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Populismo negacionismo

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Por José Renato Nalini
Atualização:
José Renato Nalini. FOTO: ALEX SILVA/ESTADÃO Foto: Estadão

O nome desta reflexão é o título do livro de Uriã Fancelli Baumgartner, com prefácio do Embaixador e Ministro Rubens Ricupero. Em seu texto, Ricupero menciona a escassez de publicações devotadas à análise da interação entre populismo e negacionismo. E um dos méritos do livro é "sua extrema atualidade, na natureza particularmente oportuna de um esforço de reflexão crítica sobre questões cruciais que afetam a todos neste exato momento".

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Em sua introdução, Uriã diz que após o referendo do Brexit e a eleição de alguns políticos em todo o planeta, concluiu-se que "o populismo veio para ficar. E, a partir daí, os populistas parecem ter aprendido a empregar uma antiga estratégia para subir e permanecer no poder: o negacionismo".

Tanto populismo, quanto negacionismo, representam enorme perigo para a democracia. O autor é cético em relação à democracia virtual. Já defendi o uso das modernas tecnologias da informação e da comunicação para permitir maior participação popular gestão da coisa pública. Não pensei em democracia direta, como diz Uriã, mas ao menos as eleições, malgrado a falaciosa dúvida sobre as urnas eletrônicas, nosso valioso modelo de exportação.

É verdade que o declínio democrático também resulta da intensificação do uso das redes sociais. Estas veiculam inverdades, estimulam o fanatismo, fortalecem convicções as mais bizarras. O grande desafio da sociedade de bem é fazer com que tais tentáculos sirvam para a disseminação do bem, do belo e da verdade. Não é impossível, mas é muito difícil.

Uriã recorre a Cas Mudde para conceituar populismo como a "ideologia que considera a sociedade como, em última análise, separada em dois campos homogêneos e antagônicos, "o povo puro" versus "a elite corrupta", e que argumenta que a política deve ser uma expressão da vontade geral do povo". Povo, para o populista, não é o conjunto dos cidadãos do Estado, como se aprende em Direito Constitucional. É um conceito muito vago e flexível, que se amolda à vontade do populista. Para mostrar seu pertencimento ao "povo simples", os populistas "costumam adotar elementos culturais que são considerados sinais de inferioridade pela cultura vigente". Mero artificialismo hipócrita, capaz de seduzir os iletrados e ingênuos, sempre à espera de um salvador, um demiurgo ou herói mítico.

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As consequências do populismo são a erosão democrática, o colapso democrático e a repressão. Ao abordar o estilo esquizofrênico da política, Uriã observa que "líderes populistas tendem a endossar um tipo de verborreia munida de teorias conspiratórias sobre forças e organizações malignas e sombrias que agem de maneira oculta na sociedade para confabular contra o povo".

O povo é a grande armadura para justificar mandos e desmandos populistas. É uma peculiaridade dos regimes populistas reagir ao contraditório, repudiar tudo aquilo que não coincida exatamente com o seu catecismo. Quem se opuser aos postulados do chefe é inimigo do povo e, como tal, deve ser sumariamente eliminado. Ao menos, "cancelado", na linguagem do mundo web.

Ao abordar o negacionismo, o Mestre em Estudos Europeus afirma que "os negacionistas não se consideram negacionistas. Eles se autodenominam céticos". O ceticismo deles não conduz à dúvida metódica, hiato saudável em busca da verdade ou da certeza. É um conceito próprio, fabricado para servir aos desígnios do populista.

Negacionismo "é uma maneira de sabotar a ciência e a verdade, que está sob ataque...ou recusa em acreditar em teorias científicas bem fundamentadas, mesmo quando as evidências são irrefutáveis".

Existe uma verdadeira indústria voltada à criação de mentiras e muitas pessoas que tiram proveito - diga-se lucro - com elas. Importante análise se faz no livro, quanto às teorias negacionistas que pretendem demonstrar que o aquecimento global não existe. Ora, "as ações dos populistas que negam as mudanças climáticas também podem acelerar outro fenômeno, além da destruição do planeta, que é o possível deslocamento compulsório de milhões de refugiados ambientais".

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Saudável que Uriã Fancelli ofereça ferramentas para desestruturar o populismo e para refutar o negacionismo. Conscientizar a sociedade sobre o consumo de informação é uma das maneiras de derrotar o negacionismo. Usar da verdade como arma, não a arma como verdade. Combater a ignorância, fazer com que o populista-negacionista seja reduzido à sua real condição. Ou seja: invocar a racionalidade dos humanos, para que não sejam instrumentalizados a serviço de ideologias nefastas.

A leitura do livro de Uriã Fancelli é recomendável a todos os que pensam que não há alternativa para algumas situações que parecem imutáveis. Sempre há esperança para os homens de boa vontade.

*José Renato Nalini é reitor da Uniregistral, docente da pós-graduação da Uninove e presidente da Academia Paulista de Letras - 2021-2022

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