Ao final de cada processo eleitoral, é possível observar que diversos políticos com histórias reconhecidas de envolvimento com corrupção (e processos também) recebem muitos votos e são eleitos. A sensação que fica é a de que, por mais que tenhamos diversas ações contra a corrupção, capitaneadas pela imprensa, por iniciativas da sociedade civil, por componentes do Ministério Público e da Justiça, os corruptos acabam sendo absolvidos pelas urnas.
Nas eleições municipais, como acabamos de acompanhar, isso acontece ainda mais frequentemente, com famílias e projetos de poder que se perpetuam no comando das cidades, reproduzindo práticas antigas de clientelismo e assistencialismo que confundem e fazem confundir o público e o privado, a ação do Estado e a benemerência individual.
Então, por que, com uma democracia que já passa de trinta anos, com iniciativas importantes como a Lei da Ficha Limpa, com jornalistas, procuradores, juízes e tanta gente competente liderando a luta contra a corrupção, os eleitores ainda entregam seus votos aos corruptos, em eleições para o Legislativo e para o Executivo? Por que pessoas reconhecidamente envolvidas em escândalos de desvios de dinheiro público recebem votos e são eleitas?
Podemos fazer uma reflexão a partir de alguns pensamentos, iniciando com o próprio processo de formação do Estado. Se observarmos um importante pensador da Ciência Política, o inglês Thomas Hobbes, compreendemos que os Estados se desenvolveram a partir de uma premissa e uma necessidade individual: a proteção pessoal. Para ele, na clássica obra Leviatã ou Matéria, Forma e Poder de um Estado Eclesiástico e Civil, o princípio que faz com que os indivíduos abram mão de parte da sua liberdade para se submeter à organização estatal é o medo. Portanto, embora a interação social seja fundamental no Estado, a motivação para que ele exista é inicialmente individual. Pode-se associar à ideia, então, de que, se não há uma preocupação originária com a comunidade, mas principalmente com o próprio bem-estar, os interesses econômicos individuais poderiam tornar previsível que os cidadãos sejam, sem o controle social, abertos à possibilidade da corrupção e da atenção a seu próprio benefício.
E é aí que devemos repousar a nossa observação mais aprofundada: no controle social. Somente com a valorização dos mecanismos de observação, acompanhamento, julgamento e sanção é que podemos evitar que, na vida pública, os interesses individuais sejam colocados à frente dos objetivos sociais. Devemos nos lembrar, no entanto, de que vivemos em um país que, historicamente, é complacente com indivíduos que, tendo poder, preferem agir para atender a anseios pessoais.
Mas isso não explica por que os cidadãos comuns, que não participam dos grupos que concentram o poder, podem escolher lideranças com ligações conhecidas com atividades corruptas e que usam o erário como seu próprio recurso, na compra de bens pessoais e de apoio político.
Para compreender, precisamos pensar na formação política desse cidadão comum, que não está ligado diretamente a quem tem poder. Por ter acesso a uma compreensão falha da noção de Estado, ele também pode tender a acreditar que os benefícios pessoais são as finalidades a serem alcançadas. Ele pode pensar que, se alguém consegue estar no poder e se beneficiar dele, em vez de combatê-lo, o ideal é estar próximo e se beneficiar também.
Isso poderia explicar por que observamos as aproximações assistencialistas entre cidadãos e mandatários, em todos os poderes da República. E também as discussões cegas e apaixonadas, os fãs-clubes de políticos, que fecham os olhos para os problemas, inclusive para a corrupção.
Mas onde está saída? A racionalidade do Estado de Direito e da sua formadora, a democracia liberal, não consegue dar conta de combater essa relação, a não ser que haja um componente fundamental: a educação para a cidadania. É somente ela que possibilita que as pessoas tenham acesso à compreensão da necessidade de manutenção do Estado e do combate a tudo o que pode ser ameaça à sua existência, para o benefício pessoal dentro da coletividade, e não fora dela.
No Brasil das últimas décadas, em que podíamos ter dado grandes passos para a inclusão cidadã, principalmente devido ao desenvolvimento econômico que experimentamos, a educação para a democracia não aconteceu. Quando pudemos incluir, optamos por criar consumidores mais exigentes, que passaram a compreender as relações de consumo, mas não como a cidadania poderia garantir um país mais estável, nem como o combate real à corrupção poderia trazer benefícios coletivos no longo prazo. A preocupação ficou apenas na corrupção do outro, mas não na observância do próprio dia a dia.
Portanto, além das iniciativas essenciais contra a corrupção no âmbito das organizações e das instâncias da Justiça, devemos também fazer uma revolução na década que se inicia, com o desenvolvimento de ações concretas que levem educação para a cidadania (e para a participação política) para todos os cantos do país. Sem isso, continuaremos a eleger os corruptos.
*Kleber Carrilho, doutor em Comunicação Social, cientista político pela USP, professor convidado dos cursos de Gestão de Comunicação e Marketing e de Comunicação Política e Estratégias Eleitorais da ECA/USP