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Por que apostar no sigilo dos estudos da reforma administrativa é uma má ideia?

Por Lucas Aluísio Scatimburgo Pedroso e Michel Lutaif
Atualização:
Lucas Aluísio Scatimburgo Pedroso e Michel Lutaif. FOTOS: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

Recentemente, foi noticiado que o Ministério da Economia negou acesso aos estudos que embasam a proposta de reforma administrativa, sob o fundamento de que eles só podem ser publicados quando a matéria for aprovada pelo Congresso Nacional. Não é a primeira vez que isso ocorre e, em outras ocasiões, o governo já foi obrigado a apresentar seus estudos.

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Apostar nesse sigilo, além de não contribuir com o amplo debate que a proposta merece, também não encontra amparo legal.

Em primeiro lugar, porque o motivo invocado para a restrição de acesso - qual seja, de que se trata de atos preparatórios para decisão administrativa, com fundamento no art. 20 do Decreto nº 7.724/12 - não se verifica no caso.

Esta hipótese de sigilo busca evitar possíveis prejuízos e insegurança jurídica na divulgação pela Administração de decisões ou estudos que ainda não são definitivos e que estão em fase de elaboração.

Ao enviar a proposta de emenda constitucional para o Congresso, contudo, o Governo Federal concluiu os trabalhos necessários para fechar o texto legislativo. A própria Controladoria-Geral da União (CGU), ao analisar caso semelhante, já se pronunciou pela ampla publicidade de documentos técnicos que apoiaram a elaboração da PEC da Reforma Previdenciária, entendendo que "com a finalização do texto da PEC e seu encaminhado ao Poder Legislativo, a decisão final que cabe ao Poder Executivo já foi devidamente tomada" (Recurso nº 16853.001246/2019-16).

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Não é de hoje que as limitações à transparência são restritivas. Ao menos desde a égide da Constituição Federal de 1988, e especialmente após o advento da Lei de Acesso à Informação, as alegações de sigilo ao acesso de dados públicos dependem de justificativas fundadas. A regra é a transparência, e o sigilo é a exceção: essa é a lógica do Estado Democrático de Direito.

Em segundo lugar, porque a estratégia de não divulgação dos documentos não combina com o funcionamento de uma democracia. É inconcebível imaginar que deputados e senadores tomem parte do debate da reforma administrativa e formem livremente suas convicções sem que possuam amplo acesso aos estudos, documentos e pareceres que indiquem os motivos para tanto.

O Legislativo é, por excelência, o locus da representação política e da fiscalização do Poder Executivo, não podendo ser privado de ampla ciência das condições e da situação do país para tomar suas decisões.

Do mesmo modo, já tendo sido enviada a PEC ao Congresso, a imprensa e a sociedade em geral devem conhecer as razões que levaram o Executivo a apresentar a proposta. As disposições a serem analisadas terão imenso impacto na Administração Pública, afetarão milhares de servidores e reformarão o Estado brasileiro. O papel crítico exercido pela mídia livre a partir das informações oficiais do governo fomenta a democracia e instiga a participação popular aos debates no entorno da proposta.

Em terceiro lugar, fica a impressão de que o governo não tem estudos ou, se tem, não pretende segui-los.

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E não seria a primeira vez que isso ocorre. De um lado, o projeto de lei que cria a CBS (Contribuição Social sobre Operações com Bens e Serviços), parte integrante da reforma tributária, já foi questionado por ter sido elaborado sem a devida simulação da Receita Federal. De outro, vários estudos técnicos foram desprezados pelo Executivo ao revogar a portaria que regulamentou armamentos - estudos que também custaram a ser disponibilizados.

Assim, seja pela legislação, pela jurisprudência da CGU ou pelo próprio funcionamento da democracia, é fundamental que o Congresso Nacional, a imprensa e toda a sociedade tenham amplo acesso aos estudos e documentos que embasam a proposta de reforma administrativa para construção coletiva ou problematização da proposta.

*Lucas Aluísio Scatimburgo Pedroso, mestrando em Direito do Estado pela Universidade de São Paulo e advogado da Fagali advocacia

*Michel Lutaif, mestre em Direito do Estado pela Universidade de São Paulo e professor da Universidade Cruzeiro do Sul

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