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Por uma advocacia capaz de promover a superação de desigualdades desde a infância

Por Thaís Nascimento Dantas
Atualização:
Thaís Dantas. FOTO: LAURA LEAL/ALANA/DIV. Foto: Estadão

O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) completa 30 anos de vigência. A despeito disso, violações à infância e adolescência continuam: ainda hoje, crianças são assassinadas com violência policial[1], desigualdades no acesso à educação são escancaradas durante a pandemia[2], e a falta de saneamento básico impacta a mortalidade infantil[3], só para ficar em temas que estão na agenda do dia. É, portanto, evidente o descompasso entre a legislação e a realidade brasileiras.

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Também é imperativo reconhecer que desigualdades começam na infância, especialmente em um país com problemas estruturais como o Brasil. Quando se trata de pessoas negras, o racismo faz com que mais da metade das crianças até 5 anos que morrem por causas evitáveis sejam pardas e pretas[4]. Também a desigualdade de gênero impõe consequência nefastas a um contingente majoritário de meninas violentadas por abuso e exploração sexuais[5]. Ainda, LGBTfobia, na forma de bullying, empurra para a evasão escolar[6], ao mesmo tempo em que crianças com deficiência têm seu direito à educação negado[7]. Em todos esses casos, há sonhos interrompidos e vidas ceifadas, já na infância. Todas essas situações ocorrem, obviamente, em contrariedade à lei.

E o que nós, advogadas e advogados, podemos fazer para transformar essa realidade?

É preciso, inicialmente, reconhecer uma falha: nossa formação jurídica, que poucas vezes se debruça de maneira aprofundada sobre a legislação especializada nos direitos de crianças e adolescentes, parece ignorar que, pelo artigo 227 da Constituição Federal, Estado, famílias e a sociedade têm responsabilidade compartilhada pela garantia de tais direitos com absoluta prioridade.

Isso se reflete na construção de um sistema de justiça adultocêntrico e em práticas jurídicas que estão longe de ser acessíveis, sensíveis e amigáveis a crianças e adolescentes. É preciso lembrar: estamos lidando com sujeitos de direitos e não com meros objetos de tutela estatal ou parental.

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Ainda hoje, com frequência e de maneira equivocada, o interesse de crianças e adolescentes se perde em disputas familiares pós divórcio, o menorismo se faz presente especialmente em relação a adolescentes acusados pelo cometimento de atos infracionais[8] e o reconhecimento da peculiar condição de desenvolvimento infantil é distorcido em prol de pautas contrárias à garantia de direitos humanos[9].

É inegável a importância do ECA, ao reconhecer crianças e adolescentes como pessoas em especial condição de desenvolvimento e como sujeitos de direitos, dignas de receber proteção integral e de ter garantido seu melhor interesse, bem como ao colocá-las em primeiro lugar em orçamento, políticas e serviços públicos.

E, para que o ECA seja plenamente implementado, é fundamental que advogadas e advogados se reconheçam parte do sistema de garantia de direitos e estejam cientes e capacitados para sua missão constitucional em relação à infância e adolescência.

Assim, ao defender uma causa que possa impactar crianças e adolescentes, é preciso guiar se pelo melhor interesse de tais sujeitos e não pela lógica adversarial da advocacia ainda hoje dominante[10]. É também fundamental que utilizemos nossa capacidade técnica para cobrar e buscar caminhos capazes de contribuir com a plena proteção da infância e adolescência.

É por meio do cuidado de crianças e adolescentes que o nosso projeto político constitucional, voltado à garantia da dignidade e superação de desigualdades, tão urgente para o Brasil, será possível. Não se trata de idealismo ou utopia: é nosso mandamento constitucional, é nossa responsabilidade como nação.

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*Thaís Nascimento Dantas é advogada do programa Prioridade Absoluta, do Instituto Alana, conselheira do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) e vice-presidente da Comissão de Direitos Infantojuvenis da OABSP

[1] Caso João Pedro: quatro crianças foram mortas em operações policiais no Rio no último ano. Disponível em:https://www.bbc.com/portuguese/geral-52731882

[2] Como o ensino a distância pode agravar as desigualdades agora. Disponível em: https://www.nexojornal.com.br/ensaio/debate/2020/Como-o-ensino-a-dist%C3%A2ncia-pode-agravar-as-desigualdades-agora

[3] Sem água para lavar as mãos: saneamento básico é agenda prioritária. Disponível em: https://www.agazeta.com.br/artigos/sem-agua-para-lavar-as-maos-saneamento-basico-e-agenda-prioritaria-0620

[4] Abismo social separa negros e brancos no Brasil desde o parto. Disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2019/11/19/politica/1574195977_206027.html

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[5] 42% das crianças e adolescentes que sofrem abuso sexual são vítimas recorrentes. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2019/09/42-das-criancas-e-adolescentes-que-sofrem-abuso-sexual-sao-vitimas-recorrentes.shtml

[6] 73% dos jovens LGBT dizem ter sido agredidos na escola, mostra pesquisa. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/educacao/2016/11/1834166-73-dos-jovens-lgbt-dizem-ter-sido-agredidos-na-escola-mostra-pesquisa.shtml

[7] Educação de crianças com deficiência enfrenta contrastes e dificuldades na pandemia. Disponível em: https://www.folhape.com.br/noticias/educacao-de-criancas-com-deficiencia-enfrenta-contrastes-e/145260/

[8] Vulnerabilidade, exclusão, seletividade: o menorismo vivo nas decisões do STJ sobre o ato infracional. Disponível em: http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=faf02b2358de8933

[9] O Escola sem Partido sob a ótica de 4 ativistas dos direitos à infância. Disponível em: https://www.nexojornal.com.br/expresso/2018/12/08/O-Escola-sem-Partido-sob-a-%C3%B3tica-de-4-ativistas-dos-direitos-%C3%A0-inf%C3%A2ncia

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[10] Infância e Juventude: uma área que progride em busca de bons profissionais. Disponível em: https://esaoabsp.edu.br/Artigo?Art=32.

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