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Por que se importar com corrupção?

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Por Ana Luiza Aranha
Atualização:

Ana Luiza Aranha. FOTO: INAC/DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

Vem aí pela primeira vez uma Assembleia Especial das Nações Unidas para falar sobre corrupção. Mas por que devemos nos importar? Será que tem mesmo solução? Será que já não vem tarde demais para resolvermos um problema que parece não ter fim?

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Vamos começar do começo. Em primeiro lugar, hoje em dia não é possível sustentar empiricamente que a corrupção pode ser benéfica, ou funcionar como um "óleo" que azeita as instituições enquanto elas não atingem o grau de modernização dos países mais desenvolvidos. A corrupção ameaça a estabilidade e a segurança das sociedades, mina a confiança e as instituições públicas e prejudica o desenvolvimento sustentável. Ela distorce os mercados, sufoca o crescimento econômico e desvia fundos dos serviços públicos.

Os dados estão por todos os lugares: de acordo com a Transparência Internacional, a corrupção no setor de saúde causa perdas de mais de US$500 bilhões a cada ano (veja documento abaixo), mesmo quando não temos crises humanitárias como a pandemia. De acordo com UNODC, aproximadamente 10-25% (veja documento abaixo) de todos os recursos gastos com compras e contratações públicas são perdidos por ano para a corrupção no mundo. Esses trilhões de dólares perdidos seriam suficientes para acabar com a fome, erradicar a malária, fechar o gap de infraestrutura global e prover educação básica para todas as crianças do mundo.

Documento

UNODC

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Em segundo lugar, embora a corrupção seja um fenômeno global, as evidências mostram que ela tem um impacto desproporcional em certos grupos, em particular nas comunidades mais pobres e nas pessoas mais vulneráveis. As práticas corruptas têm um impacto particularmente adverso na vida das mulheres, social, política e economicamente, contribuindo para a disparidade de gênero. São as mulheres aquelas ainda responsáveis socialmente por cuidar da família e da casa e que têm que frequentemente acessar serviços públicos para conseguir educação para os filhos, transporte, saúde.

Terceiro: é em momentos de crise que a corrupção mostra a sua força. É quando "ninguém está olhando" e todos estão com muita pressa para tomar decisões - e muitas vezes  as decisões tem que ser ágeis mesmo - que fica mais fácil para as vantagens indevidas prosperarem. É a tempestade perfeita para atores corruptos se beneficiarem para tirar vantagem da situação de emergência e abusar do poder para ganhos privados. Os recursos já são escassos e a corrupção atua tornando-os mais escassos ainda, tirando recursos preciosos do combate à pandemia.

Aprendendo com crises anteriores, como a do Ebola em 2014-2016, seu relatório final revelou que 6 milhões de dólares foram perdidos pela corrupção nesse período com evidências de desvio de recursos, má alocação de fundos, reportes falsos de salários, pagamentos duplicados, propinas pagas a agentes de saúde para permitir às pessoas saírem das zonas de quarentena, encomendas com sobrepreço, etc. (Foi inclusive com esse cenário em mente que o Pacto Global junto com outras organizações da sociedade civil lançou ano passado o Guia de Recomendações Enfrentando a Pandemia com Responsabilidade Social: guia para empresas).

O que fazer diante desse cenário? Perder as esperanças não é uma opção. Recuperar a confiança pública, desenvolver soluções conjuntas e coletivas, e retomar o diálogo construtivo parecem ser caminhos mais profícuos. Um caminho difícil, mas certamente mais recompensador. E é com a esperança de encontrarmos novas soluções e construirmos novas pontes que podemos aguardar a Assembleia da próxima semana.

A Sessão Especial proporcionará uma oportunidade de galvanizar a vontade política dos governos e da comunidade internacional como um todo no avanço da luta contra a corrupção. Os governos serão capazes de fazer um balanço dos esforços e compromissos globais e identificar soluções para os desafios comuns na prevenção e combate à corrupção. A sessão especial também contribuirá para impulsionar os esforços dos países para implementar plena e efetivamente a Convenção das Nações Unidas Contra a Corrupção, incluindo o compartilhamento de melhores práticas e lições aprendidas. E o setor privado, academia, sociedade civil e organizações internacionais poderão juntos construir esforços coletivos para que o mundo caminhe rumo a maior integridade.

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A UNGASS, ou Sessão Especial da Assembleia Geral das Nações Unidas sobre desafios e medidas para prevenir e combater a corrupção e fortalecer a cooperação internacional, será realizada de 2 a 4 de junho de 2021 na Sede das Nações Unidas em Nova York. Mais informações em https://ungass2021.unodc.org/ungass2021/index.html

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*Ana Luiza Aranha é gerente Anticorrupção da Rede Brasil do Pacto Global. Doutora e mestre em Ciência Política pela Universidade Federal de Minas Gerais. Ganhadora do Prêmio nacional Construindo a Igualdade de Gênero da ONU Mulheres e Presidência da República e do Youth Research Edge Competition da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE)

Este texto reflete única e exclusivamente a opinião do(a) autor(a) e não representa a visão do Instituto Não Aceito Corrupção

Este artigo faz parte de uma parceria entre o blog e o Instituto Não Aceito Corrupção (Inac), com publicação periódica. Acesse aqui todos os artigos.

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