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Bolsonarista é indiciado por homicídio duplamente qualificado de petista em Foz; polícia afasta motivação política

Polícia Civil do Paraná imputa a Jorge Guaranho crime de homicídio qualificado por motivo torpe e por causar perigo comum

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Por Bruno Zanette e e Pepita Ortega
Atualização:

Polícia Civil realizou entrevista coletiva para anunciar o indiciamento de Guaranho. Foto: Bruno Zanette

A Polícia Civil do Paraná indiciou na quinta-feira, 14, o agente penal e apoiador do presidente Jair Bolsonaro (PL) Jorge Guaranho pelo assassinato a tiros do guarda municipal Marcelo Aloízio de Arruda, tesoureiro do PT, no último sábado, 9, em Foz do Iguaçu. A polícia afastou motivação política no crime. A delegada Camila Cecconello informou que foi imputado ao bolsonarista crime de homicídio duplamente qualificado - por motivo torpe e causar perigo comum. A primeira qualificadora está ligada à "discussão por motivo vil", enquanto a segunda tem relação com o fato de cerca de oito outras pessoas estarem presentes no local do crime e, assim, poderiam ter sido atingidas pelos disparos feitos por Guaranho.

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Segundo a delegada, não há provas suficientes de que Guaranho queria cometer um "crime de ódio contra pessoas de outros partidos". Ainda segundo Camila, "é complicado" dizer que o "homicídio ocorreu porque o autor queria impedir o exercício dos direitos políticos daquela vítima".

"Para você enquadrar num crime político, na lei de crimes contra o Estado Democrático de Direito, você tem alguns requisitos, como impedir ou dificultar uma pessoa de exercer seus direitos políticos. Então, é complicado a gente dizer que foi motivado, ou que esse homicídio ocorreu porque o autor queria impedir o exercício dos direitos políticos daquela vítima. A gente analisa que, quando ele chegou ao local, ele não tinha essa intenção de efetuar os disparos, ele tinha a intenção de provocar", disse a delegada. "É muito difícil analisar os autos, com as provas que nós temos, e dizer que o autor foi até lá, voltou porque queria cessar os direitos políticos ou atentar contra os direitos políticos daquela pessoa. Parece, muitas vezes, mais uma coisa que acabou virando pessoal entre duas pessoas que discutiram, claro, por motivações políticas."

Marcelo Arruda foi assassinado a tiros durante sua festa de aniversário. Foto: Reprodução

Segundo a Polícia Civil do Paraná, Guaranho ficou sabendo da realização de uma festa com a temática do PT durante um churrasco do futebol, em local próximo à Associação Recreativa e Esportiva da Segurança Física (Aresf), onde Arruda comemorava o seu aniversário. Inicialmente, foi dada uma versão de que Guaranho, como diretor do local onde o evento era promovido, fazia uma ronda, o que foi agora refutado.

Segundo a delegada, uma testemunha que estava no churrasco tinha acesso às câmeras de monitoramento da Aresf e abriu as imagens durante o evento. O agente penitenciário viu a gravação, perguntou onde ocorria a festa e, sem mais comentários, saiu do churrasco e seguiu para o aniversário de Arruda com sua mulher e uma criança.

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Já no aniversário, segundo o depoimento da mulher do agente penal, ela foi atingida por terra e pediu para ir embora em meio à discussão que Guaranho e Arruda tiveram. Ainda segundo a testemunha, o marido disse que a situação "não ia ficar assim", que "foram humilhados" e que ele iria voltar ao local. A mulher disse que pediu para o esposo não retornar, sem sucesso.

Ainda de acordo com a Polícia Civil, as pessoas que estavam no aniversário de Arruda ficaram assustadas com a discussão. Segundo a delegada, o guarda municipal e o agente penal não se conheciam e Arruda não sabia que se tratava de um agente de segurança. Arruda, então, pegou sua arma e ficou com ela na cintura, segundo os investigadores.

Chegou a ser solicitado ao porteiro da Aresf que o portão da associação fosse fechado, o que ocorreu. Ao retornar ao local, o próprio Guaranho tenta abrir a passagem, interpela o porteiro e diz "sai da frente, o problema não é com você e vou entrar", segundo Camila. De acordo com a delegada, o agente penitenciário, ao avistar Arruda, saca a arma, assim como o guarda municipal.

Ambos ficaram cerca de três ou quatro segundos dizendo "abaixa a arma" um para o outro, relatou a delegada. Segundo ela, Arruda disse: "Abaixa essa arma. Aqui tem polícia. Aqui só tem família". Já Guaranho disse apenas "Abaixa a arma". Em seguida, o agente penal começou a disparar contra a vítima.

