Luiz Vassallo e Fausto Macedo
12 de janeiro de 2020 | 05h39
Policiais federais revelaram, em um extenso estudo publicado na revista britânica Nature, a radiografia das organizações criminosas que atuam na Dark Web com pornografia infantil. O artigo expõe os meandros da Operação Darknet, e o caminho para desvendar o núcleo dos disseminadores da pedofilia, todos escondidos sob o manto de avatares, redes clandestinas, e servidores que dificultam sua identificação. De acordo com eles, as investigações tiveram 60% de eficiência, diante de um potencial teto de 90%. O estudo sobre a investigação que durou dois anos contou com a parceria de estudiosos irlandeses.
Fundada em 1969, a Nature é uma das mais renomadas publicações científicas do mundo. Bruno Cunha, Luiz Walmocyr e Jean Fernando Passold aprofundaram o comportamento dos usuários e as formas mais eficientes de deflagrar investigações contra os grupos de criminosos da internet. (a íntegra pode ser lida aqui)
O combate à pedofilia tem sido uma das preocupações do Ministério da Justiça, que chegou a fazer cooperações internacionais para mirar disseminadores de conteúdo. A mais recente fase da Operação Luz na Infância, que também mira pedofilia na internet – ação da Secretaria de Operações Integradas do Ministério da Justiça e Segurança Pública – foi deflagrada em setembro de 2019, e contou com o apoio de diversas autoridades internacionais. No total da Operação, 656 policiais, em 11 estados brasileiros e, ainda, nos Estados Unidos, Panamá, Paraguai, Chile, Equador e El Salvador atuaram nas buscas decretadas contra 105 alvos.
O artigo tem como foco uma apuração aberta pela PF entre 2014 e 2016. A Operação Darknet, objeto do estudo, foi deflagrada contra pedofilia na Web. Somente uma de suas fases, em 2016, mirou um grupo de 67 pessoas ligadas à distribuição de pornografia infantil na web em 16 estados.
Segundo o balanço completo da Darknet, foram 182 presos, sendo 170 compartilhadores e 12 usuários que somente visualizavam o conteúdo. Eles revelam que 10 alvos da operação eram responsáveis por um terço do conteúdo espalhado no subterrâneo da internet. À época, 8 chegaram a ser presos e as publicações que concentraram 60% das visualizações foram derrubadas. Os federais descobriram seis casos de abuso contra crianças entre os investigados.
De início, chama atenção a forte concentração entre os responsáveis por divulgar pornografia infantil na internet, o que, segundo os federais, torna mais eficientes as ações concentradas nestes usuários. Os inquéritos tiveram abrangência somente sobre usuários do Tor, uma das mais conhecidas redes da Deep Web.
Crédito: Gráfico apresentado no estudo indica publicações derrubadas pela Darnket
Os investigadores mostram que de 10,4 mil usuários, 9,6 mil estão conectados com o que chamam de ‘núcleo central’ de 766 indivíduos fortemente conectados. Estes 9,6 mil usuários não publicaram conteúdo. Em outra via, os 766 do núcleo compartilham e visualizam ativamente, o que os coloca, sob a ótica dos federais, na posição de estruturadores da organização criminosa.
Apesar de falar em núcleos, e papeis diferentes dentro das redes, os policiais federais ressaltam que o alto escalão dos criminosos da pedofilia na internet ‘tem muitas diferenças gritantes com outras redes criminosas conhecidas’. Eles apontam a forte fragmentação dessas estruturas mais importantes das organizações.
“Primeiro, essa falta de estrutura modular indica que os usuários não têm interesse em tópicos específicos do fórum. A segunda interpretação está relacionada ao fato de que evidências recentes sugerem que a modularidade surge em cenários competitivos como crime organizado, mercados financeiros ou sistemas biológicos predadores-presas. No entanto, o núcleo da rede em estudo aqui consiste em indivíduos que cooperam para atender às suas necessidades patológicas”, afirmam os federais.
Os federais relatam como filtraram os alvos a serem atingidos na operação. E, hierarquizaram, entre suas prioridades, aqueles que cometiam abusos contra crianças na vida real, seguidos por compartilhadores mais assíduos de conteúdo e depois por usuários que armazenavam o conteúdo.
Inicialmente, foi feito um esforço para descobrir quem eram as pessoas por trás dos avatares e, depois, o grau de envolvimento com os crimes. Em meio às dificuldades técnicas, e aquelas impostas pelos ritos da lei dentro das investigações, os federais chegaram aos mais importantes alvos.
Segundo eles, ‘apesar da rede ser muito robusta, ainda podemos interromper significativamente a quantidade de visualizações’. “Apenas 10 usuários contribuem para quase um terço das visualizações da postagem e outros 16 aumentam isso para metade. Oito desses dez principais usuários foram presos na investigação, ou seja, a polícia teve 80% de precisão em prender usuários que atraíram significativamente a maioria das visualizações”.
“Portanto, mesmo que não possamos interromper facilmente toda a rede no sentido tradicional, podemos diminuir o conteúdo fornecido sem usar a análise estrutural da rede. Nesse sentido, a verdadeira investigação resultou em 60% das visualizações removidas com a prisão de 182 usuários, uma conquista altamente eficaz pela polícia. No entanto, a investigação poderia ter sido direcionada a mais alguns usuários desses principais distribuidores para obter uma interrupção maior de ~ 90%. Ao remover indivíduos que concentram as visões, a atividade restante, embora estruturalmente coesa, reduziria a apenas uma pequena quantidade de visões, dificultando a atividade principal do fórum e interrompendo indiretamente o sistema”, afirmam.
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