de agressão, além de estar a capacidade de compreensão da realidade e de tomada de decisão sendo atacada e minada. Muitas vezes é mesmo difícil compreender que nada disso é amor.

Mesmo assim, a violência subjetiva existe e é real, sendo denunciada como a segunda forma mais incidente de violência doméstica, chegando 47% dos casos de agressão denunciado por mulheres, conforme pesquisa de 2017 do DataSenado.

Quando somos tratadas como incapazes de compreender a realidade, quando não somos ouvidas, quanto o que vimos ou dissemos é distorcido para que duvidemos de nossa própria sanidade, quando nossos sentimentos são tratados como fraquezas, quando nossas discordâncias são vistas como desequilíbrios emocionais, quando nosso corpo é violado pois temos medo da reação a negativa, quando a feminilidade é tratada como doença: em todos esses estamos vivendo violência.

Pensando nisso, nós da Rede Feminista de Juristas lançamos a campanha #PraNãoRimarAmoreDor: A ideia é coletar e divulgar anonimamente relatos de relacionamentos abusivos, formando um fluxo na contramão da violência psicológica, que tantas vezes acua a mulher e a impede de se aproximar de pessoas que poderiam ajudá-la. Buscamos o encontro e reconhecimento dessas experiências como algo coletivo, como um problema social e não individual.

O compartilhamento dessas experiências busca provar que um relacionamento abusivo não é culpa da mulher, não é um defeito do seu relacionamento, não é um acidente e, principalmente, não é uma questão de ponto de vista: é uma forma de subjugar o feminino, de manter a personalidade da mulher retraída, de fazer com que suas inseguranças, seus medos a dominem e a impeçam de ser livre.

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Não se trata de uma questão privada, trata-se do modo de funcionamento de relações que perpetuam a desigualdade entre os gêneros e a submissão da mulher.

Dessa forma, gerando o encontro entre mulheres que viveram experiências semelhantes, buscamos engrossar os caminhos de um feminismo que busca novas formas de amor: um amor que consiga unir em forma de potência, e não de maneira destrutiva.

Entre poder dizer o não e querer dizer o sim, o importante é que as mulheres possam dizer, livres de culpa e medo da solidão: não vale a pena o amor que não é libertação.

*Advogada e ativista, co-fundadora da Rede Feminista de Juristas, mestranda pela Faculdade de Direito da USP

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