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Podemos ser otimistas?

Por José Renato Nalini
Atualização:
José Renato Nalini. FOTO: DANIEL TEIXEIRA/ESTADÃO Foto: Estadão

Muitos pedem otimismo. É a metade do copo cheio que deve prevalecer, não a metade vazia. É impossível não enxergar os desafios postos a qualquer pessoa viva neste março de 2021. Há quem necessite de psicoterapia. Mas é possível encontrar dentro de si, instrumentos propiciadores de um treinamento autógeno.

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É assim chamado o método idealizado no final da década de 20 do século passado, pelo psiquiatra alemão Johannes Heinrich Schultz. Ele o chamou de método de autodistinção da concentração psíquica passiva que permite modificar situações psíquicas e somáticas.

Todos temos consciência de que a angústia gera efeitos fisiológicos, reações do organismo. Quem já não experimentou aceleração do ritmo cardíaco, a alteração do sono, um descontrole da ansiedade e outras sensações desconfortáveis?

A técnica do treinamento autógeno pode funcionar para algumas pessoas. Repetir frases curtas ou fórmulas que gerem respostas. Por exemplo: "estou ficando com sono". "Consigo domar a minha ansiedade". "Estou me sentido bem".  Uma espécie de auto-hipnose.

Para alguns funciona. Todavia, há um pressuposto: assimilar a ideoplasia, cujo fundamento é o de que tudo o que pensamos vai resultar em imagem mental e produzir modificações reais no organismo. E treinar a concentração passiva, ou seja: fazer com que a vontade se oriente para aquilo que se está falando.

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Na verdade, tais exercícios são recomendados para angústias leves, aquelas com as quais as pessoas convivem e, às vezes, sequer se dão conta. Só que o mundo está sendo cada vez mais povoado por neuroses. Como não viver cheio de medo, se há um vírus no ar que se propaga com intensidade e que mata sem piedade? O pânico faz com que o indivíduo confunda a realidade com os seus desejos. Não tem paciência para aguardar uma solução que está cada vez mais remota. Sua mente é atormentada por ordens interiores, de uma rigidez que pode parecer hostilidade para os demais.

Nossos tempos são pródigos em suscitar uma intensificação do medo da morte. Para o psicanalista Otto Rank, ao virem ao mundo, os humanos sofrem o trauma do nascimento. Uma sensação de agonia que se experimenta ao nascer e que pode ser considerada a primeira experiência da morte. Uma passagem difícil, por um estreito canal, com dores reais. Abandona-se o conforto do ventre materno e enfrenta-se a luz, a necessidade de respirar, um desafio ignoto.

Quando as pessoas não têm a acompanhá-las a nuvem mórbida de crescentes estatísticas de letalidade, elas não costumam vivenciar medo mórbido da morte. Pois há mecanismo instintivo que impede o humano de imaginar ou elaborar o momento de sua própria morte. Para o inconsciente, a ideia de morte é algo inexistente. Embora se saiba que ela chegará para todos, indefectivelmente, na profundidade recôndita da consciência todos se acreditam imortais.

Aqueles que se dizem crentes, qualquer seja a sua fé, teriam de arrostar com resignação e força a probabilidade irrecorrível de morrer. Afinal, acreditar que esta vida é peregrinação transitória, rumo à imortalidade, é um conforto incrível. Paradoxal que tantos presumivelmente religiosos, se apavorem com a morte e não saibam encará-la de forma compatível com os postulados de sua fé.

Mas até para os agnósticos ou ateus, é possível encarar a morte com certa serenidade. A psiquiatra suíça Elizabeth Kubler-Ross afirma que a morte oferece maravilhosos experimentos. É a passagem para a "casa mais linda" ou a "libertação da borboleta do seu casulo". A educadora Esther de Figueiredo Ferraz dizia que a vida inteira era reservada ao aprender. Até a morte ensina. A aceita-la de forma tranquila, numa entrega serena para o indecifrável mistério.

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O medo continuará a existir, mas como afirmou Carl Jung, "não devemos nos entregar ao medo, mas temos de aceitar tê-lo". Conviver com ele e domesticá-lo. Afinal, como diz o psicoterapeuta Roberto Assagioli, que criou a escola "psicossíntese", "É preciso vencer a morte, não a morte, mas o terror da morte, que provém da não-compreensão da vida. Se você for capaz de compreender a vida e o seu fim inevitável e benéfico, você não temerá mais a morte, não mais servirá a si mesmo ser mortal, para servir ao imortal: a Deus, do qual você provém e ao qual retorna. Do ponto de vista espiritual, a morte não existe. Quando abandonamos o corpo físico, passamos para uma vida mais bela, mais luminosa e mais livre. O corpo é apenas uma veste...".

A gratuita dádiva da existência é um dom tão precioso, tão encantador, que o mero fato de acordar é motivo para ser otimista. Afinal, ainda respiro, enxergo, ouço e posso usufruir dessa maravilha que é existir.

*José Renato Nalini é reitor da Uniregistral, docente da pós-graduação da Uninove e presidente da Academia Paulista de Letras - 2021-2022

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