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Por que não na próxima?

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Por Bruno Salles
Atualização:
Bruno Salles. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

Esse texto fala de OAB. Especificamente da sua seccional paulista. Mas é sintomático o quanto a análise desse caso específico retrata algo muito comum a tantos espaços de poder no Brasil. Esse texto, também é bom que se diga de pronto, é escrito um homem e parte dessa perspectiva, desse lugar.

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A seccional paulista é a maior do Brasil em termos numéricos. Tem uma importância histórica em diversas lutas, entre as quais, a da redemocratização ainda cala alto por seu passado recente e por sua iminência futura. Hoje aglutina mais de 350 mil advogados e advogadas, dentre os quais, mais da metade são mulheres. Ainda assim, na galeria dos presidentes da instituição paulista, apregoam-se valorosos, importantes e saudosos rostos, mas todos de homens brancos.

É um equívoco dizer que as mulheres não têm espaço na OAB. Elas têm e hoje em dia esse espaço é regimental, por conta de importante provimento aprovado pelo Conselho Federal no final do ano passado. Um espaço galgado por seus trabalhos, por suas batalhas, por suas lutas. No entanto, ainda que o caminho da equidade de gênero esteja sendo trilhado com valentia, ainda é preciso mais. É preciso a ocupação de espaços de poder. É preciso a ocupação de espaços de liderança.

Quando o nome de Dora Cavalcanti despontou no cenário paulista, sua candidatura foi festejada por grande parte da advocacia, inclusive pelos seus possíveis adversários. Rapidamente, um epíteto tentou ser colado em sua figura: a vice ideal. Mesmo diante de uma mulher que tem feitos na advocacia que muitos homens de renome não tiveram em uma vida inteira, a posição em que se queriam enquadrá-la era a de vice ideal.

Ideal, sim, para a manutenção dos padrões históricos que normalizam frases como "por trás de um grande homem a sempre uma grande mulher". Ideal para aquele lugar de assessoria, de secretariado, de suporte, mas não de liderança. Esse lugar não. Para eles, esse não seria o lugar ideal.

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Conhecendo Dora, logo se percebe que ela é uma liderança. Uma liderança que faz com que homens, como muitos de nós a apoiamos, tenham muito orgulho de assessorá-la, de secretariá-la e de suportá-la, invertendo a lógica histórica sedimentada nas estruturas sociais e políticas de nosso país.

Muitos de nós trabalharam (ou trabalham) para Dora. Foram estagiários. Foram sócios em escritórios capitaneados por ela. Estiveram em lutas e batalhas nas fileiras da advocacia em que ela liderava com uma coragem digna das mais altas comendas. Ainda assim, quando sua candidatura passa a ser encarada com seriedade, um sussurro advindo do espectro do machismo, esse fantasma que se esconde até nas barras que menos esperamos, a reputa como uma marionete desses mesmos homens. Marionete dessas pessoas que sempre a admiraram e sempre foram guiados por ela. Fosse um homem, seria o líder aclamado e apoiado por outras lideranças. Sendo mulher, marionete.

Ante inexorabilidade de sua candidatura, a barganha: por que não na próxima? Por que não aguardar as próximas eleições e aí sim, ela poderia se candidatar a presidente com a "anuência" das lideranças, uma palavra do gênero feminino, porém tão sedimentada em componentes masculinos? Porque não podemos mais esperar. Porque não faz mais sentido esperar. Porque a galeria de presidentes clama por um perfil novo e inédito. Porque existem mulheres tão ou mais capacitadas do que homens para liderar a Ordem dos Advogados do Brasil e nós temos que poder escolher uma delas. E porque Dora Cavalcanti, uma dessas mulheres, felizmente aceitou encarar esse desafio de frente.

Na data de ontem, foi registrada oficialmente sua candidatura. Ao seu lado, Lazara Carvalho, uma advogada negra que representa toda a luta da advocacia popular e cuja posição de liderança, mais uma vez choca aqueles que insistem em repetir os velhos aforismas que só servem de fórmula à manutenção de uma estória monotemática.

Nós temos que começar em algum lugar. Nós temos que começar em algum momento. Que lugar melhor do aqui? Que melhor momento do que agora? Também cabe a nós, principalmente a nós homens, ajudar a pintar esse quadro. Cabe a nós levantarmos da cadeira e rasgar os papéis desenhados pela arquitetura do silenciamento, da coadjuvância e do mero simbolismo. Cabe a nós suportar, apoiar e incentivar. Porque ao fim, seremos nós também quem ganharemos. Nós e a OAB/SP, juntos, ganharemos Dora Cavalcanti como nossa presidente.

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*Bruno Salles, advogado criminalista

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