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Política pública de solução digital de conflitos no Judiciário: a expectativa da implantação da Resolução nº 358 do CNJ

Por Juliana Loss e José Leovigildo Coelho
Atualização:
Juliana Loss e José Leovigildo Coelho. FOTOS: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

O Poder Judiciário enfrenta uma contingência institucional em razão do grande número de demandas em estoque e da escassez de recursos para fazer frente à elevada quantidade de processos que ingressa nos tribunais brasileiros todos os anos. Até aí não há qualquer novidade. Segundo o mais recente Relatório Justiça em Números do CNJ, o Judiciário encerrou o ano de 2019 com mais de 77 milhões de processos em tramitação, números que já foram ainda maiores não faz muito tempo - talvez em razão da mudança do modelo estatístico de avaliação -, afinal chegamos a superar uma centena de milhões no ano de 2015.

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Em resposta, em 2010, o CNJ publicou a Resolução n. 125 que instituiu a Política Judiciária Nacional de tratamento adequado dos conflitos de interesses. A norma criou estruturas judiciárias específicas para a solução de disputas por meio, sobretudo, da conciliação e da mediação e ressaltou a necessidade de capacitação e formação contínua nas técnicas consensuais.

Todo esse movimento normativo originou a Lei de Mediação (Lei n. 13.140/2015) e várias outras normas que direcionam os conflitos para uma solução pelas próprias partes, em geral, com o auxílio de terceiro facilitador. Com o passar do tempo, as facilidades proporcionadas pela tecnologia se tornaram mais evidentes e foram incorporadas à dinâmica de trabalho dos conciliadores e mediadores. A possibilidade de realização de sessões de facilitação com partes residentes em localidades distintas, a maior facilidade de compatibilidade de agendas e a redução de custos com estrutura e deslocamento são apenas algumas vantagens que podem ser destacadas e que ganharam ainda maior notoriedade com a pandemia da Covid-19.

De fato, o Poder Judiciário consolidou o investimento na sua digitalização como uma das suas metas fundamentais. Nesse sentido, nos últimos anos, um dos eixos da gestão do CNJ consiste no acesso à justiça 4.0, o qual engloba, por exemplo, os juízos 100% digitais.

No final de 2020, o CNJ deu passos muito importantes e publicou duas normativas na sequência: as Resoluções n. 335 e 358. A primeira instituiu a política pública para a governança e a gestão de processo judicial eletrônico e previu a integração dos tribunais do país com a criação da Plataforma Digital do Poder Judiciário Brasileiro - PDPJ-Br. Já a segunda regulamentou as soluções tecnológicas para a resolução de conflitos no âmbito do Poder Judiciário.

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A Resolução n. 358 estipulou requisitos obrigatórios e recomendáveis que devem ser oferecidos por esses sistemas informatizados para a resolução de conflitos por meio da conciliação e mediação (SIREC). Adicionalmente, a plataforma deverá estar adaptada à PDPJ instituída pela Resolução n. 335. A verificação dessas exigências deixa claro a preocupação do CNJ com alguns pontos principais: a modernização da plataforma do Processo Judicial Eletrônico, a integração da plataforma de solução de conflitos com os sistemas dos tribunais e a ausência de qualquer dependência tecnológica, sobretudo, na hipótese de contratação no mercado privado.

Essas normativas implicaram em uma verdadeira mudança de paradigma em relação ao formato anterior. Isso porque, até então, os CEJUSCs utilizavam, basicamente, sistemas internos de controle e plataformas de videoconferência para fazer as mediações e conciliações. Contudo, essas soluções não atendem mais aos requisitos estipulados e resultam em dependência tecnológica e falta de integração, uma vez que o tribunal não tem acesso a esses códigos fonte.

Este novo conceito proporciona avanços importantes na integração entre sistemas e reutilização entre tribunais, o qual é um dos principais gargalos da justiça e impacta no tempo de tramitação dos processos, na consolidação de estatísticas em nível nacional e na prevenção do ajuizamento de novas ações.

O CNJ determinou um prazo de 18 meses para a efetiva implantação dos SIRECS. No entanto, até o momento, os tribunais pouco se mobilizaram nesse sentido, apesar da grande expectativa de magistrados, servidores e usuários da justiça com a utilização dessa ferramenta. Ao que tudo indica, os tribunais ainda não se atentaram ou, se o fizeram, restaram indiferentes aos detalhes das normas.

De fato, a postura do CNJ voltada à priorização da inovação contrasta com essa atitude dos tribunais de postergar a disponibilização desse sistema tão aguardado e com a possibilidade de aperfeiçoamento oportuno e urgente das estatísticas relacionadas à mediação e à conciliação no país. Em última análise, eventual adiamento da implementação desses sistemas protrai o uso de tecnologias já disponíveis que trarão benefícios imediatos aos órgãos judiciários.

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Todos os profissionais da área esperam com grande expectativa por essa virada tecnológica voltada à Política Pública de tratamento adequado de conflitos em ambiente digital. Espera-se para breve o despertar espontâneo ou o alerta consciente dos tribunais.

*Juliana Loss, doutora em Direito pela Universidade Paris I Panthéon Sorbonne. Coordenadora executiva do Centro de Inovação, Administração e Pesquisa do Judiciário da FGV

*José Leovigildo Coelho, coordenador de Projetos em Tecnologia da FGV Conhecimento. Pesquisador interno do Centro de Inovação, Administração e Pesquisa do Judiciário da FGV

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