Ainda de acordo com a polícia, o agente penal efetuou quatro disparos contra Arruda, sendo que dois atingiram o guarda. A vítima, por sua vez, fez dez disparos, sendo que quatro alvejaram Guaranho.

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Guaranho teve sua prisão preventiva decretada na segunda-feira, 11. A Justiça considerou que o agente penitenciário "coloca em risco a ordem social" e que sua detenção cautelar era necessária para evitar "reiteração criminosa". Segundo a Polícia Civil, o indiciado se encontra hospitalizado e sedado.Apesar do indiciamento, os investigadores ainda aguardam o resultado de exames periciais. Não foi informado durante a coletiva de imprensa sobre o caso se foi cogitado requerer uma prorrogação de prazo das apurações. O relatório agora é encaminhado ao Ministério Público do Paraná, que pode oferecer denúncia contra Guaranho. Em nota, a Promotoria informou que o Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado vai analisar o processo e trabalhar no oferecimento da peça de acusação, dentro do prazo legal.

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O celular de Guaranho só foi apreendido na quinta-feira, 14, após a execução de uma ordem de busca para a coleta do aparelho que estava em posse da mulher do agente penal. Segundo a polícia, o objeto não foi apreendido no dia do crime porque foi levado ao hospital junto com o agente penal. A mulher de Guaranho teria dito aos investigadores que só entregaria o aparelho após ordem judicial.

Ao longo das investigações, a Polícia Civil realizou 18 oitivas de testemunhas sobre o caso, segundo a Secretaria da Segurança Pública e a Polícia Civil do Paraná. Foram colhidos depoimentos de testemunhas que estavam no local onde Arruda foi morto, familiares do guarda municipal e também de Jorge Guaranho. Os investigadores também analisaram imagens de câmeras e informaram terem cumprido "diligências complementares".

Defesa de Guaranho concorda com conclusão do inquérito e família de Arruda prefere não se pronunciar

Para a defesa de Jorge Guaranho, a conclusão do inquérito, de que não houve crime político, está correta. "A defesa entende que está correta a forma da autoridade policial em não admitir que tenha sido um crime cometido em detrimento da política", disse o advogado Cleverson Ortega.

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Os advogados afirmaram que ainda não tiveram acesso ao inquérito na íntegra, para, a partir daí, traçar a linha de defesa. "Ainda tem que ter acesso ao inquérito, todas as provas que foram carreadas ao inquérito, vai ter que ver o posicionamento do promotor, de que forma vai oferecer essa denúncia, quais as qualificadoras que vai oferecer na denúncia, para a defesa trabalhar em cima disso. A defesa trabalha em cima do que a acusação produz", analisou o advogado.O estado de saúde de Jorge Guaranho continua considerado grave, porém estável. Ele está internado no Hospital Costa Cavalcanti, em Foz do Iguaçu, respirando por ajuda de aparelhos. A defesa crê que o depoimento do agente penal é fundamental para esclarecer a motivação do crime, o que não se tem previsão de ocorrer, devido ao estado de saúde do agente penal.

Procurado pela reportagem, Leonardo, filho mais velho de Marcelo Arruda, preferiu não se pronunciar no momento. A viúva do guarda municipal, Pâmela Suellen Silva, chegou a ir até a Delegacia de Homicídios para ter conhecimento da conclusão do inquérito, já que não acompanhou a coletiva. Abordada pela reportagem, ela preferiu aguardar uma orientação dos advogados para se manifestar.

Jorge José da Rocha Guaranho é agente penitenciário federal e apoiador do presidente Jair Bolsonaro. Foto: Reprodução

Juiz nega decretar sigilo das investigações

Às vésperas da conclusão do inquérito, o juiz Gustavo Germano Francisco Arguello, da 3ª Vara Criminal de Foz do Iguaçu, negou pedido para decretar o sigilo da investigação sobre o homicídio de Arruda. A solicitação partiu de familiares do guarda municipal e teve concordância do Ministério Público, da Polícia Civil e da família de Jorge Guaranho.

A avaliação do magistrado foi a de que, apesar da "considerável repercussão do fato investigado e a dor dos familiares causada pela ampla exposição dos elementos probatórios", "não se verifica dano à intimidade capaz de autorizar a aplicação da publicidade restrita" ao processo.

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"Por não vislumbrar a existência de qualquer justificativa que excepcione a regra prevista no art. 5º, LX, da Constituição Federal - 'a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem' - indefiro o pedido de decretação do segredo de justiça nos moldes como aduzido", registrou Arguello em despacho dado nesta quinta-feira, 14.

O juiz impôs sigilo somente a diligências requisitadas pelos investigadores que envolvem dados de comunicação telefônica e telemática, e detalhes sobre a ficha funcional disciplinar de Guaranho, contendo informações médicas.

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